Hoje, 8 de março, comemora-se o Dia Internacional da Mulher. A história da celebração deste dia é conhecida – pelas lutas e reivindicações por direitos laborais a nível mundial. Apesar dos ganhos e avanços conseguidos, a nível mundial e a nível do país, enquanto persistirem desigualdades de género que colocam as mulheres em planos desiguais nas relações sociais que, por sua vez, afetam as posições delas assim como dos homens nos processos sociais, considero que relembrar – ou comemorar – esta data é um imperativo. Até porque nenhuma ação e/ou situação é neutra no que diz respeito ao género.
Este ano o lema mundial é “Pense igual. Construa com inteligência. Inove para a mudança”. Este lema levou-me a pensar nas rabidantes do nosso país, no papel importante que desempenham na economia, na inteligência para sobreviverem perante as condições socioeconómicas no nosso país e das caraterísticas do nosso mercado e nas inovações que introduzem nas formas de fazer negócio, ajudando grandemente a nível comercial a ligar pontes entre Cabo Verde e outros países, permitindo que o mercado nacional seja abastecido, com quase tudo e, contribuindo assim para o desenvolvimento deste pequeno arquipélago.
A “rabidância”, enquanto um processo de compra e venda de produtos diversos: agrícolas, manufaturados, importados, produzidos localmente, entre outros, nas ruas e mercados, constitui uma prática fundamental na sociedade cabo-verdiana, enquadrada no sector “informal”, e tem contribuído para que as mulheres que desenvolvem esta atividade adquiram um status de importância na economia local. Embora a “rabidância” não seja um espaço exclusivo das mulheres, elas protagonizam um papel importante e ativo. Aliás, o setor dito “informal” da economia cabo-verdiana tem um rosto feminino, com as mulheres a representarem 58.8% dessa população (INE, 2015b).
As rabidantes são responsáveis pela venda de inúmeros produtos que vão desde géneros alimentícios, como peixe, verduras e legumes, até roupas, calçados e bijuterias; possibilitado intensas trocas comerciais, tanto no contexto das comunidades, dos concelhos, entre as ilhas e além-mar [África, Europa e América] (Silva, 2012). Aliás, a compra e venda de produtos em feiras, ruas e mercados tem impulsionado as rabidantes a viajarem por diversos países na busca de produtos para vender em Cabo Verde. Na verdade, diante desta diversidade de práticas que envolve a rabidância, é perceptível a existência de rabidantes comunitárias, rabidantes locais, rabidantes nacionais e rabidantes internacionais, ou como designa a Silva (2012), rabidantes transatlânticas. A “rabidância” tem servido como um dos eixos importantes de sustentação da economia cabo-verdiana, constituindo uma via importante de emancipação económica das mulheres, ao proporcionar emprego e rendimento a uma ampla parcela da população feminina (Grassi, 2003; Silva, 2015).
Apesar dessa diversidade de categorias de rabidantes e dos desafios inerentes a cada uma delas, estas profissionais nos permitem pensar na dimensão da igualdade, da inteligência e da inovação através das suas práticas profissionais e das suas trajetórias de vida. Elas inserem-se nas relações comerciais a todos os níveis – pequeno negócio, intermediárias junto de outros revendedores e vendedoras nos mercados do país. E, através dessa rede comercial estabelecem ligações entre (re)vendedores e consumidores, fazendo a ponte entre o meio rural e urbano, entre as ilhas, entre o país e a diáspora, entre o mercado interno e externo, entre a África, Europa, América e Ásia.
É comum considerar as mulheres como sujeitos subalternos, muitas vezes, por terem menos acesso a recursos e a insumos produtivos, e também, por serem as mais pobres. Porém, quando analisamos o papel e a atuação das mulheres rabidantes, concluímos que não se encaixam nessa lógica de sujeito subalterno nas relações de poder onde se inserem. Na verdade, elas subvertem os papéis e as posições exercendo, muitas vezes, a dominação nas relações comerciais que estabelecem com os outros. Na verdade, o papel desempenhado pelas rabidantes remete-nos a pensar que as relações de poder são móveis, deslocando-se dos atores produtores e vendedores para as “rabidantes”.
Portanto, neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, uma ode às rabidantes que nos remetem para a análise das questões de género no país e no empoderamento das mulheres com olhos de que muita luta temos pela frente, mas que muitas mulheres engendram, por si próprias, o caminho da igualdade, através de práticas inovadoras, construindo cenários e desafiando as leis do mercado, enfrentando as limitações e as dificuldades de uma relação comercial imperfeita, e servindo de exemplo enquanto mulheres inteligentes que transformam este país.
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