Cabo Verde, tantas vezes apontado como exemplo de democracia e liberdade de imprensa em África, vive hoje um clima de tensão que ameaça corroer os seus alicerces. Nos últimos meses, jornalistas, advogados e políticos da oposição têm sido alvo de processos judiciais, acusações controversas e até ameaças de buscas em suas residências. Entre os nomes envolvidos destacam-se Hermínio Silves, Rosana Almeida, Amadeu Oliveira e Janira Hopffer Almada.
Jornalistas no banco dos réus
Hermínio Silves, diretor do Santiago Magazine, enfrenta mais um processo movido pelo Ministério Público, acusado de “desobediência qualificada” por alegada violação do segredo de justiça. Este não é um caso isolado: Daniel Almeida e outros profissionais já foram também constituídos arguidos em situações semelhantes. O problema central reside nas contradições do Código de Processo Penal — enquanto um artigo isenta jornalistas de responsabilidade sobre o segredo de justiça, outro prevê que “qualquer pessoa” pode ser acusada se divulgar informações. Esse vazio legal abre portas a perseguições contra quem faz jornalismo investigativo.
Rosana Almeida, jornalista de carreira, tem denunciado a gravidade da situação: por um lado, leis que permitem acusações abusivas; por outro, a fragilidade estrutural da imprensa cabo-verdiana, marcada por falta de recursos, salários baixos e pressões externas. A Associação de Jornalistas de Cabo Verde (AJOC) já levou às ruas protestos exigindo revisão legal.
Amadeu Oliveira, entre tribunais e prisão
O advogado e ex-deputado Amadeu Oliveira continua no centro de processos mediáticos e judiciais. As acusações contra si cruzam-se com reportagens que envolvem suspeitas de desvio de fundos e irregularidades judiciais, matérias cobertas pela imprensa e que contribuíram para a perseguição a jornalistas como Hermínio Silves. A sua situação prisional também levanta dúvidas: circularam denúncias de falta de assistência médica, que o Ministério da Justiça desmentiu, assegurando que Oliveira tem acompanhamento regular.
O caso Janira Hopffer Almada
A pressão não se limita ao jornalismo. Janira Hopffer Almada (JHA), ex-presidente do PAICV e atual deputada da oposição, denunciou recentemente que poderia ser alvo de buscas judiciais em sua residência. Para muitos, este é um atentado direto à democracia e à livre expressão política.
JHA tem sido uma voz crítica contra os desmandos do atual governo, denunciando práticas abusivas e a falta de soluções para os reais problemas do país. As suspeitas de perseguição judicial representam não apenas uma tentativa de a humilhar, mas um sinal de que Cabo Verde corre o risco de transformar o exercício democrático em campo de intimidação. Ainda assim, como tem demonstrado ao longo da sua carreira política, Janira não se deixa abalar: sempre se levanta e sempre sai por cima.
A sua trajetória e a sua preparação técnica e ética fazem dela, para muitos, uma alternativa credível de liderança — alguém capaz de levar Cabo Verde a bom porto num momento em que o país parece perder o rumo.
Um país que persegue quem pensa diferente
O atual partido no poder insiste em transformar divergência em alvo. Jornalistas são tratados como criminosos por fazerem o seu trabalho, advogados são silenciados, opositores políticos são ameaçados. A democracia perde vitalidade quando quem pensa diferente é perseguido.
O governo, atolado em crises e em contradições, procura bodes expiatórios em vez de apresentar soluções. Resultado: cresce a perceção de que Cabo Verde deixou de ser um país livre e decente para viver, tornando-se um espaço onde se pune o pensamento independente.
Enfim, Cabo Verde só preservará o seu estatuto de democracia exemplar se proteger, em vez de perseguir, os que ousam falar. O jornalismo de Hermínio Silves, a coragem de Rosana Almeida, a resistência de Amadeu Oliveira e a determinação de Janira Hopffer Almada são sinais de que ainda existe vitalidade crítica no país. Mas também são alertas: quando a justiça e a política se confundem, quando as instituições se transformam em armas contra cidadãos, está em causa o próprio futuro da democracia cabo-verdiana.
David Veiga
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