Any Delgado. “Não existem políticas públicas para a diáspora cabo-verdiana a nível cultural”
Entrevista

Any Delgado. “Não existem políticas públicas para a diáspora cabo-verdiana a nível cultural”

Afirmação da ativista cultural, Ana Maria Fonseca Delgado, ou simplesmente Any Delgado, uma cabo-verdiana que vive na diáspora desde os 18 meses, primeiro em Portugal, até aos 45 anos, e nos últimos 6 anos na Holanda. Natural de São Vicente, onde nasceu em 1971, Any Delgado afirma que para o atual governo a diáspora é apenas “números e cifrões”.

Santiago Magazine - Quem é Any Delgado e o que faz na vida?

Any Delgado - Sou ativista cultural. Defendo a identidade cultural caboverdiana e faço de tudo para divulgar e promover a caboverdianidade na Diáspora, principalmente nesta nova geração que está cada vez mais a afastar-se.

Fala um pouco das suas atividades sociais e culturais e porque escolheu esse caminho?

Comecei aquando da entrega do dossier da candidatura oficial da Morna a património da humanidade e fiz vários eventos e intervenções nas comunidades emigradas, do início da candidatura até à elevação. Escolhi este caminho em homenagem à Celina Pereira por quem ainda nutro uma enorme admiração e foi quem me desafiou a conhecer mais sobre a Morna e seus intervenientes. No fim da candidatura, outros caminhos surgiram e tenho dedicado o meu tempo a promover a nossa cultura

Como avalia a política social e cultural das instituições públicas cabo-verdianas para com a diáspora?

Não há avaliação possível. Não existem políticas públicas para a Diáspora a nível cultural. Para o atual governo somos números e cifrões. A crise identitária na nova geração está a ser descurada.

A diáspora é um dos maiores parceiros de desenvolvimento de Cabo Verde. Achas que a diáspora tem merecido a atenção e o respeito que merece por parte do nosso país?

Claro que não! O capital humano na diáspora não é valorizado, não existem políticas públicas para os nossos emigrantes seniores que queiram regressar a Cabo Verde, não existem programas nas escolas das comunidades com maior expressão, com o objectivo de ligar o filho do emigrante à terra dos pais…podia continuar mas estarei a dar ideias a quem não merece (risos)

Porquê?

Como disse antes, porque só somos vistos como números. Só interessa falar do investimento emigrante e das questões aduaneiras…todo o resto, é resto.

Qual é a sua motivação na realização da feira do livro do próximo dia 10?

No início do ano contactei por telefone, a adida cultural da embaixada de Cabo Verde em Bruxelas a propor fazer uma feira de livros. Ela adorou a ideia! Disse até que tinha ganho o dia com essa ideia maravilhosa, sugeriu a data da independência, 5 de Julho…até que voltou a perguntar-me o meu nome. Quando percebeu que era eu, como se diz em crioulo “Dá stragá!”. De repente deixou de ter tempo e disponibilidade, os meus emails deixaram de ser respondidos…

Para azar dos Ministérios da Cultura e das Comunidades, que assumo ser bastante crítica, não abaixo os braços perante adversidades. Quando me fecham portas e janelas, procuro fendas nas paredes. As minhas asas têm penas de aço.

Esta feira é necessária por várias razões, nomeadamente internacionalização dos nossos autores/ escritores e promover o gosto pela leitura. Na feira estarão disponíveis livros escritos na lingua caboverdiana. Ou seja, é muito mais inclusivo e abrangente.

O evento do dia 10 é fruto de uma parceria com a Rosa de Porcelana. A que se deve a escolha desta editora?

Compro muitos livros da Rosa de Porcelana e foi através daí que passei a conhecer o Filinto e a Márcia. Quando falei na ideia, apostaram em mim sem hesitar. Só espero estar sempre à altura dos dois para poder manter a confiança depositada.

Acha que a diáspora cabo-verdiana é uma comunidade informada e culturalmente preparada para promover a cultura das ilhas além fronteiras?

Há cultura e cultura. Há a cultura da basofaria que é dirigida a meia dúzia de uma pseudo elite, e há a cultura que trazemos no sangue e que todos promovem. É só esta última que a mim interessa.

Porquê?

A cultura não é só festa, festinhas e festivais ou só lançamentos de livros com pompa e circunstância. Cultura é também artesanato, é a gastronomia, as expressões de linguagem, as estórias fantásticas de bruxas e gomgons, os jogos e danças tradicionais. E isso o Povo é quem mais conhece.

Se a senhora fosse a ministra das comunidades quais seriam as suas prioridades?

Não seria como o Eng. Jorge Santos de certeza cujas prioridades são passear por aí.

Na sua opinião, quais são as maiores dificuldades do processo desenvolvimento de Cabo Verde?

Falta de visão deste governo. Depois de quase 50 anos de independência, não se justifica que ainda hajam problemas tão básicos como habitação condigna, saneamento, condições de saúde nos hospitais, os transportes, o fosso de desigualdade social e falta de oportunidades. Há muitas medidas que podem ser tomadas que passam longe da dependência de ajuda exterior. Está na altura da Diáspora intervir e fazer ouvir a sua voz.

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