Considero-me ademais um convicto defensor do bilinguismo oficial português-caboverdiano no nosso arquipélago, neste aspecto considerando-me feliz, não só por "ter nascido caboverdiano", como cantou o grande trovador santantonense-mindelense, Manuel de Novas, mas também por cumprir e honrar o mais possível a exortação de Amílcar Cabral nos termos da qual devemos dignificar e promover o nosso crioulo, sem deixar de também defender e valorizar “o português enquanto melhor herança deixada pelo colonialismo”, e, nessa óptica, por agir e actuar em plena conformidade com o que, para mim, vem clara, cristalina e inequivocamente plasmado no artº 9º da Constituição da República de Cabo Verde. Anote-se neste preciso e por demais precioso contexto que, segundo creio, o que continua a fazer falta, e de modo premente, ao bilinguismo oficial consagrado pelo supra-referido artº 9º da Constituição da República são precisamente a sua complementação exaustiva e a sua clarificação definitiva por via da consagração simbólico-política a curto prazo, como expressamente proposto pelo jurista e promotor da primeira tradução editada para o crioulo da nossa Constituição da República, Dr. Mário Pereira Silva, da paridade plena entre a língua portuguesa e a língua caboverdiana, seguida da paulatina e segura efectivação material dessa mesma paridade, tendo sempre por horizonte temporal o curto, o médio e o longo prazos. A dar-se esse duplo passo decisivo, sobretudo no que respeita à equiparação político-simbólica a curto prazo do estatuto jurídico-constitucional das duas línguas de Cabo Verde, segundo a feliz expressão cunhada pela Professora Amália Vera-Cruz Lopes Melo, poder-se-ia finalmente superar na prática das coisas concretas, e nunca por nunca mediante a falácia dos compromissos políticos eleitoralistas jamais cumpridos, a crassa, funesta, continuada e nefasta omissão do Parlamento, do Governo, dos Tribunais, da Administração Pública, dos Órgãos do Poder Local e das demais Instituições Públicas caboverdianas, situação essa, aliás, muito encorajada pela ausência de um dispositivo normativo na nossa Lei Magna que legitime procedimentos constitucionais por omissão, como ocorre, por exemplo, na Constituição da República portuguesa.
À especial consideração dos que a autora do texto "Ah! A Boa Escola!..."
denomina crioulistas e dos assumidos alupecadores, nos quais me
Sinto integrado, sem quaisquer pejo e complexo.
I. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE O BILINGUISMO CABOVERDIANO, EM ESPECIAL DO BILINGUISMO LITERÁRIO NAS ILHAS E NAS DIÁSPORAS CABOVERDIANAS
Antes de mais, agradece-se a sinceridade e a honestidade intelectual da autora do artigo "Ah?! A Boa Escola!...", Dra. Ondina Ferreira, na exposição de um ponto de vista que respeito, mas do qual discordo profunda e frontalmente e, por isso, rejeito com a máxima veemência possível.
A minha rejeição do ponto de vista exposto no supra-referido artigo funda-se na circunstância de me considerar um professo cultor das línguas portuguesa e caboverdiana e um acérrimo defensor de um bilinguismo informal português-crioulo nas nossas ilhas e devidamente adaptado às diversas circunstâncias e situações linguísticas nas nossas diásporas. Essa minha convicção consubstancia-se outrossim na minha defesa de um diferenciado bi(multi)linguismo literário caboverdiano, aliás, praticado desde os mais recuados tempos dos nativistas e dos claridosos, tendo conhecido um notável incremento com alguns poetas nova-largadistas e com vários escritores das novíssimas gerações pós-coloniais que alargaram a área de jurisdição e de actuação do tradicional bilinguismo literário português-crioulo, e de que o ícone maior continua a ser Eugénio Tavares, para um possante e muito produtivo bilinguismo português-francês com Mário Fonseca e João Vário (que parece ter deixado inéditos dois volumes em inglês dos seus Exemplos, designadamente European Example e American Example), na senda, aliás, dos trilhos inaugurados por José Lopes que, além de exímio poeta em português, em francês e em inglês, era igualmente um abalizado cultor do latim, aprendido e praticado no Seminário-Liceu de São Nicolau.
Na prossecução do desiderato de disseminação do bi(multi) linguismo literário são essenciais i. não só uma praxis cultural atenta e solícita em relação às demandas das diásporas caboverdianas espalhadas pelo mundo e, por isso, permanentemente colocadas em estreito e, por vezes, umbilical contacto com as muitas línguas das culturas dominantes e/ou correntes nas sociedades que as acolhem e, bastas vezes, se transmutam em pátrias natais de acolhimento dos seus filhos nascidos e/ou crescidos no seu chão, ii. como também uma praxis cultural amiga das liberdades e que faça por respeitar totalmente e salvaguardar inteiramente a inalienável liberdade de criação dos literatos, letrados e letristas e a sua concomitante e correlativa liberdade de escolha da sua língua de labor literário e artístico e dos modos como a utilizam e dela fazem uso.
II. DO BILINGUISMO OFICIAL CABOVERDIANO
Considero-me ademais um convicto defensor do bilinguismo oficial português-caboverdiano no nosso arquipélago, neste aspecto considerando-me feliz, não só por "ter nascido caboverdiano", como cantou o grande trovador santantonense-mindelense, Manuel de Novas, mas também por cumprir e honrar o mais possível a exortação de Amílcar Cabral nos termos da qual devemos dignificar e promover o nosso crioulo, sem deixar de também defender e valorizar “o português enquanto melhor herança deixada pelo colonialismo”, e, nessa óptica, por agir e actuar em plena conformidade com o que, para mim, vem clara, cristalina e inequivocamente plasmado no artº 9º da Constituição da República de Cabo Verde. Anote-se neste preciso e por demais precioso contexto que, segundo creio, o que continua a fazer falta, e de modo premente, ao bilinguismo oficial consagrado pelo supra-referido artº 9º da Constituição da República são precisamente a sua complementação exaustiva e a sua clarificação definitiva por via da consagração simbólico-política a curto prazo, como expressamente proposto pelo jurista e promotor da primeira tradução editada para o crioulo da nossa Constituição da República, Dr. Mário Pereira Silva, da paridade plena entre a língua portuguesa e a língua caboverdiana, seguida da paulatina e segura efectivação material dessa mesma paridade, tendo sempre por horizonte temporal o curto, o médio e o longo prazos. A dar-se esse duplo passo decisivo, sobretudo no que respeita à equiparação político-simbólica a curto prazo do estatuto jurídico-constitucional das duas línguas de Cabo Verde, segundo a feliz expressão cunhada pela Professora Amália Vera-Cruz Lopes Melo, poder-se-ia finalmente superar na prática das coisas concretas, e nunca por nunca mediante a falácia dos compromissos políticos eleitoralistas jamais cumpridos, a crassa, funesta, continuada e nefasta omissão do Parlamento, do Governo, dos Tribunais, da Administração Pública, dos Órgãos do Poder Local e das demais Instituições Públicas caboverdianas, situação essa, aliás, muito encorajada pela ausência de um dispositivo normativo na nossa Lei Magna que legitime procedimentos constitucionais por omissão, como ocorre, por exemplo, na Constituição da República portuguesa.
No que se refere aos Partidos Políticos, em especial àqueles com representação parlamentar, às Organizações da Sociedade Civil e à Cidadania em geral, é de se realçar algumas acções e iniciativas suas, assaz meritórias e dignas de louvor, não obstante a sua predominante postura passiva, e, bastas vezes, resignada e, até, ignorante, perante a urgência da resolução da questão político-linguística em apreço, como sejam:
a) Os regulares debates que têm ocorrido sobre as questões em tela na Rádio, na Televisão e em outros meios tradicionais de comunicação social, nos espaços públicos de exposição e debate presenciais de ideias, nas redes sociais e nas plataformas digitais, com a qualificada e competente participação de linguistas, filólogos, sócio-linguistas, juristas, professores, escritores, poetas-letristas, politólogos, sociológos, etnólogos, antropólogos, comentadores, jornalistas, deputados, autarcas, governantes e outros políticos profissionais, assessores, conselheiros da República, músicos-compositores, intérpretes culturais, engenheiros e programadores informáticos e outros especialistas e indivíduos directamente interessados na matéria, se bem que amiúde também contaminados e deteriorados em razão de muitas vezes resvalarem para estranhas e inconvenientes margens, atitudes, reivindicações e postulados populistas e demagógicos, por demais inundados de boatos, rumores e fake-news e sobremaneira infestados de nauseabundas excrescências, de pestilentos complexos, ora de vociferante e falaciosa superioridade, ora de sociopata, virulenta e indisfarçável inferioridade, e de outros excessos assaz apelativos a teorias de conspiração e a sentimentos irracionais e primários, como o racismo cultural de teor eurocêntrico e europeísta e a sua contraparte negrista e afrocêntrica, o bairrismo doentio e o chauvinismo nacionalista e/ou regionalista de feição supremacista islenha, sampadjudista, barlaventista e badia-crioulista, entre outras expressões e manifestações de traumas, taras, mazelas, maleitas e perversões mentais e espirituais de colorações coloniais, neo-coloniais e pós-coloniais.
b) A proposta do PAICV (Partido Africano da Independência de Cabo Verde) para a revisão constitucional agendada para e efectivada em Setembro de 2010 e que, conjuntamente com a proposta de revisão do MpD (Movimento para a Democracia) culminou em soluções pertinentes e consensualizadas nos mais variados domínios no âmbito dos trabalhos de uma Comissão Parlamentar Paritária constituída pelo partido do governo, o PAICV , devidamente sustentado na sua maioria parlamentar absoluta, e pelo maior partido da oposição parlamentar, o MpD, todavia não logrando obter a anuência dos deputados do maior partido da oposição para a aprovação por maioria qualificada em sessão plenária da Assembleia Nacional das propostas do mesmo partido do governo respeitantes às questões linguísticas e à necessidade de superar de uma vez por todas as alegadas divergências e dificuldades na uniforme interpretação do alcance da redacção da norma relativa à oficialização do crioulo constante do artigo 9º, nº 2, da Constituição da República de Cabo Verde (CRCV), expectavelmente mediante a oficialização plena e simultânea de ambas as línguas de Cabo Verde, sem todavia retirar do mesmo artigo 9º da CRCV a natureza programática e gradualista do processo da efectivação material do processo da parificação (equiparação) do estatuto da língua materna caboverdiana em relação à língua portuguesa, enquanto única e exclusiva língua oficial plena em Cabo Verde, tanto no sentido político-simbólico, como também no sentido material. Relembre-se que naquela decisiva ocasião o MpD era liderado por Carlos Veiga, o emergente e carismático político da década de noventa do século passado, que, aquando da histórica revisão constitucional de 1999 e no exercício do seu e último mandato como líder do MpD e Chefe do Governo caboverdiano, tinha sido um importante defensor da solução compromissória de oficialização parcial e paulatina do crioulo, tendo sido ademais um grande difusor da plástica expressão "o crioulo como língua oficial em construção" (aliás, introduzida nos debates parlamentares pelo deputado do PAICV, Eutrópio Lima da Cruz e inspirada pelo linguista-mor Manuel Veiga), esse mesmo Carlos Veiga que achou por bem regressar à liderança das lides político-partidárias do MpD, para surpresa geral, depois das expectativas criadas com uma sua terceira e decisiva candidatura presidencial, que porém não viria a acontecer depois de ter sido derrotado nas eleições legislativas por José Maria Neves, em início do seu terceiro mandato como Primeiro-Ministro caboverdiano.
c) A apresentação já na presente legislatura às mais altas instâncias decisórias do Estado e do País de uma Petição Pública subscrita e representada por eminentes personalidades da cultura e da sociedade civil caboverdianas das ilhas e diásporas a exigir a oficialização plena imediata, ainda que somente no plano político-simbólico, da língua materna caboverdiana, indo-se assim para além da ambiguidade ínsita na congénita ambivalência dos desideratos políticos do antigo Ministro da Cultura, Mário Lúcio Sousa, e do mais recente Ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, Abraão Barbosa Vicente, os quais pretenderiam proceder durante os respectivos consulados (que para o Ministro Abraão Vicente ainda perdura, mesmo se despojado da incómoda e atribulada pasta gémea da Comunicação Social, mas agora vê acrescida à sua mais que experienciada pasta da Cultura e das Indústrias Criativas a exigente e desafiante super-pasta da Economia Marítima) a uma falaciosa futura oficialização do crioulo, relembre-se que já realizada e consumada desde a revisão constitucional de 1999, assim confundindo, de forma inaceitável em razão dos altos cargos exercidos, a mera oficialização por via da revisão constitucional de 1999 com a oficialização plena, ainda por realizar, e que é o mesmo que dizer "a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com o português", tal como vem consignado no nº 2 do artigo 9º da Constituição da República de Cabo Verde (CRCV) como constituindo uma obrigação programática essencial do Estado caboverdiano no que se refere à realização e à concretização a prazo das políticas linguísticas respeitantes ao crioulo e igualmente estipulada em vários outros dispositivos constitucionais. Em jeito de parêntese, seja dito nesta concreta circunstância que, apesar do preceituado no nº 3 do artigo 9º da Constituição da República, o qual estabelece que constitui dever de todos os cidadãos caboverdianos utilizar e conhecer as línguas oficiais de Cabo Verde, considera-se lamentável que na mesma revisão constitucional de 1999 não se tenha estabelecido, e primacialmente em sede dos articulados constitucionais consagradas à regulação dos direitos fundamentais à educação e à cultura, o direito de todos os cidadãos caboverdianos residentes no território nacional a aprenderem a língua materna caboverdiana, a par da outra língua co-oficial, que é o português, e, desejavelmente, de (outras) línguas estrangeiras, e o direito de todas as crianças caboverdianas residentes no território nacional a aprenderem e a serem educadas na sua língua materna, mesmo se, eventualmente em contexto bilingue, conjuntamente com a outra língua co-oficial.
Retomando o fio à meada, acrescente-se que ao agendar uma futura oficialização do crioulo caboverdiano como importantes desideratos seus e dos respectivos mandatos, os dois Ministros da Cultura de Cabo Verde anteriormente mencionados colocaram-se em nítida contra-mão em relação às teses tecnicamente mais fundamentadas sobre a interpretação mais correcta do espírito e da letra da Constituição vazados e impregnados no seu de há muito celebrizado artº 9º e em (in)conveniente contracorrente em relação à postura em regra mais sábia, sabida, realista, cautelosa e verdadeira de Manuel Veiga, um igualmente antigo Ministro da Cultura que também ostenta no seu perfil de intelectual o facto de ser o mais importante especialista e a mais reconhecida autoridade actual da crioulística caboverdiana, bem como a circunstância de ter sido o principal autor, fautor e protagonista do ALUPEC e das suas Bases de Enquadramento, acrescendo ainda a isso tudo, o que não é coisa pouca, o seu estatuto de reconhecido académico trilingue e de consagrado escritor bilingue, e que, por isso, vem reiterando e reafirmando o estatuto consumado de língua co-oficial do crioulo caboverdiano, ainda que de forma parcial e em progresso, simultaneamente qualificando a situação actual da língua materna caboverdiana, como sendo de "uma língua oficial em construção".
Em vista do que vem acima relatado e confirmam os muitos protagonistas das polémicas e dos debates passados e em curso sobre as problemáticas linguísticas em pauta, estou convencido que são transversais a todas as ilhas e diásporas, a todos os partidos políticos e a quase todas as correntes político-ideológicas presentes na sociedade caboverdiana das ilhas e diásporas os defensores e os detractores da oficialização primária e da plena oficialização do idioma crioulo caboverdiano em paridade com o idioma português, com todas as suas inerentes consequências, com destaque para a introdução do crioulo no sistema formal de ensino e para a elaboração de documentos oficiais do Estado caboverdiano na língua materna nossa arquipelágica, previsível e logicamente numa escrita baseada no alfabeto oficial da língua caboverdiana que é o ALUPEC (Alfabeto Unificado para a Escrita do Cabo-verdiano), proposto em 1994 pelo Grupo de Padronização para o efeito constituído em 1993 pelo Instituto Nacional da Cultura (INAC), coordenado pelo linguista Manuel Veiga e integrado pela filóloga sénior Dulce Almada Duarte, pelo linguista Eduardo Cardoso, pela professora Alice Matos, pela professora Inês Brito, pelo crioulista, escritor e responsável do Departamento de Tradições Orais do INAC, Tomé Varela da Silva, pelo poeta, ensaísta e jurista José Luís Hopffer C. Almada, pelo estudioso e professor Moacyr Rodrigues e pelo poeta, ensaísta e Presidente do INAC, Mário Fonseca. Por isso, torna-se mister e altamente aconselhável a urgente despartidarização das discussões e dos debates destas candentes questões linguísticas de natureza eminentemente supra-partidária porque de evidente interesse nacional, por isso mesmo devendo merecer amplos consensos fundados nos mais recentes conhecimentos das diversas ciências com relevância e pertinência na matéria em pauta.
III. DA NATUREZA NÃO ESTRITAMENTE AD HOMINEM DA PRESENTE RESPOSTA
Importa outrossim sublinhar neste concreto circunstancialismo que nada tem de estritamente pessoal o meu desacordo com a opinião expendida no texto acima referido e vezes sem conta reiterada pela Dra Ondina Ferreira no seu blogue "Coral Vermelho" e, em regra, replicada nas páginas do jornal "Expresso das Ilhas".
Com efeito, a Dra Ondina Ferreira é uma individualidade que muito prezo no nosso relacionamento pessoal e social e, não raras vezes, quando me foi e me é dado apreciá-la no seu ofício de crítica literária, no seu munus de professora liceal de várias gerações de caboverdianos, alguns dos quais se tornaram actualmente incontornáveis protagonistas da nossa cena literária e do nosso panorama cultural, confrade (ou seria confreira?) no seu ministério de intelectual, enquanto contista, novelista, ensaísta, antologizadora e membro da Academia Cabo-Verdiana de Letras (ACL) e pessoa com quem tive a honra e o prazer de interagir e colaborar estreitamente quando, por exemplo, ela foi coordenadora, com o poeta, contista, romancista e tradicionalista Oswaldo Osório, do "Voz di Letra" (suplemento literário e cultural do extinto semanário "Voz di Povo", publicado de Março de1986 a Março de 1987, num total de doze números, dos quais onze dinamizados pelo Movimento Pró-Cultura), e eu era responsável desse mesmo grupo literário-cultural de carácter geracional surgido em Março de 1986 e subsistente de forma orgânica até, pelo menos, Outubro de 1998, sobretudo nessa fase inicial da sua pluralista afirmação pública através do acima referido suplemento literário-cultural.
Por outro lado, o meu posicionamento contra o ponto de vista acima mencionado nada tem a ver com o juízo que possa fazer sobre as Escolas Portuguesas espalhadas pelo mundo e, mais especificamente, sobre as duas Escolas Portuguesas de Cabo Verde localizadas na Praia e no Mindelo e a sua frequência não somente por filhos de funcionários e de outros expatriados (termo diferenciador e, quiçá, distintivo do chamado privilégio branco para designar os emigrantes e outros estrangeiros ocidentais das classes médias e altas radicados nos países do terceiro mundo, em especial nos países africanos) oriundos de Portugal e residentes em Cabo Verde, mas também por filhos de membros das elites caboverdianas, certamente em (quiçá legítima, quiçá política e eticamente questionável) demanda não só das melhores condições possíveis de estudo, de educação e de instrução para os seus rebentos, mas também dos sinais demonstrativos e ostentatórios do seu poder material e simbólico e do seu diferenciado lugar social num país no qual a língua portuguesa foi, é e permanece a língua do exercício do poder, porque, do ponto de vista jurídico-constitucional, língua oficial plena e, do ponto de vista material, a única língua efectivamente oficial porque na prática a única língua através da qual e mediante a qual o Estado se expressa, comunica e impõe a sua vontade com força obrigatória geral e emite actos vinculativos de todos os cidadãos, continuando ademais o domínio e a proficiência na mesma língua portuguesa a ser um poderoso factor de promoção, de ascensão e de aristocratização económico-sociais e, simultaneamente, de diferenciação/ hierarquização político-social, sobretudo em face de uma escola pública caboverdiana em contínuo descalabro e na qual a língua portuguesa é a língua quase única e exclusiva de ensino, mesmo se todavia também "andando pelas ruas da amargura", segundo a expressão da própria articulista agora em questionamento, conjuntamente com as demais disciplinas curriculares ministradas no sistema nacional do ensino caboverdiano, acrescendo e integrando de forma intrínseca esse panorama marcado pela diglossia e por uma certa e mutuamente contaminadora glotofagia a circunstância factual de a língua caboverdiana permanecer (quase) completamente arredada e marginalizada da escola pública caboverdiana, mesmo se amiúde servindo de precioso recurso oficioso a alunos e professores para as aprendizagens em todas as disciplinas curriculares, status quo inferiorizado e inferiorizante da língua caboverdiana, aliás, explicitamente desejado e sufragado pela articulista, na esteira de alguns letrados dos tempos de outrora, das trevas coloniais,e dos tempos pós-coloniais de agora, de saudosismo colonial e de propensões linguísticas desmesuradamente lusófilas e neo-colonizantes.
Pelo contrário. Abstendo-me de, aqui e agora, emitir um qualquer juízo de valor sobre o mérito, a oportunidade, a pertinência e a legalidade de a Escola Portuguesa de Cabo Verde extravasar, no círculo de candidatos e postulantes à sua frequência, os cidadãos portugueses residentes em Cabo Verde, deste modo sujeitando cidadãos caboverdianos, para mais residentes em território nacional, a currículos escolares de um país estrangeiro e, assim, subtraindo esses mesmos cidadãos caboverdianos à jurisdição escolar caboverdiana mediante a aplicacão de um inadmissível regime de extra-territorialidade escolar lus(itan)a, sempre direi que sou testemunha de como, por exemplo, a Escola Portuguesa de Roma contribuiu para a escolarização secundária, e não só, da comunidade caboverdiana nessa cidade transalpina e para o acesso de alguns dos seus membros aos estudos superiores universitários.
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