O mote para esta entrevista era a mini-tourné por Santiago, ao lado de Bitori Nha Bibinha, e que termina este fim-de-semana com shows dia 30, no restaurante Gamboa, e 31 no Quintal da Música. Mas a conversa foi mais além e Chando Graciosa, músico tarrafalense de 54 anos e que deu nas vistas no Abel Djassi, resolve abrir o baú e fazer revelações bombásticas sobre produtores, organizadores de festivais, a origem dos Ferro Gaita e o fenómeno Kotxi-pó. E nisso até Bitori nha Bibinha deu opinião: "Kotxi-pó não é música não é nada".
Santiago Magazine - Porquê estes concertos "Lenbra Tenpu" que está a organizar, com o Bitori Nha Bibinha, numa espécie de mini-tourné pela ilha de Santiago?
Chando Graciosa - Estou a aproveitar este momento que estou de férias (trabalho na Holanda) para fazer algo com o Bitori Nha Bibinha, algo de nós dois. E vai ser uma coisa pequena porque o grupo não está completo, apenas eu e o Bitori estamos na Praia. Mesmo assim, acredito que as pessoas vão conseguir alcançar e relembrar o formato do Chando e do Bitori que fez sucesso há mais de duas décadas.
Assim sendo, actuámos sábado, 24, no espaço Poial, em Assomada - um show intimista, perto das pessoas, que puderam relembrar os tempos de 'badju gaita cu ferinhu' -, e no dia 30 vamos estar na Casa Cultural Katchás, em Pedra Badejo, onde vamos promover o funaná genuíno de Chando e Bitori, de forma a conquistar os produtores pelo menos aqui em Cabo Verde sobre o que podemos fazer. Será uma espécie de música e conversa, em que tocamos e falamos um bocadinho sobre o nosso percurso e o do funaná ao longo dos tempos, razão pela qual iremos abordar os estilos do Codé dei Dina, Caitaninho, Sema Lopi, etc. Tudo isso vai ser gravado em video para a sua máxima divulgação em todo o país e no mundo.
E vão falar de vocês mesmos enquanto um dos principais impulsionadores do funaná, sobretudo no final da década de 1990 e anos 2000, certo? Tendo em conta a vossa diferença de idade, explica-me quando se conheceram e criaram esta empatia à volta do funaná?
Eu e o Bitori nos conhecemos há mais de 30 anos. Demo-nos muito bem desde o início até gravarmos o nosso primeiro disco. Eu vivo na Holanda há 24 anos e o disco do Bitori já tem, portanto, uns 25 anos na estrada. Foi um disco que alcançou bastante sucesso. Nem faziamos a ideia. Foi a DJ tunisina Samy Radjede que, no âmbito de um projecto musical de compilação de músicais tradicionais dos anos 1980, que estando em Cabo Verde conheceu Bitori nha Bibinha. Ela ficou encantada e me chamou, estando eu na Holanda, a dizer que conheceu o Bitori e que pretendia reproduzir o nosso trabalho com a participação de todos os elementos que participaram na gravação, como o Grace Évora, Danilo Tavares... O Grace, que já estava a inicio da sua careira a solo, acabou por não poder participar, assim como o Jorge Pimpas, que tocou nos estúdios mas só foi connosco a Macau. Depois acabamos por introduzir novos elementos como Toy Paris que até hoje está connosco.
Mas isso foi há muito tempo e de lá para cá não voltaram aos estúdios. Pensam apresentar novo trabalho discográfico de inéditos?
Sim, sempre pensamos nisso. É assim: a manager de Bitori - depois da Samy Radjede ficou Miryam Bremen - sempre teve em mente um novo disco de Chando e Bitori, inclusive começamos a pesquisar e a trabalhar no novo projecto mas não fizemos nada.
Porquê?
O disco do Bitori continua a vender todos os dias. Portanto, creio eu que enquanto esse álbum continuar a ter saídas na Europa e na Ásia a Miryam vai querer continuar com reedições antes de lançar um novo disco de originais, até porque investiu muito na promoção do disco do Bitori. Basta dizer que está na terceira edição, imagine.
O que está por detrás desse sucesso até hoje? A mistura da gaita do Bitori com a tua voz rouca ou foram apenas as melodias que cairam no agrado do público?
Foi amor. Amor. Foi um disco feito com prazer. Queríamos e fizemos com que, em qualquer lado onde fossemos, as músicas desse álbum encaixassem naquilo que tem a ver com Cabo Verde. O funaná tem uma expressão forte nesta matéria. E o Bitori, quando toca, utiliza toda a energia, calor humano que fazem Cabo Verde ser o que é. E eu tento trazer o máximo que puder di fora para a cidade, com alma genuína de Santiago, sem deixar perder a essência do funaná. Eis o segedo. Ah!, e temos ainda o Danilo Tavares que é um músico muito forte no funaná. Durante os nossos espectáculos fora de Cabo Verde falamos sobre o nosso país, da nossa cachupa, do nosso mar e peixes, mostro por exemplo o tabaco que o Bitori cheira, convidamos as pessoas a visitar Cabo Verde, enfim damos a conhecer Cabo Verde.
Nesse caso, o funaná assume também o papel de postal de visita do arquipélago.
Sem dúvida. Já conhecemos pessoas que se deslocaram de mais de 200 km de distância, com CD debaixo do braço, só para conseguir um autógrafo do Bitori. Isto mostra como a nossa música foi impactante.
Essa tua experiência com o Bitori mudou, de certa forma, o teu estilo de cantar? Há um Chando antes e pós-Bitori?
Acho que não. Não porque o funaná sempre esteve em mim. Sou um homem do campo, sou santiaguense di fora. Aprendi o funaná com gentes do campo que vieram para a cidade. O meu timbre vocal é rural. Por tudo quanto é lado por onde já actuei, como Alemanha, Malasia, França, etc., me questionam sobre o meu timbre vocal. Inclusive, dois DJs internacionais chegaram a me convidar para participar nos seus trabalhos. A vantagem é que quando canto procuro ir num campo diferente do som da gaita para criar maior dinâmica e dar mais alegria, diferente do choro da gaita. Isso ajuda a abrilhantar o som da própria gaita.
"Cabo Verde está com um sistema terrível, grave para determinados artistas. Quem não tiver um produtor ou representante em Cabo Verde ligado aos organizadores não é convidado para actuar em nenhum festival"
Quem escreve as músicas, tu ou o Bitori? E quem faz os arranjos?
A música de maior suceso, 'Bitori Nha Bibinha', é uma composição do próprio Bitori, mas as restantes canções são composições minhas. Exactamente como eu fiz com o Tchota Suaris. Tanto um como outro eram metidos no estúdio, tocavam e os produtiores me enviavam o som a partir do qual introduzia as letras, a melodia, o coro, etc. E esta receita funcionou.
Então é esse saudosismo que está por detrás dessa vontade de querer estar outra vez nos palcos cabo-verdianos ao lado do Bitori?
Sim e é isso que me dói. Porque não é normal o que está a acontecer neste país. Cabo Verde está com um sistema terrível, grave para determinados artistas. Na medida em que quem não tiver um produtor ou representante em Cabo Verde ligado aos organizadores não é convidado para actuar em nenhum festival. E Bitori, um homem com 81 anos de idade, reconhecido internacionalmente, que teve cinco anos ininterruptos a dar a volta ao mundo a apresentar os seus sucessos, e ainda em plena forma, não é respeitado por nenhum produtor nacional. Ninguém chama o Bitori e seu grupo para seja qual festival for. O poblema é que o sistema está tão minado que ignoram de propósito esse nome grande da música cabo-verdiana.
Disse minado? Minado por quem?
Pelos produtores e organizadores destes festivais em todo o país. Excluem este e aquele, porque como esses produtores e organizadores trabalham em sistema de troca. Cada produtor tem os seus artistas, mas quando estiver à frente de um festival chama artistas de produtores amigos e estes fazem o mesmo quando são os amigos que estão na produção. Sendo assim, quem não fizer parte dese núcleo fica de fora. Já reparou que em todos os festivais são quase sempre os mesmos artistas?
Bem, mas se calhar é porque são estes artistas que estão mais na moda e que o público mais quer ver...
Nada disso. O público quer também novidades e quando o sistema estiver minado o que conta é o dinheiro. Claro, quanto mais se ganha mais se quer. Por exemplo, se cada produtor receber 10 ou 11 mil contos por festival, não vai chamar mais ninguém além dos seus, pois tem que investir milhões para, em vez de apostar nos músicos cabo-verdianos, trazerem artistas do Brasil, Portugal ou de outro país, apenas para enganar o público que vieram artistas da Jamaica, dos EUA ou Nigéria.
No nosso caso, eu e o Bitori, sei que houve pessoas que queriam a nossa participação num festival, mas a proposta foi chumbada pelos seus próprios sócios que não nos querem nos festivais, pois não somos artistas que eles produzem. Estás a ver?
Não há onde recorrer?
Estivemos a conversar sobre isso no Ministério da Cultura, porque ao fim e ao cabo não é só isso que acontece com os músicos em Cabo Verde. Há ainda a questão dos direitos autorais.
Existe a Sociedade Cabo-verdiana de Música que lida com isso.
A SCM deve criar um fundo para ajudar os artistas que estão em dificuldade. O artista tem que sobreviver. Olha, o triste é que paga-se 20 ou 25 mil contos a artistas de outros países só para actuar no Gamboa, quando se se apostar na prata da casa esse dinheiro ficava cá, gerava rendimento, e servia para o artista, mesmo nós que vivemos no estrangeiro, podermos dividir com os pais, familiares e entes das nossas relações que necessitam de apoio também. Sou cabo-verdiano, também quero actuar nos palcos de Cabo Verde e dar a minha contribuição. Idem o Bitori Nha Bibinha, aqui presente. Muitas vezes dá uma tristeza enorme e pergunto para mim mesmo se já não é tempo de parar com esta estória de música de divulgação da cultura cabo-verdiana.
"O funaná está a regredir por causa do fenómeno kotxi-pó", Bitori Nha Bibionha
Mudando de assunto. Por que não se fez ainda um Festival de Funaná com os seus mais variados estilos?
Não sei, sinceramente. Para mim, que vive fora, não é fácil assumir tal compromisso. Agora o pessoal que está em Cabo verde pode sim avançar com esta ideia, seria uma coisa bonita de facto.
Pois, sobretudo agora que o está na moda o chamado Kotxi-pó, que foge um bocado do estilo original do funaná.
(Bitori Nha Bibinha, intromete-se na conversa)
Bitori - Para mim, essa coisa que chama Kotxi-pó não é nada, eu não me ousaria a tocar essa música. Tenho alunos que sequer deixo que toquem esse estilo, aliás, não os ensino. Limitam-se a abrir e fechar o acórdeão sem qualquer sentido.
O funaná está, então, a regredir?
Bitori - Claro que sim, por causa desse kotxi-pó. Perguntaram-me noutro dia, numa entrevista, qual a minha opinião sobre o kotxi-pó e disse logo: para mim não é música. Mais de uma hora a tocar uma única música, sem sentido sem nada...
Chando - ...Não sou contra que as pessoas toquem o que quiserem, mas não considera Kotxi-pó como evolução do funaná. Nós da Ilha de Santiago deviamos ter mais sensibilidade, o que quero dizer é que as pessoas poderiam e devem ir buscar o funaná mais antigo, genuíno, e melhorá-lo com sonoridades e roupagem diferentes. Como o Tito Paris, por exemplo, faz com a morna, assim como fazem outros tantos artistas do Norte em relação à coladeira. No funaná temos que enriquecê-lo sim com keyboard, etc. É, de resto, o que eu faço com o funaná do Bitori, conferindo-lhe outra dinâmica - com introdução de voz para blues, jazz - mas sem fugir da sua essência.
Enfim, eles podem tocar kotxi-pó, as meninas estão a gostar, os jovens querem isso, mas que não se estrague aquilo que o funaná tem de melhor. Falo frequentemente com o Victor, filho do Bitori, e o aconselho a seguir exactamente a linha do seu pai e ficar longe do kotxi-pó. Porque, repara, Codé di Dona já não está entre nós, Sema Lopi também não, o Caitaninho já morreu também... é só o Bitori que está vivo a tocar o funaná tal como o conhecemos. A continuar essa mania pelo kotxi-pó, no dia em que o Bitori morrer deixará de haver o funaná tradicional, porquanto o kotxi-pó se formos ver é um estilo copiado das músicas feitas no Zaire, onde pegam no acódeão, acrescentam drums machine e metem aquela guitarra sem parar. É o soukous adaptado a Cabo Verde ou melhor ao funaná.
Funaná é um estilo tão rico que não merecia isso. Porque o funaná é tocado em festas, bailes, até há funaná lento para cerimónias fúnebres. O funaná dá-te toda a liberdade. Sentimos o seu poder quando estamos a actuar, o corpo arrepia...
Bitori - ... até lágrimas descem no rosto.
Mas existe também uma nova geração que não toca kotxi-pó mas cujo estilo é bem mais moderno e aceite pelos jovens, como são os casos de Ze Espanhol, Lejemea, Xibioti...
Sim, é verdade. O Zé Espanhol está a marcar a sua posição, trouxe um estilo próprio, que se nota no seu timbre vocal e forma de cantar em choro. Antigamente quando as pessoas morriam no interior era assim mesmo que se chorava e se cantava o funaná. Aliás, foi isso que mais cativou o badiu, que é sensivel nesta matéria. É pena que em Cabo Verde quando aparece um artista com um determinado estilo que caiu no agrado do público todos quererão o imitar. Fica, portanto, tudo igual. Resalvo o caso de Lejemea que veio com um estilo mais trabalhado, suave, tiro o chapéu para ele, tem uma forma super cool de fazer música. Kidy também.
Acha então que o regresso da velha guarda do funaná poderá ser bem aceite de novo por esta nova geração e pelo público?
Acho que sim. O problema é que nós somos pouco promovidos em Cabo Verde. As rádios não passam funaná nas suas antenas. Um expemplo, temos uma nova edição do disco do Bitori que não é do conhecimento do grande público porque não lhe deram valor. Entretanto, é um disco gravado em LP que os estrangeiros estão a pedir mais, nada de CD. Por toda a Europa hoje vende-se muito mais os discos em LP e nós fizemos, mas em Cabo Verde nada se fala, quanto a mais pô-lo a tocar. E repara que é um trabalho que traz toda a história do Bitori, de mim próprio, do grupo Petural (criado por Bitori e Chando, e que integrava ainda Helder no baixo, Totinho na tumba até entrar o Zé Mário) e do funaná em geral no interior da capa.
Petural tinha como padrinho o Nuno Duarte e a antiga ministra das Pescas, Helena Semedo, era a madrinha. Petural foi reconhecido e oficializado no Boletim Oficial. Trabalhávamos a sério por isso tivemos esse apoio.
Hoje em dia esse tipo de apadrinhamento não existe.
Não há, porque antigamente trabalhavamos com amor. Percorria Praia inteira em busca de apoio e conseguia. Foi o que fiz com os Ferro Gaita.
"Eu é que fundei os Fero Gaita. O Eduíno era o mais fraco no grupo pelo que resolveu afastar os melhores para poder de facto mandar. Até tentaram me agredir à porta da casa do Bitori com pedradas, imagina"
Como assim, fundaste os Ferro Gaita?
Chando - Sim, não é como o Eduíno diz.
Bitori - É verdade. O Eduíno aprendeu a tocar comigo, mas antes de aprender como deve ser surgiu aí como tocador num grupo novo que deram nome de Ferro Gaita.
Chando - Quer saber a estória? É assim: queriamos levantar o grupo Abel Djassi de novo, mas não tínhamos instrumentos e soubemos então que o Eduino tinha uns aparelhos de som que alugava ali pela zona da Cidade Velha para festas de casamentos e baptizados. Precisavamos de amplificador e um lugar para ensaios no Polivalente do Bairro antes de irmos (grupo Abel Djassi) actuar na Baia das Gatas e no Fogo. Fui à casa do Eduíno eu e o Zé Mário e vimos uma gaita e pedimos-lhe para tocar. Ele tocou e então o convidamos para actuar connosco. Ele disse-nos para criarmos primeiro um grupo e se quisessemos ele nos emprestaria os equipamentos. E com um aviso: não quero fulano de tal no grupo.
Em São Vicente, onde fomos ao Baia das Gatas, falei com o Carlos Freitas, que era o então director de Produção da TNCV (actual TCV), sobre o projecto de criação de um grupo de funaná e que gostariamos que nos colocasse na televisão. O Freitas aceitou e eu cheguei logo à Praia à procura de espaço para ensaios. Consegui com o Batxa que me deu as chaves, porque já me conhecia no Abel Djassi. O François, do Centro Cultural Francês, que editava uma revista intitulada 'A Boleia' veio fazer uma reportagem connosco e quando nos perguntou o nome do grupo disse Ferro Gaita, que era Chando e Eduíno. Quem acabou por atribuir o nome Ferro Gaita foi a então esposa do eduíno que, em jeito de troça, dizia 'olha os rapazes de Ferro gaita chegaram'. De tanto Ferro gaita pra aqui e pra ali acabamos por adoptar esse nome. O primeiro manager do grupo foi o Jorge (Djoy) Gonçalves, filho do José Gonçalves da Prevenção Rodoviária. Tentei antes o Guga Veiga mas ele na altura estava apegado aos Matxu Burru, umas meninas do rap do Bairro Craveiro Lopes, então nos sugeriu o Jorge Gonçalves. Falei depois com o Samuel do restaurante Garden Grill que nos abriu as portas e começamos a actuar nas noites da Praia. Daí então começaram a aparecer gente ligada ao meio musical a ir nos ver actuar no Garden Grill como o Russo, produtor.
Nessa altura tocavam que músicas? Temas originais?
Algumas de outros compositores, mas já cantavamos sons nossos, como por exemplo "Capadu gossi ka ta fladu, sabidu di gossi ka ta inxinadu, sodadi Tarrafal", ou "Tareza undo bu sa ta bai". 'Capadu' fui eu que fiz (e o meu nome está lá no disco deles) e Tareza era uma canção que ouvia a minha mãe cantar e que dei outro arranjo.
Por que deixou os Ferro Gaita?
Saí porque um colega do Eduíno me pôs em conflito com ele, sobre um assunto que não era verdade e que até hoje não contei ao Eduíno. E a pessoa que fez isso, curiosamente, foi a mesma que o Eduíno não queria no grupo. Ele veio falar mal do Eduíno comigo e foi dizer ao Eduíno que eu é que estava a falar dele. Tem a ver com dinheiro que recebiamos. Mas acho também que havia algo mais do que isso, porque na altura o Eduíno ainda não dominava a gaita e como eu toco guitarra complementava nas notas que ele não alcançava com o acórdeão. Tinhamos um grande baixista, o Feliciano, que o Eduíno afastou do grupo, simplesmente porque num dia de show o Feliciano, que sofria de hemorróidas não estava em condições de actuar e ele o mandou embora. O Eduíno era o mais fraco no grupo pelo que resolveu afastar os melhores para poder de facto mandar. Até tentaram me agredir à porta da casa do Bitori com pedradas, imagina. Então saí de vez.
Se ele era o mais fraco como justificas a ascenção constante dos Ferro Gaita mesmo com a saída dos elementos que referiu?
Foi o momento, porque quando saí e vim integrar o grupo do Bitori era quem gravasse primeiro que teria maior sucesso.
Os Ferro Gaita gravaram primeiro, é por isso que tiveram maior sucesso?
Sim, mas acontece que nós (eu e o Bitori) já na altura tinhamos um contrato com a Lusáfrica, do Djo da Silva, enquanto os Ferro Gaita ainda procuravam financiamento junto do Carlos Veiga, então primeiro-ministro. Souberam que nós já tinhamos financiamento garantido e pensaram que era o dinheiro deles que o Veiga lhes prometera, o que era falso. A verba nossa acabou por ficar na gaveta porque entretanto fui para Holanda e lá fiquei. O Bitori foi para Portugal. Então foram lá exigir o seu dinheiro pensando que essa verba nos fora atribuida. Falso. Nós tinhamos contrato com a Lusafrica, mas o Djô da Silva despareceu durante muito tempo. Quando o Djô reapareceu, queria que fôssemos gravar no Senegal e eu queria ir para França, porque também pretendia ficar na Europa.
Bem, essa é uma estória desconhecida do público, a rivalidade entre Chando Graciosa/Bitori vs. Ferro Gaita. Essa divergência estará na origem do facto de vocês não serem chamados para espectáculos e festivais e os Ferro Gaita estarem sempre nos palcos?
Possivelmente. Há três pessoas por dentro desses festivais, a organizar ou a produzir, com quem tivemos problemas: Djô da Silva, Russo e uma outra pessoa que não quero mencionar. Samy Radjede disse-me uma vez que o Djô da Silva lhe garantiu que eu era dos melhores cantores de funaná em Cabo Verde, mas que não trabalha comigo porque não tenho responsabilidade. O Russo, anos atrás, tivemos um problema e me disse praticamente a mesma coisa, chegando inclusive a utilizar palavrões para mostrar que não trabalha comigo. Sabes porque me disse isso? Nas vésperas de um espectáculo no Music Expo fomos ensaiar na casa do Maiuca, numa sala pequena e com ventilador no máximo para resfriar os equipamentos. Aquilo me estragou a voz, então o Manel di Candinho sugeriu, como forma de melhorar a minha voz, que tomasse um calice de conhaque esquentado com limão. O Russo viu aquilo e sem saber do que se tratava começou a gritar comigo em público que fui lá para trabalhar e não estar na bebedeira. São, enfim, pessoas que criaram uma imagem errónea da minha pessoa e andaram esse tempo todo a prejudicar-me em vez de ajudarem.
Esses concertos que tem agendado, ao lado do Bitori nha Bibinha, para este fim de semana na Praia é uma forma de te renasceres para a música em Cabo Verde?
Precisamente. É um duplo renascimento, meu e do Bitori. Estamos a trabalhar com alma, com dedicação e toda a força para dar o nosso melhor. Nesses shows vai estar o português Sebastião Leroy que, além de nos arranjar concertos em Portugal, está a preparar um espectáculo em Angola em breve e a nossa participação no festival Camões agendado para os dias 23 e 24 de Novembro em Lisboa. Também estou a preparar novas canções. Quero desabafar um bocadinho.
Sentes-te injustiçado?
Sim, claramente. Injustiçado mesmo. Eu sou cabo-verdiano, sou herdeiro do meu país. Há muita maldade neste meio.
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