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A tartaruguinha de minha infância
Colunista

A tartaruguinha de minha infância

Era uma vez uma Mulher grávida que se dirigiu à tardinha para tomar um ar fresco à beira de uma Praia. Pouco depois sentiu dores de parto e tendo se afastado um pouco da beira da água para dar à luz, encontrou uma tartaruga a pôr seus ovinhos numa cratera aberta na areia. Ficaram juntas lado a lado até que a mulher deu à luz a uma Criança e a Tartaruga terminou de por os ovos. Naquele momento as duas companheiras não tomaram em conta se uma é “mulher humana” e a outra é “mulher tartaruga”, convenceram-se de que ambas eram mães que queriam viver para salvar suas crias. Sei que é verdade porque a praia Chama-se“Tarrafal” e a Criança que nascera era eu!

Quarenta anos depois, enquanto passeava pela praia do Tarrafal, encontrei-me com uma das crias, minha colega de “praia de parto”. Contou-me que tinha dado a volta ao mundo e que Cabo Verde é o melhor lugar p´ra viver; Tristonha, também falou-me da tragédia que aconteceu á sua mãe, presa por uma rede e seu pai, engolido um saco de plástico, ambos morreram enquanto a tartaruguinha crescia; seus irmãos foram cortados por uma coisa muito grande e afiada que gira com muita força debaixo de um monstro ruidoso que apanha todo tipo de peixes…

Enquanto falava a minha amiguinha do mar, suas lágrimas molhavam a areia onde felizes tínhamos nascido, brincado e crescido…Vendo triste a minha colega, resisti às lágrimas e pensei numa forma de a consolar, foi então que comecei também a contar-lhe que como pode ver também cresci, estudei - graças às condições que meu país me criou- e tenho lutado ao lado dos homens bons que trabalham para a protecção dos seres vivos indefesos – a biodiversidade…

Notei que prestava atenção e as lágrimas começavam a enxugar-se; continuei para explicar também, o quanto minha espécie sofre com a morte, ferimentos, doenças e criminalidades, provocadas por homens maus … foi então que notei seu espanto ao indagar:

- Vocês também sofrem!?

 - Sim, mas o que nos alimenta é a nossa esperança, também às vezes temos vontade de chorar e até choramos, mas, temos uma forte fé que nos faz acreditar num mundo sem sofrimento, onde todos podemos viver sem medo, correr, saltar, amar e viver feliz…

Logo as lágrimas que molhavam nossos olhos se secaram e notei que minha amiguinha fazia um esforço que soava a gemidos, quando parei para confirmar, a tartaruguinha da minha infância estava a pôr seus ovinhos na área molhada pelas lágrimas que cavava enquanto conversávamos.

Foi então que me dei conta que muito tempo se tinha passado e que eu também já era pai. Pensei em meus filhos e no amor que nos une! O silêncio tomou conta de nós durante algum tempo, substituído por uma profunda reflexão sobre o nosso procedimento hoje, para garantir a desejada felicidade amanhã.

Este silêncio foi quebrado pelo movimento das barbatanas traseiras que raspavam a areia para cobrir o ninho;

E chega, assim, a hora da despedida; o sorriso rasgado da tartaruga, tirou-me um soluço profunda que se desfalecia a cada toque das barbatanas dianteiras nas minhas costas, enquanto caminhávamos a passo de tartaruga em direcção ao mar…Já com as ondas molhando nossos pés, prometi:

- Podes ir descansada colega, minha comunidade já tem consciência, protegerá teu ninho até no dia em que voltares para levar teus meninos...

... O plástico que vitimou teu pai e a rede que cercou tua mãe, brevemente serão coisas do passado...

... Ah! Toma cuidado com as hélices dos barcos! Adeus!

E assim de mergulho em mergulho minhas mão e suas barbatanas não paravam de acenar até onde nossos olhos nos permitia ver-nos!

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Redação