• Praia
  • 29℃ Praia, Cabo Verde
O NEO-COLONIALISMO COMO A MAIOR AMEAÇA CONTRA A INDEPENDÊNCIA AFRICANA
Colunista

O NEO-COLONIALISMO COMO A MAIOR AMEAÇA CONTRA A INDEPENDÊNCIA AFRICANA

"Deste modo, foram proteladas as independências políticas das colónias portuguesas até ao ano de 1973, de proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau, e que redundaria na eclosão vitoriosa da Revolução dos Cravos do 25 de Abril de 1974 que, por sua vez, provocaria uma inédita aceleração da História conducente às negociações entre a potência colonial portuguesa e os movimentos de libertação nacional africanos. Essas mesmas negociações resultariam no ano de 1975 nas proclamações das independências políticas e das soberanias nacionais e internacionais de Moçambique, a 25 de Junho, de Cabo Verde, a 5 de Julho, de São Tomé e Príncipe, a 12 de Julho, e de Angola, a 11 de Novembro em meio da invasão estrangeira e da guerra civil. O caso timorense assumiu feições muito particulares de uma grande tragédia humana e histórica, pois que a proclamação da independência política dessa antiga colónia/província ultramarina portuguesa da Oceânia foi desfeita pelas sanguinárias e genocidárias invasão e ocupação indonésias"

3.1. Segundo Amílcar Cabral, a mais perigosa ameaça com que a África independente do seu tempo se via confrontada era o neo-colonialismo. Com a estratégia neo-colonial, as antigas potências coloniais localizadas no centro imperialista do mundo lograram substituir a dominação política directa consubstanciada no colonialismo clássico pela dominação económica  de vários países africanos doravante nominalmente independentes. Com a mesma estratégia,  visava-se engendrar a perpetuação da  dominação imperialista dos países africanos (como, aliás, tinha anteriormente ocorrido com  vários países do chamado Terceiro Mundo localizados em África, na América Latina e na Ásia, bem assim com alguns países da Europa Central, Oriental e do Sul, incluindo Portugal)  e, deste modo,  propiciar o bloqueio da liberdade de desenvolvimento das forças produtivas humanas e materiais  dos países africanos e, correlativa e necessariamente, entravar a libertação dos processos históricos  e das culturas dos respectivos povos.  

Distinguindo entre as formas colonial e neo-colonial da dominação imperialista, advogava Amílcar Cabral que era mais difícil e complexa a luta contra o neo-colonialismo em razão da ostentação pelas elites dirigentes dos países neo-coloniais, somente nominalmente independentes, de sinais exteriores de independência política, como um Governo e outras instituições políticas autóctones próprias, uma bandeira, um hino e outros símbolos de soberania nacional e internacional, a par de outros indícios de sinal contrário e indiciadores de inequívoca dominação ou tutela neo-colonial, tais a existência de bases militares estrangeiras no território nacional; a continuação da presença física de representantes da antiga Metrópole colonial, tais como conselheiros militares e, até, ministros,   cooperantes e outros expatriados, todos detentores de um estatuto social privilegiado; a exclusividade da utilização da antiga língua colonial nos espaços formais de comunicação e a dominação ostensiva do panorama educativo e de  importantes redutos culturais por essa mesma língua, tornada a única oficial; a detenção das alavancas fundamentais da economia por indivíduos, empresas ou companhias multinacionais originários das antigas metrópoles coloniais e de países a elas associados, etc., etc.. 

Tal como no caso colonial, mas de forma mais restritiva, em razão de maiores, mais acentuadas, mais visíveis e mais complexas clivagens sociais  e uma melhor definição dos interesses das diferentes categorias e classes sociais em presença, o caso neo-colonial exigia  também, segundo Amílcar Cabral,  a constituição de vastas e amplas frentes de luta contra a dominação imperialista, as quais deviam necessariamente incluir  o operariado, o campesinato, as diferentes fracções da pequena-burguesia possidente, intelectual e burocrático-administrativa e a burguesia nacional autóctone, todas unidas em face das classes burocráticas e compradoras neo-coloniais enfeudadas aos interesses alienígenas do grande capital estrangeiro e multinacional ou transnacional. Segundo defendido por Amílcar Cabral, para o caso neo-colonial a união de amplas forças sociais interessadas na contenção e/ou na eliminação da dominação imperialista não teria de se processar necessária ou predominantemente no quando da união política orgânica de um único movimento de libertação nacional e social, mas preferencialmente no âmbito de uma frente unida de partidos políticos patrióticos e dotados da necessária autonomia política, ideológica, programática e organizativa, isto é, num quadro multipartidário, gizado na clandestinidade ou consagrado juridico-legalmente. 

3.2.  Incapaz de praticar o neo-colonialismo em razão dos seus conhecidos atraso económico e cultural e subdesenvolvimento crónicos, a que se aditavam os fortes interesses das comunidades de colonos portugueses e dos seus descendentes radicados ou representados especialmente em Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe, as autoridades coloniais portuguesas  agarraram-se com unhas e dentes à posse colonial dos países africanos, e não só, sujeitos ao seu jugo, recusando todas as propostas dos movimentos africanos nacionalistas e de algumas potências imperialistas ocidentais, com destaque para os Estados Unidos da América, para encetar  uma transição pacífica e regrada para as independências políticas das suas colónias/províncias ultramatinas.

Em lugar disso, as autoridades colonial-fascistas  portuguesas preferiram optar por reformas de fachada, como a substituição apressada dos por demais  obsoletos termos Império Colonial Português e  Colónias Portuguesas pelas denominações Ultramar Português e Províncias Ultramarinas Portuguesas, pela extinção do regime do indigenato nas colónias onde até então existira,  pela proibição formal de trabalhos forçados e pela absorção da teoria do luso-tropicalismo para sustentar, legitimar, escamotear e ocultar a sua dominação colonial, bem como pela condução de guerras  de manutenção do status quo colonial contra os crescentes actos insurrecionais e de rebelião das populações nativas e dos seus movimentos de libertação nacionais, como comprovados nos massacres de Batepá, em S. Tomé e Príncipe, de Pidjiguiti, na Guiné dita Portuguesa, de Mueda, em Moçambique, e da Baixa do Cassange, em Angola.

Deste modo, foram proteladas as independências políticas das colónias portuguesas até ao ano de 1973, de proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau, e que redundaria na eclosão vitoriosa da Revolução dos Cravos do 25 de Abril de 1974 que, por sua vez, provocaria uma inédita aceleração da História conducente às negociações entre a potência colonial portuguesa e os movimentos de libertação nacional africanos. Essas mesmas negociações resultariam no ano de 1975 nas proclamações das independências políticas e das soberanias nacionais e internacionais de Moçambique, a 25 de Junho, de Cabo Verde, a 5 de Julho, de São Tomé e Príncipe, a 12 de Julho, e de Angola, a 11 de Novembro em meio da invasão estrangeira e da guerra civil. O caso timorense assumiu feições muito particulares de uma grande tragédia humana e histórica, pois que a proclamação da independência política dessa antiga colónia/província ultramarina portuguesa  da Oceânia foi desfeita pelas sanguinárias e genocidárias invasão e ocupação indonésias, vindo a mesma independência política  a ser restaurada somente depois da condução de uma longa guerra de resistência que culminarou na realização de um referendo de auto-determinação política organizado e conduzido pela ONU e vencido pelos independentistas, mas mal aceite pelos perdedores e pelos seus patronos indonésios.  

3.3. A fase final da libertação da África da dominação colonial e do regime do apartheid na África Austral coincidiu com a eclosão  nos fins dos anos oitenta  e nos inícios dos anos noventa do século XX das mudanças políticas democráticas a nível global do mundo e o fim pacífico da Guerra Fria. 

Em resultado disso, houve lugar a um reposicionamento geo-político e geo-estratégico das grandes potências ocidentais vencedoras da Guerra Fria, em especial da única hiperpotência emergente e ganhadora dessa pugna mundial que são os Estados Unidos da América, e das novas potências económicas e políticas emergentes como novos actores no cenário geopolítico e geo-estratégico internacional, depois congregadas no seio dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, actualmente alargada à Indonésia  e a outros grandes países do chamado Sul Global).

Marginalizada e condenada a ocupar um lugar subalterno e quase-invisível no processo de globalização que vinha tendo lugar de forma acelerada a partir dos anos oitenta do século XX, a África procurou adaptar-se à nova conjuntura política, económica e geo-estratégica emergente da falência dos regimes políticos de partido único e do fim da Guerra Fria entre dois modelos societários, político-ideológicos e socio-económicos antagónicos e então obrigados a viver em co-existência pacífica face ao perigo do mútuo extermínio por um holocausto nuclear.  

A irrupção da China como grande potência económica em busca desesperada de matérias primas e de novas fontes de energia, de que a África é consabidamente pródiga, propiciou a aproximação entre as duas entidades geopolíticas mundiais, contribuindo assim para retirar o nosso continente da marginalidade e do isolamento duradouros.

Ao mesmo tempo, os Estados africanos empreenderam em conjunto reformas fundamentais a nível continental e (sub)regional para dotar os seus organismos de cooperação e integração política e económica dos instrumentos jurídicos e políticos necessários e adequados à nova conjuntura e à emergente ordem políticas internacionais.

É, assim, que, cumprida a sua missão de contribuir para libertar totalmente o continente africano do jugo colonial e dos regimes racistas e segregacionistas do apartheid, a OUA (Organização da Unidade Africana) transformou-se em União Africana (UA), a qual foi dotada de uma nova Carta Constitutiva onde primam os objectivos da gradual integração económica e política do continente, e de que o objectivo do Mercado Único Africano é a  ilustração mais recente, ao mesmo tempo que se declarou as absolutas ilicitude e inadmissibilidade do acesso ao poder político nos diferentes Estados- Membros que não seja por via democrática, isto é, mediante a realização de eleições periódicas, livres, competitivas, transparentes e justas por sufrágio universal, igual, directo e secreto.  Deste modo, o Estado de Direito Democrático tornou-se imperativo e ideal político a realizar no presente político dos povos por todos os Estados africanos, tendo sido por isso consignado em vários tratados, convenções, acordos e protocolos adicionais celebrados não só no quadro da União Africana, mas também das diferentes organizações regionais africanas de cooperação e de integração políticas e económicas, incluindo da CEDEAO. 

Deste modo, foram liminarmente condenados os golpes de Estado considerados como modos anti-democráticos e  sempre ilegítimos de acesso ao poder político, sendo os poderes de facto instalados por essa via obrigados a submeter-se a apertados calendários de realização de eleições livres, democráticas, competitivas e transparentes para o exercício da soberania popular e a devolução do poder aos representantes do povo legitimamente eleitos.

Ao mesmo tempo, foram legitimadas as intervenções humanitárias decretadas pelos órgãos competentes da UA, com destaque para o seu Conselho de Paz e Segurança, para proteger os direitos humanos dos cidadãos ameaçados pelas guerras civis e por outros conflitos armados susceptíveis de levar à comissão de crimes de guerra, crimes de genocídio e outros crimes contra a humanidade, como ocorrido e ilustrado nas mortíferas guerras civis da Libéria e da Serra Leoa e no muito mediatizado e condenado genocídio de Tutsis e de Hutus moderados no Ruanda.

Por outro lado, foram reforçados alguns mecanismos de protecção dos direitos humanos já existentes anteriormente, ao tempo da existência da OUA, como, por exemplo, a Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos que foi transformada em Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos.

A nível das organizações regionais africanas, como a CEDEAO, foram criadas jurisdições competentes para proteger  os direitos humanos dos indivíduos e das minorias nos diferentes Estados-Membros.  

Assim, tem-se verificado indubitavelmente a universalização do paradigma democrático-liberal  e, em larga medida, do Estado de Direito Democrático e Social  na configuração do novo rosto político e jurídico-constitucional da África no seu conjunto e dos países africanos em particular.

   Não obstante os grandes avanços conseguidos, deparamo-nos com alguns exemplos, nada animadores para um desenvolvimento democrático e económica, social, cultural e ambientalmente sustentável da África. 

Com efeito, alguns países africanos furtam-se ainda a deixar-se contagiar pelo vírus democrático, tal como a Eritreia, atanazada por uma feroz ditadura emergente da sua justa luta de  libertação nacional; alguns países africanos degradaram-se ao estatuto de Estados falhados, como a Somália pós-Siad Barre e a Líbia pós-Kadhafi; outros países africanos  foram sujeitos a golpes constitucionais e institucionais, como a Guiné-Bissau, tendo estado e continuando o mesmo país  a manter-se sempre na iminência de queda no abismo dos Estados falhados e, pior, dos narco-Estados; outros países africanos enredaram-se  em guerras civis depois de recentemente terem ascendido à independência política, como o Sudão do Sul, ou envolveram-se em guerras de secessão, como no caso dos Camarões que se vêm defrontando com tentativas de separatismo da sua parte anglófona, agregada à parte maioritária francófona do Estado unitário camaronês; finalmente, alguns países africanos, foram ainda sujeitos a golpes de Estado militares contra as suas instituições na aparência democraticamente eleitas, como nos casos do Mali, do Burkina Faso, do Níger, da Guiné-Conacri e, mais recentemente,  do Gabão, onde o golpe de Estado militar teve o seu pretexto imediato na maciça fraude eleitoral então em curso, para além dos casos do Sudão e da Argélia.

Nos casos dos países oeste-africanos acima referidos, os golpes de Estado militares neles perpetrados foram imediatamente condenados, como era, aliás, de se esperar, pelas organizações internacionais, incluindo pelas organizações de integração continental e regional africanas. Simultaneamente, os mesmos golpes de Estado militares foram muito aplaudidos e festejados pelas respectivas populações, notoriamente cansadas de promessas eleitorais nunca cumpridas, de notórios indícios de fraude eleitoral, de artificiosas revisões constitucionais para alterar o número de mandatos presidenciais com o confesso fito de perpetuar os Presidentes da República em exercício no poder ou para prolongar a sua vida política nas respectivas chefias de Estado e/ou de Governo, da ostensiva cleptocracia das classes dirigentes nativas, da contínua degradação das condições de vida das populações e da sujeição dos respectivos países a interesses económicos e geo-estratégicos estrangeiros. É o que se vem verificando no caso paradigmático e agora abertamente contestado e aparentemente falido da Françafrique, recentemente sujeito a mais um golpe demolidor com a surpreendente eleição do novo Presidente da República do Senegal, depois de alguma maquinações e tergiversações do Presidente da República cessante Macky Sall.  Ademais, e em face das sanções decretadas pela CEDEAO e da sua ameaça de intervenção militar para alegadamente repor a ordem constitucional no Níger, os regimes militares transitórios saídos dos golpes de Estado acima referidos em alguns países da África Ocidental, designadamente no Mali, na Guiné-Conacri e no Níger, resolveram excluir-se da CEDEAO e constituir entre si uma nova Confederação de Estados.

Deste modo, tornou-se de novo actual o ensinamento de Amílcar Cabral segundo o qual o neo-colonialismo  constitui a maior ameaça para o desenvolvimento pós-colonial, autónomo e auto-sustentado dos países africanos. Em face da inelutável falência dos modelos socialistas de matriz burocrático-administrativa e de cariz totalitário e/ou autoritário e comummente e  por vezes impropriamente denominados de socialismo real de matriz soviética, parece-nos ser a edificação de um Estado de Direito Democrático e Social a alternativa actual mais viável e factível ao Estado neo-colonial e o seu cortejo de fraudes eleitorais, compras de votos e consciências e outras formas de desvirtuamento da vontade popular e de falseamento da soberania popular, a par da perpetuação do atraso económico e do subdesenvolvimento crónicos e das suas inevitáveis mazelas configuradas no medo, na miséria, no obscurantismo e na ignorância como, aliás, sempre apontou Amílcar Cabral na sua ingente e permanente pugna pela dignificação das criaturas humanas do nosso país, da Guiné-Bissau, do nosso continente e de todo o mundo, e pelo seu inviolável, inalienável e imprescrindível direito à busca da prosperidade  e da felicidade e a uma vida em liberdade e em paz usufruindo de bem-estar material e espiritual e de progresso social com acesso deles e dos seus filhos a todas as conquistas civilizacionais nos domínios científico e técnico que a Humanidade produziu ao longo da sua rica e, por vezes, dolorosa História.       

Para enfim, e no caso dos caboverdianos, construir “uma outra terra dentro da nossa terra”, como desejou Amílcar Cabral com palavras do poeta Aguinaldo Fonseca, certamente sonhando com a vivificação da vida e dos sonhos, isto é,  com a utopia de uma vida cada vez melhor nos termos expressos no “Poema de Amanhã”, do vate António Nunes, e firmemente ancorada numa sociedade mais livre, justa, solidária e fraterna, tal como plasmada no Programa Maior do seu PAIGC, na Constituição Política da República de Cabo Verde, de 1980/de 1981,  e na Constituição Política da República de Cabo Verde, de 1992, que ele, o destemido, visionário e criativo combatente pelos direitos humanos e  pelas liberdades fundamentais universalmente consagrados como inerentes e intrínsecos à igual e inata dignidade social de todos os seres humanos, certamente subscreveria no essencial da sua substância consagradora de um Estado de Direito Democrático e Social, ancorado na dignidade da pessoa humana e ecologicamente sustentável.

*Nota do Autor: Excertos do livro pronto para publicação e intitulado AMÍLCAR CABRAL-O MAIOR MORTO IMORTAL DOS POVOS DE CABO VERDE E DA GUINÉ-BISSAU, DO PONTO DE VISTA HISTÓRICO-POLÍTICO      

Nota do editor: Esta é a terceira e última parte do ensaio de José Luis Hopffer Almada publicado em exclusividade por Santiago magazine.

Partilhe esta notícia

Comentários

  • Este artigo ainda não tem comentário. Seja o primeiro a comentar!

Comentar

Caracteres restantes: 500

O privilégio de realizar comentários neste espaço está limitado a leitores registados e a assinantes do Santiago Magazine.
Santiago Magazine reserva-se ao direito de apagar os comentários que não cumpram as regras de moderação.