José Jorge Costa Pina, especialista em questões da economia marítima com grau de mestrado em Gestão de Transporte Marítimo, analisa nesta entrevista ao Santiago Magazine a instalação do Ministério da Economia Marítima em São Vicente e o impacto do 'hub' do Mindelo em relação às restantes ilhas. "Seria mais compreensível que fosse a regionalização e, sobretudo, uma reforma do sistema de administração do país, a ditar essa configuração abrangendo todas as ilhas", defende.
Santiago Magazine – São Vicente já acolhe a chamada economia azul. Como avalia esta decisão do Governo?
José Jorge Costa Pina – Num contexto de um arquipélago com dez ilhas, algumas com mais ou menos potencial para o desenvolvimento das várias vertentes da economia azul e com clara situação de barganha de ilhas e regiões para relançar o seu desenvolvimento com base na regionalização/autonomias/descentralização, fica evidente que ganha de forma favorecida, e quiçá «unfairly», a ilha ou região que conseguiu granjear do Governo medidas direccionadas exclusivamente para si, como tem sido teoria e prática nos últimos anos. As restantes ilhas do país estavam na expectativa precisamente no sentido contrário. Ou seja, esperavam uma discriminação positiva no sentido de equilibrar as suas condições actuais relativamente precárias em termos de infraestruturas e reforma institucional portuárias e de pescas (Maio, Santiago Norte, São Nicolau. etc), formação regional para o mar, instituições, meios humanos e materiais para a administração marítima em relação à ilha para onde sempre esteve e agora se consuma a convergência de tudo o que é mar. Por isso, por exemplo, hoje se gera uma exigência concêntrica em Santiago no sentido de se combater para uma governação própria do mar para Sotavento.
- Mas São Vicente, que está a referir, tem melhores condições naturais para acolher o Hub do Mar a nível nacional.
- São Vicente tem condições para se envolver na fila de frente no processo de desenvolvimento da economia marítima em Cabo Verde. Precisamente, porque tem já condições instaladas únicas em vários domínios do mar, designadamente na formação e pesquisa marítimas, reparação naval, pescas e serviços portuários. Adicionalmente, as instalações e entidades contam com apoio e carinho dos dirigente todos eles cometidos no desenvolvimento para essa ilha. Esta também é uma situação única no país nesse sector. Por outro lado, a ilha de Santiago, embora não tenha essas condições todas tem as essenciais para um auspicioso desenvolvimento da economia marítima, designadamente o porto que movimenta mais carga - isso é importante para o hub - e tem os melhores resultados financeiros dessa operação, uma vez que em cada 100 contentores operados nos portos em Cabo Verde 65 são processados pelo porto da Praia.
Este porto tem o maior volume quer de embarcações, quer de peixeiras, operadores e mercado no subsector das pescas, além de possuir de um enorme manancial de projectos em curso e em perspectiva na orla marítima e um número importante de operadores de marinha mercante e na área de intermediação do shipping. Tendo a maior importação e portanto o maio tráfego tem o essencial para a economia marítima. Assim, à semelhança do que acontece nas Canárias onde Tenerife e Grã Canárias barganham impetuosamente pelo negócio marítimo e portuário, incluindo na constituição e desenvolvimento do hub, seria normal equipar ambos os portos e mais outros que no futuro patentearem potencial para esse negócio .
Aliás, ficou provada a preferência que os investidores externos demonstram em relação ao porto da Praia, no sentido deste protagonizar os investimentos propostos, embora terem sido corridos por terem tido essa opção. Portanto, hub e zona marítima especial sim, mas que sejam implementados de forma inclusiva. O mar não pode ser excepção num arquipélago onde tudo é para dividir entre as ilhas com potencial na agricultura, industria, parque tecnológicos etc.
- A seu ver, então, os governos em Cabo Verde não têm estado a considerar a partilha equilibrada e complementar de potencialidades e riquezas territoriais e regionais no que diz respeito à economia azul?
- Não. Ninguém se valeu dos actuais princípios reclamados de regionalização, descentralização para combater a discriminação negativa de várias ilhas com potencial para, em termos de infraestruturas, instituições e capacitação do capital humano, se atinja um equilíbrio a nível nacional do sector marítimo como se fez no ensino (excepto no marítimo onde permanece a centralização férrea!) ou nos sectores agrícola e turística em certas ilhas. Isso, infelizmente, levará ao fracasso global.
- A decisão do Governo em colocar a sede do Ministério do Mar em São Vicente vem piorar as coisas, é isso?
- O Governo justificou a sua decisão afirmando que São Vicente já tem tudo para a montagem do hub marítimo. Bom, depois fala-se na zona marítima especial que a China vai implantar. Julgo que o MEM não faria grande falta lá mesmo nas circunstâncias atrás ditas. No entanto, penso que seria mais compreensível que fosse a regionalização e, sobretudo, uma reforma do sistema de administração do país, a ditar essa configuração abrangendo todas as ilhas.
- Quais têm sido os maiores defeitos e virtudes da política dos sucessivos governos no domínio do mar?
- Primeiro deve-se engajar o desenvolvimento dos sectores envolvidos de cada cutelo, município e potencial humano de todo o país e não só de uma ilha como se fez praticamente. E alocar infra-estruturas e unidades orgânicas do sector em todos os espaços onde se justificam quer sejam portuárias, da administração marítima, quer das pescas, de forma equilibrada, em todas as ilhas para que cada uma tenha capital humano/dirigente capacitado para o desenvolvimento de cada ilha. A partir daí teríamos um desenvolvimento equilibrado de todas as ilhas de acordo com o seu potencial, aspiração e interesses. Neste momento, se exige um departamento competente superior para a economia marítima para sotavento, um porto autónomo para a Praia, uma administração marítima regional abrangendo delegações adequadamente para responder descentralizadamente todas as demandas dos respectivos operadores e utentes em geral. Falta também um centro de formação para o mar em Santiago para, a nível do sul, se formar pessoal tripulante de navios, para pescas, para a gestão da orla e segurança marítimas, para a reparação naval e para dirigentes sectoriais, assim como um upgrade para a actual faculdade do mar em São Vicente e o mesmo para a reparação naval de forma a termos serviços de qualidade a essa nível para a frota nacional e estrangeira.
- O sector das pescas, apesar da grande valência no desenvolvimento da economia azul, parece ser o parente pobre do sector marítimo.
- Pois, falta implementar um programa de adequação da frota de pesca industrial e semi-industrial e da pesca artesanal para um melhor desenvolvimento deste sector. Para além disso, é preciso descentralizar a formação, instalar instituições com gente dedicada para o desenvolvimento das pescas em cada ilha, criar, à escala da demanda de cada umas das regiões, complexos de pesca (cais, frio e mercado, condições de reparação das embarcações) em Santiago, Maio, São Nicolau, Santo Antão, Fogo, Brava e Boa Vista. Deve haver uma reparadora de pescas em São Vicente e uma outra em Santiago (sendo aqui integrada no futuro complexo de pesca de São Martinho que integra o cais, estaleiro de embarcações de pesca, instalação de frio e mercado primário/sistema de lota do pescado, transformando o actual cais de pesca num terminal moderno e adequado de cabotagem marítima no Porto da Praia. Tal complexo de pesca de São Martinho servirá a toda a frota de sotavento e às embarcações de pesca de barlavento, grande parte da qual, opera no atual cais de pesca no Porto da Praia). Essas são algumas soluções que estudos apontam para o desenvolvimento das pescas em Cabo Verde.
- Podemos falar de uma verdadeira política de pescas em Cabo Verde?
- Falta definir directivas nas áreas atrás citadas conjuntamente com as demais relacionadas com a boa gestão e cumprimentos das normas internacionais adoptadas. Boa parte das políticas está adequadamente salvaguardada graças a bom trabalho realizado a respeito nos últimos anos. Julgo que muito se poderá melhorar no quadro do processo do crescimento azul, particularmente nos domínios de conservação e preservação de ecossistemas e recursos pesqueiros, aquicultura e sustentabilidade no sector.
- Ainda assim, continuamos, 43 anos após a independência, sem uma frota pesqueira para exploração, transformação e exportação?
- Tentou-se no passado operar pesca do alto com embarcações relativamente robustas, mas fracassou-se na tipologia de navios e na qualidade e persistência de operadores de pesca para as optimizar. Não obstante o definhamento progressivo do stock do pescado, as 40 toneladas de potencial para se pescar por ano deveriam ser efectivadas em maior grau. Já não há margem para se continuar a falhar em termos de apetrechamento da frota e tecnologias modernas de pescas, esquemas mais eficientes de financiamento, formação, boa gestão das pescas /fiscalização mais e melhores cooperação e acordos de pescas.
- O Presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz defendeu a construção de um porto comercial em Pedra Badejo, para promover o Hub do Agronegócio e para albergar toda a logística de pesca. O que acha desta ideia?
- Tem toda a legitimidade para o fazer. Santa Cruz continua a fazer aquilo que fazia em farta, à semelhança com Ribeira Barca e Mosteiros: shipping inter-ilhas. Nos anos 90, com Japão, iniciou-se o processo do porto. Tarrafal também reclama legitimamente, administração marítima, porto, marina. E Santa Cruz é o celeiro de Cabo Verde. Tem, como a Praia, passageiros e cargas, negócios para shipping e portos. Isso é economia marítima que justifica sensibilidade, investimentos, estruturas e governação dedicada e à altura.
Temos na Praia uma estrutura da AMP, mas nunca foi inaugurado nem visitado (assim como no passado em relação á marinha na Praia) pelos governantes que não reconhecem, pelos vistos, este Santiago marítimo que, no entanto, tem serviços que mais contribuem para a economia marítima do país.
Para o futuro breve almejamos uma estrutura melhor para a marinha que, provavelmente, venha a incorporar unidades orgânicas e capacidades civis e militares para que, em todas as ilhas, a norte e a sul, tenhamos administrações/autoridade marítimas a actuarem com igual prontidão e qualidade de respostas, descentralizadamente em relação às demandas de todos os utentes do sector do mar em Cabo Verde.
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