Rui Semedo, afinal, sabia das intenções Luis Pires mas não ouviu, como mandam as boas práticas democráticas, os eleitos nacionais do PAICV antes de propor à Comissão Política o nome de Démis Lobo para ser votado como presidente do Grupo Parlamentar, socorrendo-se, para tal, dos estatutos do partido que lhe dá exclusividade na escolha do nome a ser avaliado pela CPN antes da votação pelos deputados. Luis Pires, descontente com essa “imposição anti-democrática” da direcção do PAICV, formalizou a sua candidatura na sexta-feira, 3, “rasgando” os estatutos e pisando as botas sobre a vontade do presidente tambarina, ancorado no regulamento do Grupo Parlamentar que estipula um periodo máximo de 48 horas de antecedência para qualquer deputado apesentar uma candidatura a cargos no Grupo Parlamentar à Comissão Eleitoral, criada, note-se, um dia antes, na quinta-feira, 2, e presidida por Paula Moeda, a mesma que votou Démis Lobo na CPN mas que vinha sendo o rosto da campanha de Luis Pires. A eleição começa a partir das 9 horas desta manhã de segunda-feira, 6.
Ponto prévio: Hora sombria para o PAICV, que sob forte tensão interna tenta eleger o seu novo líder do Grupo Parlamentar para substituir João Baptista Pereira. O processo ultrapassou a fronteira parlamentar e contagiou todo o partido, densificando uma até aqui camuflada crise intra-muros com final imprevisível para as hostes tambarinas. Ou talvez não. É que, movimentadas as peças do tabuleiro fica cada vez mais evidente que esta disputa é ovular, ou seja, engendra-se a próxima liderança do PAICV, estando de um lado Rui Semedo, actual líder e que segura nas mãos Démis Lobo, e do outro um grupo considerável de deputados que apoia Luis Pires – ao que tudo indica sob orientação de Janira Hopffer Almada –, e que destemidamente confronta e desafia o presidente do partido num cenário que pode fazer tombar Semedo. A jogada assemelha-se ao ‘Gambito da rainha’, em linguagem enxadrística, quando, grosso modo, se sacrifica o peão da coluna do lado da dama (c4) para se ganhar vantagem no desenvolvimento de outras peças, as de maior valor, (atrasando os passos do adversário, entretido a perseguir o peão) e dar xeque-mate ao desprevenido opositor.
Acontece que Démis Lobo, por indicação estatutária do presidente do partido, Rui Semedo, teve voto massivo da Comissão Política Nacional – 17 dos 18 membros presentes –, do passado dia 19 de Outubro, mas entre os deputados, que na prática vão votar em segredo o novo líder da bancada parlamentar tambarina, a escolha de Lobo não é consensual. Muito pelo contrário.
É que Luis Pires, deputado pelo circulo da ilha do Fogo, teria informalmente manifestado muito antes a sua intenção de se candidatar ao cargo de presidente do Grupo Parlamentar ao líder do PAICV, Rui Semedo, e aos demais eleitos nacionais do partido. Entretanto, Semedo unilateralmente decidiu levar à Comissão Nacional apenas o nome de Démis Lobo para ser aprovado, uma iniciativa que tem respaldo nos estatutos do PAICV (art 108º alínea b, do número 2) que diz claramente que compete ao presidente do partido propor à CPN o nome de um deputado para a liderança da bancada parlamentar, que será votado pelos pares na Assembleia Nacional.
Além deste aspecto, o grupo que apoia Luis Pires acusa Rui Semedo de “querer esconder a democracia dentro do PAICV, ao ignorar propositadamente a candidatura de Pires, não ouvindo nenhum deputado antes de levar a sua proposta à CPN. A direcção do partido tentou condicionar uma candidatura, camuflando Luis Pires”.
Luis Pires formalizou na passada sexta-feira, 3, a sua candidatura à liderança do GP não na direcção do partido, mas sim junto da Comissão Eleitoral criada através de uma Circular Interna do Grupo Parlamentar, assinada por João Baptista Pereira, no dia 2 de Novembro, ou seja, um dia antes do político foguense apresentar o seu processo de candidatura.
Essa circular começa logo por referir que ao abrigo do artigo 14º do Regulamento Interno do Grupo Parlamentar do PAICV “a proposta de candidaturas aos cargos no GP é apresentada com antecedência de 48 horas por uma mesa composta por cinco membros, sendo dois dos mais idosos e três dos mais jovens deputados do Grupo”.
É precisamente nesse artigo 14º do regulamento do GP que Luis Pires pega para, no dia seguinte, fintar os Estatutos do partido e desrespeitar a decisão legal da CPN que escolheu Démis Lobo, para legitimar a sua candidatura, fazendo juntar, como dispõe o artigo 13º do mesmo regulamento, a lista para a direcção do Grupo Parlamentar que terá Adélsia Almeida como vice-presidente e Carla Lima, João do Carmo e Manuel Brito como os restantes membros da direção, e com Carlos Tavares, coordenador do PAICV em Santiago Sul, como seu mandatário, o que elucida o batalhão armado em apoio a Luis Pires.
A proposta, como já se referiu, foi entregue à Mesa criada para liderar esse processo eleitoral que tem como presidente Paula Moeda – votou Démis Lobo na CPN mas estava a fazer campanha por Luis Pires entre os deputados – e composta ainda por Julião Varela, Fidel Cardoso, Armindo Freitas e Clara Andrade.
No final do dia 3, sexta-feira (19 horas), e após receber a candidatura de Luis Pires, contra o disposto nos Estatutos do partido, que esmaga em detrimento do Regulamento interno, a Mesa marca as eleições para a escolha do novo líder da bancada Parlamentar tambarina para o dia 6, esta segunda-feira, a partir das 9 horas, com os deputados a decidir se querem Démis Lobo ou se preferem Luis Pires.
O clima de tensão é elevado, com esse agitado processo a ultrapassar a esfera parlamentar e a contagiar todo o PAICV, desde militantes de base a presidentes de câmara e personalidades influentes na estrutura tambarina. Cada lado busca apoio externo para convencer os deputados em quem devem votar, envolvendo o partido num turbilhão com final aberto.
Santiago Magazine, apesar das tentativas durante toda a tarde de domingo, não conseguiu chegar os principais protagonistas para perceber os cenários mais prováveis.
Para já, fica evidente que boa parte dos deputados não está com o presidente do PAICV, cuja continuidade na liderança depende da vitória de Démis Lobo, caso contrário será obrigado a trabalhar, a contra-gosto, com uma direcção que não o apoia e que ele não tem controlo dentro da arena parlamentar. Ainda que consiga fazer Lobo sair vencedor, as relações com os demais deputados opositores o tornarão num presidente enfraquecido, sem peso na Assembleia Nacional e influência reduzida junto dos militantes.
Mas uma vitória de Démis Lobo também significa pesada derrota para Janira Hopffer Almada, tida como capitã dessa contestação a Rui Semedo, e do grupo que a apoia. As feridas no PAICV começam a ficar à mostra e os dias seguintes dolorosos.
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