Desabafo de um utente sobre atendimento no Hospital Agostinho Neto
Ponto de Vista

Desabafo de um utente sobre atendimento no Hospital Agostinho Neto

Nos termos de Constituição da República  todos têm direito à saúde e o dever de a defender e promover, independentemente da sua condição económica, sendo o Serviço Nacional de Saúde definido como sendo um conjunto integrado de todos os recursos humanos, financeiros e materiais de propriedade pública, privada ou mista que a administração central, as autarquias locais e outras entidades reúnem para assegurar o direito à saúde da população, e, em particular, a prestação de cuidados de saúde adequados às suas necessidades. Mas as coisas não estão a correr assim como a lei prevê, e pessoas estão sendo vítimas de um sistema de saúde retrógada, incompetente e injusta.

“Se as pessoas defendessem a igualdade social da mesma forma que se agarram os seus privilégios, nosso mundo seria completamente diferentes”. Marianna Moreno

É incontestável que os sucessivos governos e dirigentes sectoriais vêm trabalhando na melhoria de sistema de saúde em Cabo Verde, também é verdade que no decorrer desses tempos houve avanços e recuos, quiçá por falta de monitorização e controlo de certas atividades.

Este artigo debruça particularmente nas questões relacionadas com o atendimento de um modo geral, com particular destaque para o Hospital Agostinho Neto, decorrente de factos vivenciados por mim e meus familiares, aquando da doença da minha irmã, que hoje já não faz parte do mundo dos vivos.

A morte é certa, mas é dolorosa, sobretudo, quando ficamos com a perceção que alguém poderia dar melhor de si, para evitar que certas mortes sejam imaturas.

Tudo começou no dia 07 de abril de 2020, quando a minha irmã foi hospitalizada no Hospital Regional Santa Rita Vieira, entretanto, porque o episódio é longo, prefiro relatar os dolorosos dias, 18, 19 e 20 de dezembro de 2020, passados no Hospital Dr. Agostinho Neto, Cidade da Praia, Capital de Cabo Verde, que se encontrava num estado de saúde bastante crítico.

Chegamos na Central de Consultas, no dia 18 de dezembro, por volta das 10 horas, dirigimos a um assento, a minha irmã ficou apoiada no regaço da minha esposa, porque não conseguia sentar sozinha.

Dirigi-me para o serviço de atendimento, para precisar a hora da consulta, logo, deparei-me com um funcionário muito agitado, tentei falar com ele, mas ele não quis ouvir a minha conversa, mal abro a boca ele responde. Todas as repostas dele eram pré-programadas, tive que redobrar a paciência.

Ele começava uma coisa, e mal começa, deixa para fazer outra, talvez para passar a ideia que está com muito trabalho, entretanto, o que evidencia é a mais pura falta de organização.

O pior é que nem tinha como reclamar, porque o funcionário não estava identificado, o livro de reclamações deixou de existir. Esse é um mal que já infestou toda a Administração Pública.

Passados uns minutos, roguei-lhe se nos pudesse facultar o carinho de roda que estava ali, para que a minha irmã pudesse sentar com melhor conforto.

Ele respondeu que sim, entretanto, levou alguns minutos. O carinho estava completamente sujo. Ele pegou num guardanapo que supostamente acabara de usar, fingiu -se que estava a limpar o carinho, e eu ali observando, quando nos deu o carinho, eu perguntei-lhe, se ali não havia empregada de limpeza, que pudesse dar um jeito melhor.

Ele disse que sim, entretanto, chamou a empregada (supostamente um serviço terceirizado), vem a empregada deu um” Jack” e virou-se para ir se embora, eu chamei-lhe atenção. Senhora!  Por favor! Podia dar um jeitinho melhor nesse carinho? Ela voltou, deu mais “jack” e foi se embora.

Eu estava bastante revoltoso com aquilo, mas é própria minha irmã, que levantou a cara e disse-me: Calma mano! Claro! Eu teria que ouvir o conselho dela.

A consulta estava marcada para 11 horas, entretanto, a Médica chegou minutos depois das 12 horas.

Chegou, mal deu uma boa tarde, dirigiu para a minha irmã e disse: “Você tem que levantar para fazer a sua vida normal! Já viste aquela senhora! Ela também tem o mesmo problema que você, mas está a fazer a vida dela tranquila”.

Importa realçar que não foi a primeira vez que essa Médica tem comportado com minha irmã, e perante essa situação, fiquei sussurrando:

Que sensibilidade é essa? Onde está o profissionalismo e amor à profissão que escolheu?

Será que essa forma mais correta de falar com um paciente?

Sabendo que pessoas podem até ter mesma patologias, mas as manifestações são diferentes?

Quando entramos no consultório, ela disse para mim: “A sua irmã é suspeita de lúpus (doença inflamatória crónica do tecido conjuntivo afetando a pele e outros órgãos internos.  In dicionário online – Porto editora), entretanto, hoje ela vai fazer umas análises, depois vamos ver o que fazer”.

Depois de ter observado a minha irmã, mandou-nos fazer análise. Eram quase 13 horas, saímos em plena via pública, debaixo de um sol ardente no carinho de roda, de Central de Consulta até o Serviço de análise (de um extremo para outro extremo do hospital).

Estando nós em direção ao serviço de análise, ouço uma voz a gritar. Senhor! Senhor!  Quando voltei a cara, era a Médica estagiária que estava a acompanhá-la no consultório. Ela a estagiária preocupada, disse me: vim chamar-lhe para responder a Doutora.

Enquanto a minha esposa caminhava com a minha irmã em direção ao Serviço de análise, fui ter com Médica. Ela disse-me que aminha irmã estava com problemas graves e que deveria ficar hospitalizada, logo após o resultado de análise.

Reporta-se que uma semana antes, a Médica tinha manifestado que a minha irmã, precisava ficar internada, mas não fez diligência alguma. Quem decide internamento é o Médico(a) e não o paciente, talvez se fizesse, não aconteceria o pior, daí a minha indignação para com atitudes que nada abonam o serviço.

Por enquanto prefiro não dizer o nome da Médica em causa, porque o meu interesse é alertar os responsáveis daquela estrutura de Saúde   e não só.

Concluída a análise, entregamos o resultado para ela, no Central de Consultas, donde ela deu-nos o papel para internamento no Banco de Urgência – Serviço de Cuidados intensivos.

Na minha humilde opinião, mais uma vez essa Médica pecou redondamente, faltou o rigor e profissionalismo no exercício da sua função. Porquê? Porque na condição que a minha irmã estava, seria mais facil um funcionário do Hospital, quiçá um enfermeiro, auxiliar, conduzi-la   do que um familiar.

Estou-me a referir a um paciente em estado grave e que a Médica mandou internar nos cuidados intensivos, onde ficamos mais de duas horas à espera para que ela fosse internada.

Quando foi internada o Médico de serviço passou-me uma requisição de exame de TAC, para ser entregue na Clínica Cardiomed

Ao dirigir-me para serviço de atendimento da Clínica, fui encaminhado para uma técnica supostamente de serviço de TAC, donde, a mesma passou-me uma receita para comprar os reagentes e disse-me: “Esse medicamento só existe na FARMACIA SANTA ISABEL EM ACHADA SANTO ANTÓNIO”.  Eu perguntei-lhe: Nas farmácias no Plateau não há? Ela pediu-me a receita e sublinhou num dos nomes de reagentes, quiçá o mais importante e disse-me: “Só na FARMACIA SANTA ISABEL EM ACHADA SANTO ANTÓNIO”.

Eu não podia perder o tempo, porque o que estava em causa era a saúde da minha irmã. Assim segui a orientação. Peguei num táxi fui à tal Farmácia fiz a aquisição dos reagentes, que mesmo na posse de Cartão do INPS, paguei 5.522$00 (cinco mil seiscentos e vinte escudos).

Pus-me a imaginar! Quem não tem rendimento, como passaria numa situação idêntica?

O exame de TAC estava previsto para dia 19 às 15 horas, mas aconteceu por volta da 16, entretanto estando eu por volta das 14 horas na porta de Banca de Urgência à espera se conseguia ver a minha irmã, eis que recebi uma chamada supostamente da referida Clínica, informando-me que a minha irmã acabara de fazer o exame TAC, e que deveria deslocar-me ao serviço para fazer o pagamento.

 Gravei o número telefone, chamei de volta, não fui atendido, de seguida enviei uma mensagem, com seguinte teor: (a minha irmã ainda não foi fazer TAC, ela ainda está no Hospital. Eu estou aqui no Banco de Urgência).

  Mesmo assim dirigi-me ao serviço de tesouraria da Clínica para efetuar o pagamento. Chegando ao local eis o meu espanto! A funcionária que me atendeu, disse-me que nenhum paciente de nome Maria Torres Lopes tinha dado entrada Clínica.

Voltei novamente para Urgência e por volta das 16 horas saíram com aminha irmã.  para ir fazer o exame de TAC numa Ambulância.

 Confesso! não sei se estava na Ambulância um doente ou um cadáver, quando chegaram à porta de Clínica foi   doloroso ver a forma com transportava aminha irmã naquela maca, com vários parelhos ligados, mas sem condições de segurança.

 A clínica não tem rampa de acesso foi um solavanco ao carrega-la. O corpo, principalmente a cabeça   saltava em cima da maca de um lado para outro.

Foi horrível ver um familiar naquela situação! Doe!  até o último fio de cabelo!!

Mal entraram na Clínica ouço um grito de socorro do Médico que a assistia (por sinal um médico estrangeiro). Dizia ele:

“Já pagaram! Já pagaram! venham pagar porque caso contrário não fazem TAC”.

 Fui a correr para o balção, paguei de 11.000$00 (onze mil escudos). Mal acabo de fazer o pagamento saiu a funcionária a correr para apresentar o justificativo de pagamento, no local onde realizam o exame de TAC.

Pus-me a imaginar! Quem não tem rendimento, como passaria numa situação idêntica?

No dia seguinte, ou seja, dia 20 de dezembro   cheguei ao Hospital por volta das 7.45 recebi a primeira notícia do Médico, que a minha irmã não estava nada bem, que estão a fazer por tudo, mas que deveria estar preparado, para o pior, mesmo assim, não me faltou a coragem, rezei e roguei a deus, para não deixar a minha irmã partir o outro mundo.

Por volta dos 12.15 minutos, o outro Médico que recebeu o turno, mandou chamar-me, e deu-me a notícia da morte da minha irmã. Foi doloroso. o meu estado de espírito estava de tal ordem que não consigo descrever.

Deus deu-me coragem. Telefonei os meus amigos mais próximos, todos eles prontificaram-se na hora. Vós sabeis meus amigos, quão grato fiquei com a vossa prestação. Que continuemos assim.

O Médico deu-me um documento no qual deveria dirigir-me para a Central de Consultas, para fazer o lançamento.

A CENTRAL DE CONSULTAS está complemente fechada, tudo às moscas. Nem os funcionários de Banco de Urgência, nem os do PBX, sabem quem está de Serviço. Foi uma autêntica atrapalhação, ficamos no Hospital sem rumo, sem direção.

Tive que recorrer a um amigo que, por sua vez, teve que pedir alguém que não estava de serviço, para vir fazer trabalho de uma pessoa que se ausentou do posto. Estamos a referir ao maior Hospital do País e com maior concentração de pessoas.

Tudo o que eu disse neste artigo, mesmo que por via informal, chegou a quem de direito. O que fizeram para melhorar a situação?

Que abordagem foi feita à Médica e ao funcionário que ausentou do posto? Quanto ao primeiro, nem faço questão porque não estava identificado, não consigo dar uma pista.

 Acredito, que há casos piores, mas infelizmente, muitos optam por silêncio.  É o serviço público que temos, e que, entretanto, pessoas com responsabilidades neste País andam a gabar-se.

Há dias assisti através da TCV, o Presidente de Assembleia Nacional, a vangloriar-se publicamente, de que, o mais -lhe impressionou na visita ao Hospital Agostinho Neto foi a humanização de serviços.

Isso é ofensa aos Cabo-Verdianos. O Senhor Presidente de Assembleia Nacional esqueceu-se que ele foi hóspede, e que a visita foi guiada e com hora marcada.

Elogiar sim. Elogiar o que merecer ser elogiado, mas sem descambar no exagero e mais, chamar atenção para corrigir lá onde precisar melhorar e criar condições o efeito.

A humanização pressupõe a existência de cuidado realizado com empatia, atenção e acolhimento integral, comunicação eficiente, confiança, segurança, infraestrutura adequada, etc.

E falando da infraestrutura adequada, já é tempo de construir um hospital de raiz na Cidade da Praia, que dê respostas às demandas atuais e futuras de longo e médio e longo prazo.

 

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