Populismo, militante e partido de esquerda
Colunista

Populismo, militante e partido de esquerda

1. Há um ponto de partida que exige urgência em ser sublinhado: todos os atores políticos de verdade que desempenham cargos ou funções em partidos políticos têm de tomar consciência - uma vez por todas - de que nunca na história da humanidade os políticos, a política e os partidos políticos - e logo, a própria democracia - estiveram debaixo de tanto perigo, tanta ameaça de desvalorização e até o próprio risco de desaparecimento;

2. São vários os fatores que fazem parte desse feixe de ameaças, mas a maior ameaça de todas é o populismo, na medida em que além do descrédito que provoca, contém certas ideias que são destruidoras da própria política, partidos políticos e políticos, uma vez que a essência dos populistas é a assunção de posições apenas para, aparentemente, agradar o povo. O populismo tem como base mentiras, suposições de conveniência, mitos e manipulações descaradas - relevando a verdade para o último plano, ou seja, como aquilo que menos interessa!

3. É imperioso sublinhar também que o populismo tem vindo a favorecer largamente os partidos da direita e extrema direita. Daí a gravidade da não tomada de consciência deste facto por parte de atores políticos de partidos de esquerda que, por vezes e pior ainda, embarcam também em posicionamentos populistas, transportando-os para o interior dos seus próprios partidos;

4. É o caso do novo argumento de voto em "nome da minha ilha" assumido por deputados da nação! Se recuarmos a março de 2016, lembrar-nos-emos, facilmente, de que há um partido que ganhou as eleições legislativas desse ano com a ideia mais populista vista até então nestas ilhas, a ideia "meu partido é Cabo Verde". Foi deste modo que um partido recorreu ao populismo para ganhar as eleições. Se isso é totalmente condenável, numa disputa com outros partidos, é ainda muito pior quando o populismo está dentro do partido, em que se chega ao ponto de se invocar a razão "minha ilha" para se votar contra o próprio partido nas listas do qual se foi eleito;

5. Então, o que há de comum entre as ideias: "Meu partido é Cabo Verde" e "Meu partido é a minha ilha"? Apenas populismo para agradar o povo. É a capitulação política perante aquelas ideias de que o partido está atrás e em baixo, de que não se é fanático no partido e que se pensa pela própria cabeça. Ideias muito apreciadas entre aqueles que não distinguem nenhum partido político de outro. O problema é que todas estas ideias foram criadas por mentes que estão fora de partidos políticos, mas tendo apenas como estratégia acabar com os partidos e nunca melhorá-los. Calhou com políticos no ativo que não entenderam isso e adotaram essas ideias para si mesmos, só que dentro do partido. Se tivessem adotado essas ideias fora do partido, não haveria problema nenhum;

6. Mas, o mais preocupante de tudo é sermos confrontados com políticos que aceitaram fazer parte de uma lista, subscrevendo um programa eleitoral e, hoje, depois de chegarem ao Parlamento, virem alegar "liberdade de consciência" para votar contra o que se tinha aceite logo à partida: ser parte de uma equipa e de uma bancada una. Pior ainda, quando a votação é sobre uma matéria em relação à qual o próprio partido tem uma proposta concreta e já entregue no Parlamento Nacional e, portanto, à espera de agendamento para debate e votação também. Passamos a ter políticos que votam numa proposta para certas ilhas, em detrimento de uma proposta nacional, e estando na condição de deputados de partidos da Nação?

7. Poderá um Deputado da Nação invocar uma questão de "consciência pessoal" e esquecer-se de que está em representação do povo no seu todo? Um deputado ao categorizar uma questão como sendo de consciência, não deveria – imediatamente – defender que essa questão fosse submetida à avaliação do povo que ele apenas e somente representa, mas não substitui? Como entregar uma "questão de consciência" nas mãos de 0,01% de caboverdeanos deputados para decidirem pelos 531.239 habitantes do país?

8. Mas, antes de mais, é preciso sublinhar que a regionalização, afinal, não é uma "questão de consciência" como o são, por exemplo, o aborto, a eutanásia ou o casamento homossexual. Se é assim tão de consciência que ninguém se ache acima do povo e devolva então ao povo para decidir de forma direta, sem intermediários, através de um referendo popular;

9. Se a decisão de voto passa a ser de acordo com a vontade individual de cada deputado, estaremos a caminhar para uma espécie de "consciência a la carte", pondo-se fim à previsibilidade do Grupo Parlamentar e à própria matriz ideológica e Programa Eleitoral que dão enquadramento à atuação do Grupo Parlamentar, uma vez que cada deputado poderá votar como bem entender – é o fim da condição de militante e de qualquer pedagogia!

10. Por tudo isso, como aponta, José Casimiro de Pina, a partir do momento em que se assume que o partido adversário tem a melhor proposta e a melhor opção política sobre matéria que se considera tão fundamental para o país, a verdade é que já não se pode ficar apenas pelo voto contra. Esta decisão de voto contra exige que se seja, no mínimo, consequente!

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SOBRE O AUTOR

Francisco Carvalho

Político, sociólogo, pesquisador em migrações, colunista de Santiago Magazine

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