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Quem é Heitor Brandão, o cabo-verdiano ‘barão’ da droga em Lisboa?
Diáspora

Quem é Heitor Brandão, o cabo-verdiano ‘barão’ da droga em Lisboa?

Foi detido ontem pela PJ portuguesa, em colaboração com a polícia francesa, na posse de 125 mil euros (cerca de 13 mil contos). Os inspetores da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes acreditam que este dinheiro que tinha em casa é fruto da lucrativa rede de tráfico de cocaína da América do Sul para a Europa, que transportava droga nos cascos submersos de navios, e liderada pelo cabo-verdiano Heitor Brandão, 45 anos, em Lisboa. A imprensa lusa revela que o traficante detido na Operação Origami era uma pessoa popular. “O que o diferenciava de outros rivais é que se dedicava a apoiar pequenos clubes de futebol da capital. Tinha por isso uma vida dupla: o de mecenas desportivo de bairro e de apoiante autárquico do PSD mas também o de traficante com ligações aos mais influentes grupos do submundo da capital”.

Heitor Brandão começou por vender droga a consumidores, mas nem uma passagem pela prisão o assustou. Subiu a pulso na hierarquia da rede e hoje acumulava a liderança da estrutura com a gestão de um café situado na Estrela, conta o Diário de Notícias.

O diário lisboeta nota ainda que Brandão também chegou a presidir a um clube de futsal radicado nesta freguesia e “esbanjava simpatia pelos habitantes da localidade”. Em 2013, apoiou a candidatura de Luís Newton à Junta de Frequesia de Estrela e nas redes sociais não faltam exemplos da proximidade entre ambos.

O Jornal de Notícias assinala que Heitor Brandão controlava todo o tráfico de droga que se fazia nesta zona da capital, mas também em Campo de Ourique e no Casal Ventoso. “Mas não era só este negócio que fazia dele um dos maiores traficantes do país. Heitor Brandão também liderava a célula responsável pela logística de um cartel que transportava milhares de quilos de cocaína entre o Brasil e a Europa”.

Eram os seus homens, acrescenta o diário portuense JN, que mergulhavam nas águas dos portos europeus para retirar a droga escondida nos cascos dos navios que atravessavam o Atlântico e fazê-la chegar a outras estruturas da organização criminosa.

“Fizeram-no várias vezes em França, mas em três dessas ocasiões já estavam a ser vigiados pela PJ e autoridades locais que, no âmbito desta investigação apreenderam quase 300 quilos de cocaína desde o início do ano passado. Foram, aliás, os franceses que emitiram o mandado europeu que, ontem, permitiu que Heitor Brandão e dois dos seus mais próximos colaboradores fossem detidos”, lê-se na peça do JN. 

Todos os envolvidos foram surpreendidos na própria habitação, durante uma operação que mobilizou diversos inspetores nas buscas efetuadas às residências e também às sedes dos negócios geridos pelos detidos.

Além do luso cabo-verdiano, foram ainda detidos o sogro (conhecido por “Frances”) e o cunhado de Heitor Brandão, que se chama Márcio Marujo, e que é o quarto trabalhador daquela Junta com ligações ao suposto líder do tráfico (era fiscal na autarquia de Estrela). Ambos são cidadãos portugueses.

Heitor Brandão é encarado pelas autoridades como “um foguete que ascendeu da rua para a lua em tempo recorde”. Na gíria policial significa que em pouco tempo passou de um bandido igual a tantos outros para se transformar num importante traficante.

Os traficantes serão levados ao Tribunal da Relação de Évora e, no final do primeiro interrogatório judicial, deverão ouvir o juiz desembargador autorizar a sua extradição para França, onde deverão ser acusados e  julgados por tráfico de droga. 

Amigos na política

Luís Newton, presidente da Junta de Freguesia da Estrela, em Lisboa, deu emprego a três familiares de Heitor Brandão, revela por sua vez a revista Visão.

Sara Brandão, cunhada de Heitor, entrou naquela autarquia em fevereiro de 2017, através de um ajuste direto para “atendimento e esclarecimento ao público”. No portal dos contratos públicos, a Junta da Estrela justificou a contratação do serviço – por nove mil euros, com a “ausência de recursos próprios”.

Leonid Brandão e Karine Brandão, respetivamente sobrinho e irmã do suspeito, passaram a trabalhar naquela Junta entre janeiro e fevereiro de 2021. O primeiro chegou a ser selecionado para entrevistas, no âmbito de um concurso aberto em 2019, mas acabaria excluído por ter faltado a esta etapa. Posteriormente, em janeiro de 2021, a Junta de Freguesia contratou os seus serviços, por ajuste direto, para prestar “serviços de apoio operacional no âmbito do gabinete de administração geral”. Uma vez mais, foi alegada a “ausência de recursos próprios” e foram pagos 10.800 euros.

Leonid Brandão viria, em dezembro de 2022, a ser contratado diretamente pela Junta da Estrela através de um “contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado” na categoria de Assistente Operacional. Após o período experimental, o sobrinho entrou, em agosto deste ano, definitivamente para o quadro da função pública.

Por sua vez, Karine Brandão – atualmente vogal da Comissão Política Concelhia do PSD/Lisboa – também teve um percurso idêntico ao de Leonid: em 2017, começou no “serviço de atendimento e esclarecimento ao público” (oito mil euros); três anos depois, novo ajuste direto, por cinco mil euros, na Academia Estrela; seguiu-se um terceiro ajuste direto, por 10.800 euros, para o “apoio administrativo ao gabinete de administração geral” da autarquia; por fim, já em 2022, um novo ajuste direto, 5.400 euros, para novo apoio administrativo, uma vez mais por “ausência de recursos próprios”.

Já este ano, durante o mês de setembro, Karine Brandão entrou para o quadro da autarquia, por ter concluído com sucesso o período experimental do contrato para a categoria de Assistente Técnico.

Os três ajustes diretos foram sempre feitos em anos de eleições autárquicas (2017 e 2021).

Ainda segundo a Visão, a ligação entre Luís Newton e a família Brandão existe, aliás, há pelo menos uma década. Heitor Brandão apoiou a primeira candidatura de Newton à Junta de Freguesia, nas autárquicas de 2013, na coligação PSD/CDS-PP “Sentir Lisboa”, liderada por Fernando Seara. O suspeito chegou mesmo a posar num cartaz de campanha.

Luis Newton, da Junta de Freguesia de Eestrela, Ferando Seara, ex-candidato à CM de Lisboa e Heitor Brandão

Numa primeira reação, Newton negou qualquer proximidade com o suspeito ou com a família Brandão.

“Eu sou presidente da Junta há 10 anos, claro que em 10 anos ouvi muitos rumores, inclusive a ligação do Heitor à droga. Mas sempre foram só rumores. Não sabia de nada, nunca vi nada. Não é meu amigo, tínhamos apenas ligações institucionais por eu ser presidente da Junta e ele presidente de uma coletividade [o Sporting União Fonte Santense]”, disse Luís Newton ao CM.

Mas, segundo a Visão, o autarca omitiu as contratações pela Junta dos quatro familiares do alegado narcotraficante. "Nas redes sociais, é também possível confirmar a proximidade entre Luís Newton e o próprio Heitor Brandão, em diversos eventos particulares. As trocas de mensagens de apoio mútuo tornar-se-iam habituais ao longo dos anos".

A PJ deteve, ontem, Heitor Brandão, de 45 anos, quando este se encontrava no café de que é proprietário, na Rua Possidónio da Silva, em Lisboa. O luso cabo-verdiano é suspeito de ser um dos principais narcotraficantes a atuar na capital portuguesa, e de ser o “herdeiro” das rotas marítimas de tráfico de cocaína que ligam Portugal e a América do Sul, alegadamente controladas por Xuxas, o “narco” português que se supõe ter ligações ao ‘chefão’ brasileiro conhecido por Major Carvalho (atualmente detido na Bélgica), adianta o Correio da Manhã.

 

 

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine

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