Este pequeno monólogo tem o seu fundamento na realidade quotidiana deste país. A comemoração de 30 anos de Constituição e 47 de Independência, pode ser uma oportunidade para se refletir se é este o Cabo Verde que queremos construir, mesmo que seja apenas um exercício de descarga de consciência, ciente de que o desenvolvimento destas ilhas já não suporta mais adiamentos. Efetivamente, sima nu sta nu ka podi fika!
A Constituição da República completa agora 30 anos. Caminhando a passos largos para a idade adulta, a Lei Magna da República tem dado francos sinais de cansaço e de fragilidade no cumprimento da sua missão de bússola e pedra angular no processo de construção de um país livre, democrático, desenvolvido e com oportunidades para todos os cabo-verdianos.
Três décadas de democracia constitucional, quase cinco décadas de independência, ainda 180 mil cabo-verdianos vivem na pobreza, o déficit habitacional é o maior cartão de visita das nossas cidades, vilas e localidades – mais de onze mil agregados familiares precisam de uma casa neste momento –, o desemprego jovem é uma vergonha – 32.5% dos jovens encontram-se no desemprego –, as oportunidades para a camada juvenil são praticamente inexistentes, e o crime urbano atinge números proibitivos, no contexto de um país com mais de 60 por cento de população jovem.
O mundo rural anda no fio da navalha. O atual poder está à deriva quanto às políticas públicas para o setor primário da economia, cuja base é a agricultura e a pecuária. O agronegócio foi varrido do mapa das prioridades estratégicas para o desenvolvimento do arquipélago, já nem nos discursos de animação se fazem menção a este que alguns anos atrás havia ganhado o estatuto de HUB, ao lado do Mar (economia azul) e do Aéreo.
Um país que insiste em não perceber quais são suas principais oportunidades não pode de forma alguma encontrar o seu caminho neste vasto mundo globalizado, porém, mercantilizado, competitivo, segregado, feroz.
Cabo Verde tem feito um percurso a várias velocidades, onde, nos últimos anos, nem a opção marcha-ré tem conseguido escapar-se.
A Reforma do Estado nunca sai do papel. A Regionalização é hoje uma palavra oca, sem qualquer significado junto da sociedade, das pessoas. As assimetrias regionais e locais são autênticos atentados aos direitos fundamentais dos cabo-verdianos. As ilhas e os concelhos considerados periféricos continuam sitiados nos respetivos territórios e as limitações económicas, administrativas e políticas que lhes tem sido impostas pelo Estado alavancam pobrezas, aniquilam sonhos e visões, e o caminho do êxodo, da emigração, aparece como último suspiro para uma parte significativa de cabo-verdianos face à descrença absoluta de que as coisas podem mudar neste país que andamos a vender lá fora, mas que ninguém quer comprar.
A modernização administrativa acabou abortiva na primeira tentativa de conceção, asfixiada pela burocracia, pelo laxismo, pelo compadrio. Os investimentos privados são obrigados a obter a bênção do partido no poder, sob pena de decapitação neonatal. O acesso aos cargos de responsabilidade no aparelho do Estado, nas empresas públicas, nas entidades administrativas independentes, nas instâncias de regulação, assume como critério de primeira ordem as relações familiares e a filiação partidária.
O mérito, a capacidade, o esforço e a experiência não têm qualquer significado na administração do Estado de Cabo Verde. Aqui, neste país minúsculo, com menos de meio milhão de pessoas, o Estado é obrigado a “alimentar” os altos dirigentes do partido no poder, os seus familiares, os amigos e conhecidos, os empresários amigos, bem como os conhecidos e próximos destes.
Neste momento, o país anda a suportar os encargos do maior governo da sua história – 28 membros – em plena crise pandémica e um conflito geopolítico, cujo impacto na economia mundial ainda é uma incógnita. Porém, nada que incomoda os atuais gestores do Estado de Cabo Verde, que nos últimos meses já criaram dezenas de serviços, institutos, entidades reguladoras, com o único objetivo de sugar o máximo recurso possível do Estado para “empoderar” os amigos do poder, com clara vantagem para irmãos, irmãs, sobrinhos, sobrinhas, esposas, esposos, cunhadas, cunhados, violando as leis, as oportunidades e os princípios de sã convivência num país conhecido como de brandos costumes.
Este pequeno monólogo tem o seu fundamento na realidade quotidiana deste país. A comemoração de 30 anos de Constituição e 47 de Independência, pode ser uma oportunidade para se refletir se é este o Cabo Verde que queremos construir, mesmo que seja apenas um exercício de descarga de consciência, ciente de que o desenvolvimento destas ilhas já não suporta mais adiamentos. Efetivamente, sima nu sta nu ka podi fika!
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