Este ensinamento que guardo do meu avô, deveria ser aprendido, partilhado e implementado por todos. Principalmente os homens urbanos, administradores, gestores e políticos que queiram ter boas colheitas de suas azáguas. Constato, infelizmente, pessoas a semearem sem selecionar o milho de semente e, em campos produtivos esquecem-se, muitas vezes, de guardar a sementeira e proceder à limpeza das ervas daninhas. Será que alguém ainda deve ensinar aos nossos homens urbanos que para que se tenha boa azágua devem selecionar as melhores espigas de milho para a semente, debulhá-lhas carinhosamente à mão e conservá-las; depois, devem preparar com antecedência e em djunta mon o campo de cultivo? E que ao realizar a sementeira, devem envolver todos na guarda lugar, depois na monda e ramonda, para que se tenha boa colheita?
Conheci o meu avô paterno já velho e adoentado. Asmático e raquítico, mostrava-se sempre enfastiado porque, segundo assegurava, enquanto agricultor, já não tinha serventia para o trabalho de campo. N ka bali más. No entanto, todos da vizinhança reconheciam nele um camponês ainda muito respeitado, conhecedor das fases lunares e de alguns segredos da natureza, quando o assunto era azágua.
Apesar de fustigado por uma doença crónica, era uma pessoa enérgica e impulsiva, principalmente quando achava que as filhas o chateavam ou lhe faltasse ao respeito. E não eram raras as vezes que, de raiva, mordia o próprio braço, pois nunca alcançava uma para descarregar a fúria. A esse propósito, diziam-se que o homem era descendente do Fogo. Mas, que eu saiba, nunca tinha ido àquela Ilha conhecer os familiares, se é que era verdade o que diziam. Quando não estava chateado era um amor de pessoa. Muito delicado, sensível e metódico. Guardo dele boas recordações porque nunca admitiu que eu, o primeiro neto dele, fosse castigado por mais travessura que tenha cometido.
Sempre me contava as aventuras do tempo dele. Explicava-me porque nas lides da vida teve de emigrar para o Sul (São Tomé e Príncipe). Mas, essa emigração, contribuiu para que aprendesse um pouco mais sobre os problemas estruturais da sociedade que tinham a ver com os direitos de cidadania, da sobrevivência dos filhos(as), de agricultores e familiares e, nesse seu discurso transitava e de que maneira, entre espaços sociais da realidade cabo-verdiana e são-tomense. Mas, o ponto forte dele era, sem dúvida, os conselhos que nos transmitiam. Sábio que nem Rabelado Nosso Senhor Jesus Cristo, vô Victorino ensinávamos coisas tradicionalmente ligados ao mundo rural e sistema de produção agrícola. Exigia que se cumprisse à métrica seus alvitres, para que se desfrutasse de boas azáguas.
Ele tinha a plena consciência de que o homem rural poderia ensinar muitas coisas ao homem urbano, muito embora, naquele tempo, as pessoas que viviam no campo fossem consideradas rústicas, atrasadas e ingênuas. Bom, não seria nenhuma inverdade se dissesse que em Cabo Verde vivemos uma história urbana, onde seus homens participam mais do pacto político e administrativo do que os camponeses.
Ora bem, recordando o meu avô, trago à meditação dos meus leitores, aquilo que me ensinou e que acho que ainda hoje poderá servir a todos nós, não apenas os que estão investidos em altos cargos de administração, como também aos que fazem da política sua profissão.
Vejam só como funcionavam as coisas lá em casa com o meu avô no dia-a-dia e, principalmente, na eminência de uma boa promessa de azágua. Já em outubro, quando a safra parecia boa e logo que o milho começava a amadurecer, aconselhávamos a não colhermos as melhores espigas de milho verde porque deveriam ser conservadas para a próxima sementeira do mês de junho/julho, ou seja, para nove (9) meses depois. Assim, logo que colhermos o milho seco em dezembro ou janeiro, selecionavam-se logo as melhores espigas para que servissem de sementes. Esse milho era descascado manual e carinhosamente e pendurado no teto da “dispensa” para secagem completa. Depois seria debulhado manualmente. Finalmente, passava por mais uma fase de seleção, limpeza e armazenamento.
A seguir, todo o trabalho era dirigido à preparação do campo já em abril/maio. Nesse aspecto, embora meu avô era analfabeto, várias medidas agrónomas eram tomadas para a conservação do solo, incluindo limpezas e prevenção contra a erosão. Em maio/junho, faziam-se experiências com as sementes. Lembro-me bem como o avô Vitorino procedia, semeando alguns gãos de milho em recipientes que eram cautelosamente monitorados para se averiguar o estado de fecundidade, isto é, o número de dias que levada a germinar e a “natureza” da planta examinando a espessura do caule.
O resultado era partilhado com a vizinhança e trocavam impressões até se sentirem preparados para a próxima faina agrícola. A azágua, meus caros, constitui uma fase que exige trabalho árduo e envolvência de muita mão-de-obra, envolvendo desde crianças, moçadas a adultos. O meu avô costumava dizer: simia ka náda, kôdji kê tudo!
Eu também entrava em cena. Sentia que era útil e divertia-me muito. Pequenino, à semelhança dos meus colegas, levantava-me de madrugadinha para ir ao campo, guardar a sementeira dos estragos dos corvos, pardais, galinha de mato e macacos. As achadas e ladeiras enchiam-se de funcos. Nós, os miúdos, preparávamos as nossas fundas, os mais crescidos levavam fundas e latxidêras. Fazíamos buracos no chão para confecionarmos a talina e cantávamos “talina, lau, lau… talina, lau, lau…” Mas preparávamos, também, armadilhas várias como pé-de-galinha, cedénhe e imbipo para caçarmos aves invasoras. Tudo porque ao mínimo distração, intrusos invadiam lugares e, em um zás, davam cabo da cultura. E, quanto mais produtivo o campo, mais trabalho se exigia, porque os santxus (macacos) não davam a mínima trégua. Guardar azágua é um trabalho duro. Sem esquecer o período de monda, ramonda…Nisso o meu avô tinha razão. De fato: simia ka náda, kôdji kê tudo! Hoje quando vou ao meu berço vejo muitos desses lugares abandonados, alguns à mercê de macacos.
Este ensinamento que guardo do meu avô, deveria ser aprendido, partilhado e implementado por todos. Principalmente os homens urbanos, administradores, gestores e políticos que queiram ter boas colheitas de suas azáguas. Constato, infelizmente, pessoas a semearem sem selecionar o milho de semente e, em campos produtivos esquecem-se, muitas vezes, de guardar a sementeira e proceder à limpeza das ervas daninhas. Será que alguém ainda deve ensinar aos nossos homens urbanos que para que se tenha boa azágua devem selecionar as melhores espigas de milho para a semente, debulhá-lhas carinhosamente à mão e conservá-las; depois, devem preparar com antecedência e em djunta mon o campo de cultivo? E que ao realizar a sementeira, devem envolver todos na guarda lugar, depois na monda e ramonda, para que se tenha boa colheita?
Pois, podem crer que onde se faz sementeira com milho-semente furado, nem valerá a pena perder tempo a tentar regar e adubar o terreno. Se não, corre-se o risco até de perder colheita onde, eventualmente, se tenha lançado melhor semente e não se tenha guardado o lugar. E, parafraseando ainda meu compatriota Mário Lúcio e Sementêra: Purgunta nhu Adrianu/ ómi la di Txáda Longuera/ módi kê pasába kel anu/ kê dexa pádja na lugar/
Portanto, fiquem com o conselho do meu avô: simia ka náda, kôdji kê tudo!
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