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Apagão nas Telecomunicações? É possível?
Ponto de Vista

Apagão nas Telecomunicações? É possível?

Na noite do passado sábado, dia 11 de julho, os telemóveis ficaram sem rede, os telefones fixos pararam de tocar e a internet deixou de funcionar. Estes são alguns dos inúmeros serviços prestados pela CV Telecom que tiveram um blackout no seguimento e como consequência de um incêndio que afectou um dos sectores de energia das centrais da empresa, conforme noticiado.

No comunicado de imprensa o PCA da CV Telecom fez saber que “a Cabo Verde Telecom presta serviços a terceiros, incluindo a concorrência, e nesta linha, os prejuízos são incalculáveis, mormente pensando que o país praticamente paralisou”.

Com este blackout o país ficou literalmente sem comunicações, ainda que por algumas horas, para um ou outro serviço.

Os serviços vêm sendo gradualmente repostos e até esse momento (13:30 de 15 de julho). Passadas mais de 90 horas, não foi restabelecida a totalidade dos serviços que foram interrompidos com o incêndio.

TECNICAMENTE ISSO NÃO PODE ACONTECER E NÃO DEVIA TER ACONTECIDO.

No mundo contemporâneo, as telecomunicações constituem a base, das mais relevantes e transversais, para o desenvolvimento económico e social de qualquer país, tendo Cabo Verde abraçado, definitivamente, este desafio. Vale sublinhar o especial papel que foi confiado a este setor nos tempos que correm da pandemia causada pelo Coronavírus, não só no combate ao vírus em si mesmo, mas sobretudo na mitigação dos seus fortes impactos negativos. Quase que passamos a ter uma vida online devido às medidas sanitárias tomadas tanto a nível nacional como internacional.

Este apagão em grande escala interpela para uma profunda reflexão sobre questões técnicas da maior relevância como a securização, a redundância e a contingência nas comunicações e a tratar o tema como um sério assunto de Estado, sob pena de se deitar por terra opções estratégicas de desenvolvimento do país.

A interrupção das telecomunicações leva, nomeadamente, à indisponibilidade de serviços de TI e isso tem efeito desastroso nos negócios. O nosso mercado tem já uma demanda crescente por infraestruturas confiáveis ​​e de alto desempenho para atender a sistemas críticos e é quase impossível não falar em alta disponibilidade. Alta disponibilidade, nesse contexto, refere-se à qualidade de um sistema ou componente, para garantir um alto nível de desempenho operacional por um determinado período de tempo. Funciona como um mecanismo de resposta às falhas de infraestrutura.

A alta disponibilidade é importante porque, atualmente, também em Cabo Verde, as empresas têm forte dependência das telecomunicações e da internet para fazer negócios. Nesse sentido, ficar indisponível, mesmo que por um curto intervalo, pode gerar perdas consideráveis para as empresas.

A disponibilidade geralmente é expressa por uma percentagem que indica quanto tempo de atividade é esperado de um determinado sistema ou componente, num determinado período, em que um valor de 100% indicaria que o sistema nunca falha. Por exemplo, um sistema que garante 99% de disponibilidade num período de um ano pode ter até 3,65 dias de inatividade (1%).

As empresas têm diferentes necessidades de disponibilidade que dependem do nível de criticidade dos serviços que prestam. Aquelas que precisam permanecer operacionais o tempo todo durante o ano, como é geralmente o caso das de telecomunicações, têm normalmente o desafio da chamada meta dos “cinco noves”, ou seja, 99,999% de tempo de atividade, o que representa, aproximadamente, 5 minutos de inatividade por ano.

Mas o que pode causar a indisponibilidade? Bem, as empresas estão sujeitas a uma série de incidentes, planeados ou não, que podem tornar os seus sistemas indisponíveis, tais como substituição de equipamentos, ataques cibernéticos, falhas técnicas etc. Incidentes sempre acontecem. Por isso, contar com procedimentos definidos para essas situações é essencial para que os serviços sejam restaurados o mais rápido possível.

A implementação de alta disponibilidade é uma estratégia útil para reduzir o impacto desses tipos de eventos. Sistemas altamente disponíveis podem recuperar-se rapidamente de incidentes, muitas vezes até, de forma automática.

É crucial tirar as devidas lições deste evento e agir, imediatamente, em consequência. Mais do que nunca as infraestruturas de telecomunicações têm de ser à prova de falha e devem garantir que o país não fique paralisado e os negócios não parem, ou que param o menos tempo possível, sem consequências danosas.

Quem não se lembra do mediático episódio da British Airways, um problema na infraestrutura do centro de dados de suporte da companhia área aos aeroportos de Heathrow e Gatewick, em Inglaterra, que levou a que 75 mil passageiros, em 170 aeroportos, em 70 países, ficassem em terra? Os custos de episódios como este não podem ser desvalorizados. Num só dia, as ações da holding que detém a British Airways desvalorizaram 180 milhões de libras. A falha, em concreto, deveu-se ao manuseamento indevido de um equipamento, por parte de um técnico. Sim, as falhas ocorrem, técnicas, humanas ou por outras razões.

Quem trabalha com TI (Tecnologia da Informação) está familiarizado com o termo "redundância", que reúne os meios para se garantir a alta disponibilidade de um sistema, rede de computadores e todo o ambiente de TI em pleno funcionamento, em caso de falhas de máquina ou de sistema, incidentes diversos ou sobrecarga a uma ou mais aplicações. Ou seja, a redundância ajuda a driblar momentos de falha que podem comprometer os serviços da empresa.

Um exemplo bem simples são os serviços na computação em nuvem, que utilizam diversos centros de dados distribuídos territorialmente para se garantir a sua alta disponibilidade.

Desastres físicos, naturais ou não, como enchentes, ou até mesmo a queda de um avião nas instalações não são suportados apenas pela redundância. Nestes casos, é necessário a contingência, entendida como uma redundância externa, ou seja, localizada em locais remotos.

O contrato do serviço público de telecomunicações em Cabo Verde termina no dia 31 de dezembro do corrente ano. Foram vinte e cinco anos de concessão com profundos ensinamentos e penso ser fortemente recomendável uma avaliação consistente desse percurso para se projetar um novo paradigma para o setor das telecomunicações.

Durante esse tempo, o setor passou por grandes mutações e as inovações aconteceram à velocidade da luz. Por isso, o fim da concessão constitui uma oportunidade única para a construção de um novo paradigma para os próximos tempos. Deve ser construído um novo edifício institucional, legal e operacional, capaz de conferir ao setor o papel que lhe cabe no quadro do desenvolvimento económico e social do país, que em nada se assemelha ao que foi o objeto da concessão de 1995.

Tenho sido um defensor acérrimo de uma separação estrutural da nossa operadora incumbente pois, só assim será possível ter um mercado onde, verdadeiramente, impera a concorrência que, no fundo é a mola impulsionadora da qualidade de serviço e da acessibilidade pelos cidadãos. A separação estrutural não conjuga com renovação da concessão. Ela pressupõe e significa uma nova entidade empresarial, legal e operacionalmente distinta da CV Telecom, um novo objeto de concessão, voltado sobretudo para infraestruturas (determinadas infraestruturas) e novas condições de operação. Ao passo que a renovação da concessão pressupõe os mesmos signatários ou as mesmas entidades e, em certa medida, alterações muito ténues no objeto. No fundo, refiro-me a uma rutura com a atual concessão e a fixação de uma nova ajustada aos novos tempos, e com novos signatários.

As operadoras de serviço de telecomunicações devem ser autónomas e só haverá concorrência com a equidade de acesso a infraestruturas (backbone nomeadamente).

Mas não me repugnaria a ideia de participação acionista das operadoras de serviços de telecomunicações presentes no mercado na nova concessionária de gestão de infraestruturas, em igualdade de circunstâncias.

Novas exigências devem ser colocadas, em termos de, designadamente, certificações e fiscalização, devidamente geridas pela reguladora, para garantir que, por exemplo, episódios como o que ocorreu no dia 12, não venham a repetir-se.

Praia, 15 de Julho de 2020

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Redação