Deputada do MpD pelo circulo eleitoral de São Vicente denunciou, esta quinta-feira, 29, no Parlamento, durante a discussão anual sobre o estado da Justiça, "conflitos entre cidadãos identificados e alguns juízes, com potencial para fazer detonar todo o nosso sistema judicial, com reflexos directos no nosso Estado de Direito Democrático". Uma referência clara às queixas públicas do advogado e activista Amadeu Oliveira contra determinados magistrados judiciais a quem ele tem apelidado de serem juizes “gatunos”, “falsificadores” e “aldrabãozecos”, o que já lhe valeu inúmeros processos-crime, sem que, contudo, nenhum desses processos crimes tenha conhecido um julgamento ou uma decisão de condenação.
Foi uma intevenção de escassos cinco minutos, mas que acabou por se revelar uma pedrada no charco na forma como se vem debatendo há anos os problemas por que passa o sector da Justiça, sempre avaliada com base em relatórios oficiais que omitem e escondem dados de grande relevância para uma melhor análise da real situação, o que torna essas discussões parlamentares anuais em monótonas repetições sem nada resultados palpáveis.
Para já, é a primeira vez que um deputado da Nação se distancia claramente do lugar-comum e do cliché de avaliar a situação da Justiça em Cabo Verde pelo prisma dos recursos materiais e humanos que os sucessivos governos colocam à disposição do sector (caminho seguido pelos lideres das bancadas parlamentares), para focar exclusivamente nos ignorados alertas vindos da sociedade civil a reclamar sobre o não funcionamento da Justiça, devido a alegadas "influências e interferências criminosas" de alguns dos seus principais servidores, os magistrados judiciais.
Com efeito, enquanto os deputados das diferentes bancadas do PAICV do MpD se digladiavam sobre quem fez mais para a Justiça, Mircea Delgado, destemida e convicta nas suas palavras, decidiu então tocar na ferida, levando para a arena política do Parlamento, enquanto centro do poder, o debate sobre as diversas denúncias sobre a existência de juizes que introduzem ou retiram provas de processos e até mandar prender inocentes, razão pela qual foram apelidados de "gatunos, falsificadores de processos e aldrabãozecos".
"Nos debates sobre o Estado da Justiça neste Parlamento, o foco é sempre nos relatórios dos Conselhos Superiores das Magistraturas judiciais e do Ministério Público. As leituras dos vários sujeitos parlamentares face a estes importantes documentos acabam por transmitir, basicamente, a visão institucional da situação da Justiça, que não deve ignorar os alertas da sociedade civil, sob pena de ela ficar incompleta", começou por dizer a jovem deputada para acrescentar mais à frente: "É o último debate sobre a situação da Justiça que participo nesta Legislatura e até este momento passou despercebido no Parlamento um conjunto de conflitos entre cidadãos identificados e alguns juízes, com potencial para fazer detonar o nosso sistema judicial, com reflexos directos no nosso Estado de Direito Democrático em construção".
Mircea Delgado se recusou a mencionar os nomes "dos cidadãos em questão" e nem dos "juizes envolvidos", mas afirmou que teria de revelar algumas das denúncias escritas e faladas publicamente sobre o assunto, porque "pela sua gravidade, podem abalar a credibilidade da Justiça em Cabo Verde". "Pois vejamos: num conhecido jornal electrónico, um articulista bem identificado escreve com todas as letras que há juizes gatunos em Cabo Verde. E continua dizendo que chama os juizes pelos nomes de baptismo, apelidando-os de gatunos, falsificadores de processos e aldrabãozecos, porque nem chegam a ser aldrabões. E no mesmo artigo, o autor, em jeito de súplica, faz o seguinte pedido: 'quero que me acusem porque disse coisas gravíssimas sobre magistrados judiciais'. É bom dizer que estas mesmas denúncias feitas por esse mesmo cidadão não é de hoje", notou a deputada, referindo-se, sem o dizer abertamente, às inúmeras denúncias feitas publicamente pelo advogado e activista de uma justiça transparente contra por exemplo os juizes do Supremo Tribunal de Justiça, Benfeito Mosso Ramos, Fatima Coronel, Afonso Lima Delgado e o magistrado judicial Ary dos Santos que também é membro destacado do Conselho Superior da Magistratura Judicial, denúncias essas que lhe valeram inúmero processos-crime, tendo já sido constituído arguido por mais de duas dezenas de crimes, sem que tenha sido condenado uma única vez.
Feita a chamada de atenção a este tema tabu sobretudo junto da classe política, Mircea Delgado fez questão de reconhecer que a Assembleia Nacional não julga ninguém - "para isso existem os tribunais", sublinhou -, que a nossa Constituição impõe o princípio da separação de poderes entre os órgãos de soberania e que há liberdade de expressão. "Mas é preciso dizer que, de acordo com o disposto no artigo 140º da CRCV, a Assembleia Nacional é a Assembleia que representa todos os cabo-verdianos. Por isso não podemos ignorar a voz do povo, que exige a quem de direito que desfaça esse nó, que ameaça sufocar sufocar o nossos sistema judicial e com ele o nosso estado de Direito Democrático".
Um Apelo ao Dever Patriótico
Mais, a jovem política de origem santantonense mas que foi eleita pelo circulo de São Vicente admitiu que, apesar de os recursos materiais serem importantes, é preciso formar os magistrados técnica e moralmente para um melhor desempenho da justiça em Cabo Verde.
“É na formação técnica e moral que reside o sucesso de todo o esforço que é feito neste sector. De nada vale o esforço que o país vem fazendo no sentido de aumentar o número de juizes e procuradores, pouco significativo será o investimento nas infra-estruturas se o corpo de magistrados, sobretudo os juizes, não estiverem acima de qualquer suspeita. Os cabo-verdianos sempre respeitaram os magistrados, mas sempre exigiu deles, seriedade, responsabilidade, honestidade a toda a prova. É absolutamente anormal que alguns juizes sejam acusados de gatunos, falsificadores e aldrabãozecos sem que tenha consequência nem para quem acusa, nem para quem é acusado. Enquanto deputada, entendo que temos todos o dever patriótico de pedir que seja julgado e condenado o culpado ou os culpados em tempo útil para que a nossa justiça continue a merecer a confiança do povo, que quer continuar a creditar que ela constitui o último reduto da liberdade e da democracia", concluiu a deputada Mircea Delgado, cuja intervenção, pela originalidade e coragem, acabou por ser a nota mais importante do debate sobre o Estado da Justiça, na medida em que tanto assumiu ser a voz da sociedade civil que reclama e suplica por justiça, como, em cinco minutos da sua alocução, mostrou aos outros sujeitos parlamentares e ao governo presente (que discutiam quem fez mais) como, afinal, andam a fazer menos para que efectivamente haja Justiça em Cabo Verde.
Resta saber qual vai ser a reacção do Conselho Superior da Magistratura Judicial perante tamanha denuncia que atinge directamente a credibilidade desse órgão constitucional de gestão e disciplina dos magistrados judiciais. Depois dessa corajosa intervenção da deputada nacional, Dra. Mircea Delgado, caso não houver uma reacção a altura por parte de quem de Direito, então, será legítimo o Povo concluir que quem cala, consente!! Na verdade, a Nação Cabo-Verdiana ficou colocada perante um grande dilema que é a seguinte: (i) Ou o Advogado Amadeu Oliveira não consegue fazer prova das afirmações e acusações que tem disparado contra o Sistema Judicial e, nesse caso, deve ser exemplarmente sancionado com alguns anos de cadeia para aprender a não falar asneira; (ii) Ou então, o Advogado Amadeu Oliveira consegue fazer prova da veracidade das suas denúncias e, nesse caso, então uma meia dúzia de juizes deverão ser afastado de tão alto cargo público. A ver vamos….
Veja, em embaixo, o video da intervenção da deputada Mircea Delgado:
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Foto: DR
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