O PERÍODO DA TRANSIÇÃO POLÍTICA DE CABO VERDE PARA A OBTENÇÃO DA SUA INDEPENDÊNCIA POLÍTICA E DA SUA SOBERANIA NACIONAL E INTERNACIONAL - Quarta Parte
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O PERÍODO DA TRANSIÇÃO POLÍTICA DE CABO VERDE PARA A OBTENÇÃO DA SUA INDEPENDÊNCIA POLÍTICA E DA SUA SOBERANIA NACIONAL E INTERNACIONAL - Quarta Parte

Os nacionalistas pan-africanistas e democratas revolucionários caboverdianos sempre argumentaram que, sem a participação caboverdiana na luta político-armada na Guiné dita Portuguesa/na Guiné-Bissau, não teria sido possível (ou teria sido extremamente difícil) fazer vingar junto das autoridades políticas portuguesas o direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e à independência política, negado ou relativizado por aqueles caboverdianos que ainda navegavam nas águas pantanosas quer de “uma autonomia político-administrativa no quadro de uma Nacão portuguesa doravante progressista”, como defendeu, em Junho de 1974, o médico e escritor anti-fascista Henrique Teixeira de Sousa, quer do federalismo neo-adjacentista spinolista, comummente considerados como modelos apressados e oportunistas de reciclagem do serôdio, obsoleto e mal-fadado adjacentismo colonial.

QUARTA PARTE

O 5 DE JULHO DE 1975 OU JULHO, NOSSO OURGULHO, SEGUNDO A MUITO FELIZ EXPRESSÃO DE OURO E ORGULHO INVENTADA PELO  POETA NOVA-LARGADISTA E CANTALUTISTA OSWALDO OSÓRIO

4.1. As eleições de 30 de Junho de 1975 tiveram uma muito elevada participação com  92% de votos sim, isto é,  de votos favoráveis aos candidatos apresentados nas listas dos grupos de trezentos cidadãos eleitores, em conformidade com o preceituado na Lei Eleitoral, de 15 de Abril de 1975 (Decreto-Lei nº 203-A/75), aprovada e posta em vigor pela autoridades soberanas portuguesas competentes. Na verdade, esses  grupos de trezentos cidadãos eleitores foram inteiramente constituidos pelo PAIGC e/ou foram totalmente controlados pelo mesmo partido/movimento de libertação binacional, contrariando assim o disposto no Preâmbulo da mesma Lei Eleitoral, no qual se proclamava literalmente o seguinte: “As soluções encontradas asseguram o livre jogo democrático das possíveis correntes de opinião existentes na comunidade cabo-verdiana, numa base de absoluta igualdade de oportunidades e de tratamento. Simples emanação, afinal, da ideia matriz do nosso processo de descolonização, ou seja a do respeito pela vontade da maioria das populações interessadas”. Por isso, e porque destituídas da competitividade entre programas políticos apresentados por candidatos representativos de diferentes forças políticas, as mesmas eleições afiguraram-se como de natureza eminentemente referendária ou plebiscitária. Na verdade, elas vieram ratificar os acontecimentos de 15, 16 e 17 de Dezembro de 1974 que, como já referido, levaram à neutralização  dos adversários políticos do PAIGC e à sua exclusão/expulsão do campo político-social caboverdiano, consagrando a um tempo i. o regime político de partido único do PAIGC; ii. o carácter socializante desse mesmo regime político; iii. o princípio cabralista  e o projecto paigcista de unidade Guiné-Cabo Verde e de união orgânica pós-colonial entre as Repúblicas da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, iv. o papel preponderante no ramo caboverdiano do PAIGC e nos chamados órgãos políticos do poder do Estado caboverdiano independente e soberano do triunvirato político constituído por Aristides Pereira, Pedro Pires e Abílio Duarte.  

É, assim, que a recém-eleita Assembleia Representativa do Povo Caboverdiano, soberana e constituinte, se transfigura em Assembleia Nacional Popular (ANP); elege  o candidato proposto  pelo PAIGC, Abílio Duarte, como Presidente da Assembleia Nacional Popular; aprova uma LOPE (Lei da Organização Política do Estado), até ser adoptada a primeira Constituição Política da República de Cabo Verde, de cuja elaboração, no prazo de três meses (isto é, até 5 de Outubro de 1975) encarrega uma Comissão de seis deputados presidida pelo Presidente da ANP, Abílio Diarte; elege o candidato proposto pelo PAIGC, Aristides Pereira, como  Presidente da República e como Primeiro-Ministro, Pedro Pires, o candidato proposto pelo Presidente da República eleito pela ANP; procede, a 5 de Julho de 1975,  pela voz do Presidente da Assembleia Nacional Popular, Abílio Duarte, à proclamação solene da independência política e da soberania nacional e internacional do Estado de Cabo Verde como República de Cabo Verde, sendo que respectivo texto tinha sido previamente aprovado pela ANP, na sua reunião constitutiva da tarde de  4 de Julho de 1975, parecendo assim dar-se sequência aos trâmites todos previstos no Estatuto Orgânico do Estado de Cabo Verde, no Acordo de Lisboa celebrado entre o Governo Provisório Português e o PAIGC bem como no Decreto-Lei nº 203-A/75 (Lei Eleitoral, de 15 de  Abril de 1975), acima referenciado.

Anote-se neste concreto contexto que Pedro Pires fora o putativo candidato ao alto cargo de Presidente da República de Cabo Verde, conforme proposta da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC apresentada à Reunião Alargada, de 24 e 25 de Junho de 1975, do CEL (Comité Executivo da Luta) do PAIGC, partindo do pressuposto que o Secretário-Geral do Partido, Aristides Pereira, viria assumir num futuro próximo, e nos termos do ante-projecto de Constituição Política da República Unida da Guiné e Cabo Verde, presumivelmente elaborado por José Araújo e apresentado à mesma Reunião Alargada do CEL, acima referida, a Presidência dessa  eventual República Unida da Guiné e Cabo Verde. Como  relatado no livro Cabo Verde - Os Bastidores da Independência, de José Vicente Lopes, à pretensão de Pedro Pires opôs-se de forma firme e veemente o Secretário-Geral Adjunto do PAIGC e Presidente do Conselho de Estado (equiparado a Presidente da República) da Guiné-Bissau, Luís  Cabral, que teria alegado não querer ver colocado como Presidente da República de Cabo Verde e, por isso, num cargo equivalente ao de Presidente do órgão de Chefia Colectiva  da República da Guiné-Bissau um responsável político, que, sendo indubitavelmente um alto e prestigiado dirigente supra-nacional do PAIGC, não era todavia uma das seis individualidades consideradas fundadoras oficiais do PAIGC. A candidatura de Pedro Pires ao cargo de Presidente da República de Cabo Verde, apresentada, como já referido, pela Comissão Nacional do ramo caboverdiano do PAIGC, foi liminarmente rejeitada nessa mesma Reunião Alargada, de 24 e 25 de Junho de 1975, do Comité Executivo da Luta (CEL) do PAIGC, que, em seu lugar e omitindo de todo esse relevante facto político, emitiu uma Declaração instando os povos irmãos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde a aprofundar a sua unidade e luta, princípio comprovado na praxis da luta como por demais justo, pertinente e eficaz  e de que, aliás, resultara a proclamação da República da Guiné-Bissau e, a breve trecho, faria desabrochar a República de Cabo Verde, e exortando a Direcção Superior do PAIGC a prosseguir no período pós-colonial nos caminhos fecundos da concretização prática do princípio da unidade Guiné-Cabo Verde e, em consequência, da construção da união orgânica/da associação política entre os dois Estados independentes e soberanos, mediante a criação de uma Comissão  junto da futura Assembleia Nacional Popular (ANP) de Cabo Verde que, conjuntamente com a sua congénere da República irmã da Guiné-Bissau, também integraria um Conselho de Unidade adstrito às Assembleias Nacionais Populares da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, se encarregaria da elaboração de uma Constituição de Associação das Repúblicas irmãs  soberanas e independentes da Guiné-Bissau e de Cabo Verde e, assim, conduziria  indirectamente  à convocação da Assembleia Suprema do Povo da Guiné e Cabo Verde, tal como previsto na Mensagem do Ano Novo de 1 de Janeiro 1973/no Testamento Político do proclamado Militante Número Um e Líder Imortal do PAIGC, o  mitificado e sacralizado Camarada Amílcar Cabral, desde “o seu traiçoeiro e bárbaro assassinato” em Conacri, a 20 de Janeiro de 1973, por agentes infiltrados no PAIGC a serviço do colonial-fascismo português”, como profusamente reiterado pelo discurso oficial do PAIGC e pelos ciírculos políticos, intelectuais, jornalísticos e diplomáticos afectos ao mesmo.

4.2. Os nacionalistas pan-africanistas e democratas revolucionários caboverdianos sempre argumentaram que, sem a participação caboverdiana na luta político-armada na Guiné dita Portuguesa/na Guiné-Bissau, não teria sido possível (ou teria sido extremamente difícil) fazer vingar junto das autoridades políticas portuguesas o direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e à independência política, negado ou relativizado por aqueles caboverdianos que ainda navegavam nas águas pantanosas quer de “uma autonomia político-administrativa  no quadro de uma Nacão portuguesa doravante progressista”, como defendeu, em Junho de 1974, o médico e escritor anti-fascista Henrique Teixeira de Sousa, quer do federalismo neo-adjacentista spinolista, comummente considerados como modelos apressados e oportunistas de reciclagem do serôdio, obsoleto e mal-fadado adjacentismo colonial. Anote-se neste contexto que, contrariamente ao que temos defendido até agora em outros textos da nossa autoria sobre a mesma problemática, o jurista Mário Silva veio esclarecer, no seu muito informado, documentado e exaustivo livro intitulado “Contributo para a  História Político-Constitucional de Cabo Verde-1974-1992”, que houve uma pequena evolução no pensamento político do escritor e médico foguense Henrique Teixeira de Sousa em relação ao que o mesmo letrado neo-claridoso defendera em Junho de 1974 no seu opúsculo “Cabo Verde e o seu Destino Político”. Com efeito, esclarece o livro de Mário Silva acabado de referir que, em artigo publicado no mês de Outubro de 1974, no “Novo Jornal de Cabo Verde”, o conhecido médico e intelectual  foguense  teria constatado que a “solução ideal” por ele almejada, isto é, uma independência política de Cabo Verde sob protecção da ONU, organização mundial que garantiria a equidistância e a neutralidade políticas do arquipélago atlântico face aos alegados apetites geopolíticos e geo-estratégicos dos dois grandes blocos militares mundiais, designadamente a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e o Pacto de Varsóvia, liderados respectivamente pelos Estados Unidos da América e pela União Soviética,  e que, segundo  afirmado por  ele anteriormente e reiterado de novo, não teria pernas para andar em face da indisponibilidade e da irrelevância políticas alegadamente  demonstradas pela mesma ONU, pelo que a “solução de recurso” já não seria a opção de Cabo Verde em ser uma região autónoma de Portugal, mas a sua opção por uma independência política com assistência e ajuda de  Portugal, a antiga potência colonial, mas excluindo qualquer modalidade de associação politica com a República da Guiné-Bissau. Essa última “solução de recurso”, que passou a ser da clara preferênca de Henrique Teixeira de Sousa, deveria todavia ser precedida de um referendo ao povo de Cabo Verde, não sobre o seu direito à autodeterminação,  doravante considerado de todo em todo inquestionável na sua modalidade de independência política e habitualmente sufragada pela ONU, mas sobre a unidade com a Guiné-Bissau e, assim, sobre “a unidade dos caboverdianos com fulas, manjacos, papéis, mandingas, etc.” e/ou, em alternativa, sobre uma independência política ligada a Portugal e, assim, sobre “a ligação dos caboverdianos aos portugueses, mas agora sem qualquer canga colonial”. Deste modo, o médico e escritor neo-claridoso e neo-realista caboverdiano parece ter evoluído de posições políticas próximas daquelas professadas pela UDC (de que, aliás, a Associação Democrática do Barlavento, fundada por ele conjuntamente com Baltasar Lopes da Silva e outros intelectuais caboverdianos radicados na cidade do Mindelo,  foi uma das principais  antecessoras), para posições políticas mais próximas daquelas defendidas pela UPICV e pelo seu líder José André Leitão da Graça. Fica pois feita, aqui e agora, a devida correcção sobre a relativamente importante evolução do pensamento  de Henrique Teixeira de Sousa sobre o futuro político de Cabo Verde.

4.3. Como referido anteriormente, a libertação do presídio político do Chão Bom, no concelho  do Tarrrafal de Santiago de Cabo Verde,  dos derradeiros presos políticos do chamado processo de descolonização do aquipélago caboverdiano representou um relevante gesto político e simbólico, pois que, embora efectuada sob a visível marca de um regime político de partido único socializante, o país prestes a  ser proclamado como República independente e soberana de Cabo Verde viria a dar os seus e decisivos passos sem a incómoda e embaraçante mancha da presença de presos  políticos. Esse mesmo estado de coisas seria entretanto estigmatizado por duas muito lamentáveis ocorrências : i. O impedimento da participação de Jorge Querido, o antigo dirigente máximo do PAIGC clandestino em Cabo Verde, numa recepção, realizada  no antigo Palácio do Governador colonial, localizado no Platô da Cidade da Praia, para assinalar a festa da independência política iminente do Estado de Cabo Verde como República independente e soberana. ii. A ordem de expulsão imediata do país, emitida pelo Governo de Transição de Cabo Verde,  de Sílvio Ferreira Querido, que tinha recentemente regressado  ao seu concelho,  à sua ilha e ao seu país natais para assistir à festa da independência política de Cabo Verde e celebrá-la conjuntamente com os seus pais, os seus filhos, os seus irmãos e os seus demais familiares.  Relembre-se neste contexto que Sílvio Ferreira Querido era o rmão mais velho de Jorge Querido, Tchutcha (Maria das Mercês) Querido Leitão da Graça, Zéqui Ferreira Querido e de outros indefectíveis nacionalistas caboverdianos e pai do jovem nacionalista Caló Querido (Caló de Nha-Dona Jova), que, já militante na clandestinidade do PAIGC, tinha integrado o grupo de mancebos que, no Quartel do Morro Branco, na ilha de São Vicente, se tinha recusado  a jurar a bandeira portuguesa e se tinha tornado, com Gustavo Galina Monteiro e outros, um grande mobilizador político da juventude de Santa Catarina para a causa pan-africanista e paigcista da independência nacional, tendo sido outrossim o  autor de músicas revolucionárias icónicas, como, por exemplo, “Tchom di Morgado”.  Relembre-se ainda que Sílvio Ferreira Querido tinha sido mobilizado em França, onde era emigrante, para integrar  o grupo de caboverdianos que, depois de devidamente treinados na Argélia e em Cuba, devia protagonizar o desembarque militar guerrilheiro no arquipélago meso-atlântico e africano para iniciar a luta político-armada para a independência política do país saheliano e afro-atlântico. Em face da captura e da liquidação física  do Guerrilheiro Heróico argentino-cubano Ernesto Che Guevara e do rotundo fracasso da sua guerra de guerrilha baseada na teoria do foco e conduzida durante meses nas florestas da Bolívia, a que acresceram a deserção para o Senegal e, depois, para Cabo Verde, do integrante do contingente guerrilheiro paigcista, acima referido, Albino Ferreira Baptista, mais conhecido por Bibino, e a denùncia por parte deste às autoridades colonial-fascistas e à Delegação em Cabo Verde da sua polícia política, a PIDE-DGS, dos planos do PAIGC de início iminente da luta político-armada nas ilhas caboverdianas,  a par da tempestiva e pertinente reponderação por parte do estratega político-militar Amílcar Cabral e do seu aliado revolucionário cubano das condições logísticas claramente adversas realmente (in)existentes e disponíveis em Cabo Verde para um desembarque militar guerrilheiro com um mínimo de possibilidades de sucesso e a condução não suicidária de uma luta político-armada em Cabo Verde, presumivel e necessariamente  de longa duração, decidiu o lider político-militar do PAIGC pela integração prioritária dos guerrilheiros caboverdianos treinados na Argélia, em Cuba e, posteriormente, na União Soviética, nas várias frentes político-militares da luta no chão da Guiné dita Portuguesa/da futura Guiné-Bissau, onde, também graças à contribuição e à participação activas dos artilheiros e de outros combatentes caboverdianos, a luta político-armada viria  a conhecer um desenvolvimento fulgurante e auspicioso, que levaria sucessivamente à proclamação unilateral da República da Guiné-Bissau, à eclosão do 25 de Abril de 1974 na Metrópole colonial e à sequente independência política de todos os países africanos anteriormente integrados no Império Colonial/Ultramarino  Português. Alegando que tinha sido política e militarmente preparado e treinado  para participar no desencadeamento e no deselvolvimento da luta político-armada em Cabo Verde, Sílvio Ferreira Querido, o mais velho dos membros do contingenteb guerrilheiro caboverdiano do PAIGC treinado em Cuba, ter-se-ia recusado a integrar qualquer das três frentes da luta político-armada na Guiné dita Portuguesa, optando, assim e nessa sequência, por abandonar o PAIGC, todavia não se lhe conhecendo em tempos posteriores  quaisquer  actividades políticas ou outras hostiis ao seu antigo partido-movimento de libertação binacional.  

4.3. Apesar da persistência da seca severa, iniciada em 1968 em toda a zona do Sahel, vindo a assumir depois, pelo menos na sua parte insular caboverdiana, laivos de uma verdadeira catástrofe ecológica, a independência política de Cabo Verde ocorreria, em condições assaz favoráveis, na medida em que foi possível chegar-se a dois objectivos cruciais:

a) A obtenção de uma ampla adesão popular para a causa da independência política, sobretudo entre as camadas jovens e urbanizadas, o funcionalismo público, a intelectualidade, o operariado, os empregados comerciais, os proprietários de pequenas oficinas urbanas e suburbanas, os camponeses pobres e sem terra, os pequenos proprietários agrícolas (chamada pequena- burguesia camponesa), uma parte dos grandes e médios proprietários fundiários, uma parte dos cleros católico e protestante caboverdianos e uma parte  dos  comerciantes e dos empresários (chamada pequena-burguesia comercial e industrial). Para esse efeito, foram decisivas tanto a catarse cultural no sentido da “reafricanização dos espíritos” propugnada por Amílcar Cabral, isto é, da libertação da plenitude da identidade caboverdiana e da recuperação da dimensão afro-crioula, da co-matriz afro-negra e da margem continental africana da mesma identidade como também a euforia e a confiança no futuro da nossa terra despoletadas com as lutas políticas no pós-25 de Abril de 1974.

Tais estados anímicos foram potenciados, em grande medida, pela participação caboverdiana, não só na guerra de libertação (bi)nacional levada a cabo com inegável sucesso no território da Guiné dita Portuguesa/da Guiné-Bissau, como também na saga heroica da luta anti-colonial realizada nas difíceis condições da clandestinidade política nas ilhas e tornada visível na libertação dos presos políticos do campo de concentração de Chão Bom do Tarrafal de Santiago, logo no Primeiro de Maio de 1974, no regresso dos presos políticos do Campo de S. Nicolau, localizado na Foz do Cunene, no  deserto de Moçâmedes (actual Namibe), no regresso triunfal e apoteótico daqueles militantes, combatentes, responsáveis e dirigentes caboverdianos directamente engajados na luta político-armada na Guiné dita Portuguesa/na Guiné-Bissau e/ou comprometidos na luta político-diplomática do PAIGC irradiada pelo mundo fora a partir da República da Guiné (Guiné-Conacri), tendo sido de transcendente importância a mitificação de Amílcar Cabral, quer como um profeta e sábio, tal um Moisés negro, que não pôde pisar a Terra Prometida, quer ainda como um Messias negro e combatente, ademais  martirizado e sacrificado com a doacção da própria vida, tal um Jesus Cristo afro-crioulo.

Esses acontecimentos demonstraram-se como sumamente necessários para uma catarse psicológico-cultural de amplas repercussões identitárias e político-ideológicas e, assim, para a total ruptura com o assimilacionismo colonial e a tutela assistencial portuguesa, considerada até aí, tanto em franjas extensas das camadas mais humildes e vulneráveis das populações, como também por importantes sectores das elites letradas, burocrático-administrativas, comerciais e fundiárias do povo das ilhas, como indispensável, senão insubstituível, para a viabilização da emigração caboverdiana para Portugal, para a manutenção dos planos de fomento e dos trabalhos públicos de fornecimento de trabalho assalariado e de míseros salários às populações (vulgarmente conhecidos como trabalhos de estrada e/ou trabalhos de apoio), para o fornecimento, num quadro suficientemente estável, de uma gama diversificada de géneros, mercadorias e outros  produtos comerciais e, assim, para a garantia da simples sobrevivência física das camadas sociais mais humildes e vulneráveis do povo caboverdiano e para a manutenção do nível de vida a que se habituaram as camadas sociais mais remediadas e  abastadas das nossas ilhas.  

b) A captação de recursos, de diversos quadrantes político-ideológicos, necessários, senão indispensáveis, para a viabilização do jovem Estado nacional independente e soberano, para a sobrevivência física e espiritual do seu povo, acossado e apavorado, ou pelo menos, receoso, pela ameaça sempre latente das fomes, e para a criação e potenciação de força anímica com vista à prossecução do futuro e muito (in)certo desenvolvimento sustentado do país.

Nota do autor: Constitui o presente texto excertos de um capítulo do livro AMÍLCAR CABRAL-O MAIOR IMORTAL DOS POVOS DE CABO VERDE E DA GUINÉ-BISSAU, DO PONTO DE VISTA SIMBÓLICO E POLÍTICO-HISTÓRICO, a ser publicado brevemente

                                                                                           

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