No nosso sistema educativo, de um modo geral, os alunos passam 12 a 15 anos para concluírem o ensino secundário, num modelo de prática pedagógica tecnicista, onde são obrigados a memorizar os conhecimentos, limitando-se, praticamente, a ouvir a aula do Professor; falam pouco e não aprendem a fazer quase nada. Porém, alguns responsáveis políticos esperam que sejam empreendedores, criativos e inovadores. Razão para se perguntar: Como assim? O que pode fazer a diferença em tudo isso? Uma nova Política Educacional e, sobretudo, a valorização do Professor, num quadro de uma nova perspetiva educacional.
Na qualidade de Professor, Formador de Professores, saúdo a todos os colegas, por ocasião do 23 de abril. A data é simbólica, mas deve servir para nos ajudar a refletir o quanto a nossa profissão é importante para o progresso do nosso país e da humanidade, bem como o tratamento que nos é dado em Cabo Verde.
Na Ásia, consideram os seus Professores “Construtores da Sociedade”. A Política Educacional é tão cuidada, razão pela qual, a Educação se afigura como um dos fatores principais do rápido e exponencial progresso dos países chamados “Tigres Asiáticos”.
Em Cabo Verde, ainda estamos longe de ter esse entendimento e, talvez por isso, temos as situações que temos e passo a enumerar algumas.
1. A Polícia Nacional, na sua recente reunião do Conselho dos Comandos, teve na sua agenda a análise da violência em contexto escolar. Do encontro, esteve também presente o Procurador-Geral da República.
2. Nas cadeias nacionais estão cerca de 2.100 presos, sendo 74% jovens.
3. Assistimos a uma saída massiva de jovens cabo-verdianos para Portugal e muitos fazem parte dos que estão fora do sistema escolar ou de formação e, quando muito, no subemprego.
4. Portugal pretende criar um “semestre zero” para superar as fraquezas com que chegam os nossos jovens para estudar.
5. A economia é governada de uma maneira, e cresce a um ritmo, que não consegue criar e diversificar postos de empregos e salários dignos.
6. O Relatório do Banco Mundial publicado nesses dias sinaliza que Cabo Verde faz parte do grupo de países que estão a ficar, cada vez, mais pobres em relação aos países desenvolvidos.[i]
7. A nossa capacidade produtiva, em termos do que precisamos para a nossa alimentação, é de cerca de apenas 17%.
8. O nossos sistema educativa, ainda, nos prepara para o consumo e não para sermos produtores.
9. Todo o sistema educativo é focado na transmissão do conhecimento, baseado na prática pedagógica tecnicista, ignorando o saber-conhecer, o saber-ser, o saber-fazer e o saber viver juntos.
10. O Banco Mundial assinalou, em 2019, que Cabo Verde gasta na educação muito mais do que, por exemplo, Maurícias, Seicheles e Samoa, mas a qualidade é mais baixa[ii].
Em fim, podia continuar a enumerar situações que nos elucidam do quanto vai mal o nosso sistema educativo e as suas repercussões para o país. Queremos ser um país desenvolvido, e, politicamente, fala-se muito disso. O problema é o como?
No próximo ano, completaremos 50 Anos da nossa Independência. Temos a sorte de ser uma única nação; nunca tivemos guerras internas; e temos uma cultura, uma identidade forte (a cabo-verdianidade). E a questão que se pode colocar é: porquê que andamos tão lento em direção ao progresso?
O antigo Presidente norte-americano, John Kennedy, dizia o seguinte: “o nosso progresso como nação não pode ser mais rápido do que o nosso progresso na educação”. Ora, se pensarmos bem, havemos de perceber, com relativa facilidade, razões para as dez questões em cima.
No outro dia, assistimos a manifestação de estudantes em São Vicente, pois os jovens começam a perceber-se da má qualidade do nosso sistema educativo e a entender o quanto isto lhes afeta e afeta toda a sociedade. Quando dizem que o sistema educativo não está a preparar pessoas adequadamente e que, depois, algumas dessas pessoas ocupam cargos importantes, mas com desempenhos negativos, é um sinal profundo do quanto estão a ler da nossa educação e que, porventura, os decisores políticos não estão a ver.
Num olhar crítico sobre o nosso sistema educativo, temos de questionar as causas profundas da violência escolar, a ponto de dar origem ao programa “Escola Segura”, conduzido pela Polícia Nacional. Como é possível chegarmos ao ponto de Polícia e Ministério Público estarem a falar da violência escolar? Já há escolas onde a Polícia está, quase, permanentemente! Será que as escolas demitiram-se dos seus papeis educativos, ou nunca deram conta dos seus verdadeiros papeis?
Da quantidade elevadíssima de jovens presos, quais as causas profundas? É porque são criminosos? E porquê que se transformaram em criminosos? Nasceram criminosos, ou são jovens vítimas de uma sistema que não cuidou de os educar e de os integrar na sociedade?
Dados indicam que a maioria tem 6ª ou 7ª classe, o que significa que foram à escola, mas muito cedo abandonaram-na. E porquê? Certamente, por razões diversas, mas, seguramente, uma delas é porque a maneira tecnicista como as nossas escolas funcionam é muito desagradável para muitas crianças, cuja forma de aprendizagem não se encaixa no modelo educativo instituído.
A saída massiva de jovens para Portugal é por falta de condições de poderem ter um emprego e um salário que lhes permitam organizar as suas vidas e realizar os seus sonhos. Vão para a Europa, uns com a ideia de estudar e outros para trabalhar. Chegam lá, deparam com múltiplas dificuldades. Aqueles que vão para estudar têm lacunas sérias, o que fez Portugal pensar na criação de um “semestre zero”. É um sinal claro de que o nosso sistema educativa não vai bem. Aqueles que vão para trabalhar, no geral, não sabem fazer nada, embora, muitos frequentaram 8, 10, ou mesmo 12 anos de escolaridade. E a questão é essa: O quê que aprenderam?
Países como Japão, Alemanha, Holanda, Áustria, etc., as crianças, no geral, a partir dos 10 anos, andam entre a escola e o mercado de trabalho para verem, conhecerem e se familiarizarem-se com o mundo real de trabalho e emprego. A partir dos 14 anos, começam a trabalhar, em jeito de estágio, para aprenderem a trabalhar; ganhar o gosto pelo trabalho e adquirir um conjunto de competências e habilidades fundamentais para a vida pessoal e coletiva. Aos 18 anos, concluem o ensino secundário e com um alto grau do saber-fazer e de outros saberes, decorrentes das suas vivências no mundo do trabalho, o que, em muitos casos, lhe garantem já o emprego. Na Suécia, as escolas ensinam as crianças a cozinhar, lavar a roupa, limpar a casa, costurar, atividade de carpintaria, etc., etc., ou seja, tudo o que precisam para a vida adulta.
No nosso sistema educativo, de um modo geral, os alunos passam 12 a 15 anos para concluírem o ensino secundário, num modelo de prática pedagógica tecnicista, onde são obrigados a memorizar os conhecimentos, limitando-se, praticamente, a ouvir a aula do Professor; falam pouco e não aprendem a fazer quase nada. Porém, alguns responsáveis políticos esperam que sejam empreendedores, criativos e inovadores. Razão para se perguntar: Como assim? O que pode fazer a diferença em tudo isso? Uma nova Política Educacional e, sobretudo, a valorização do Professor, num quadro de uma nova perspetiva educacional.
É preciso valorizar e trabalhar, a sério, para elevar a qualidade do Professor, melhorar o seu estatuto social e criar espaços para que os Professores e os Especialistas em Educação participem, de forma mais efetiva, na governação e gestão da Educação. Não se pode continuar com o amadorismo reinante na governação e gestão da educação e esperar que os resultados melhorem. O futuro de uma nação está, maioritariamente, nas mãos dos seus Professores.
[i] The Great Reversal: Prospects, Risks, and Policies in International Development Association Countries (worldbank.org)
[ii] https://documents1.worldbank.org/curated/en/803701567777354345/pdf/Cabo-Verde-Revisiting-the-Efficiency-of-Public-Spending-to-Reduce-Debt-and-Improve-Education-and-Health-Outcomes-Public-Expenditure-Review.pdf)
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