A democracia é afogada diariamente no lamaçal da hipocrisia e da violação dos mais elementares direitos da pessoa humana. O Estado não está minimamente preocupado em assegurar o básico às populações, com os mais jovens se digladiando por um visto para Europa, num triste e desafortunado regresso ao tempo das emigrações forçadas para as roças de São Tomé e Principe. É o regresso à escravatura! É Cabo Verde nas ruas da amargura!
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Por aqui nada vai bem. E a amargura já está tomando conta da nação. Choveu. Com dificuldades, sim, mas caiu um pouco por todas as ilhas a tão abençoada chuva. Os campos estão verdes. As culturas vão crescendo a um ritmo acelerado. Há uma esperança a renascer nas montanhas e vales das ilhas. Porém, as pragas não dão tréguas, podendo abortar todo o investimento, o tempo, a esperança e a paciência de um povo que aprendeu com as cabras a comer pedras para não perecer. É a triste sina de uma nação que se afirma “os flagelados do vento leste”. Um povo que na falta de água para cultivar o milho e o feijão, salta no mar e cultiva o peixe, domando as ondas na saga de conhecer novas terras, novas soluções.
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Ilhéu, cercado pelo oceano, o cabo-verdiano sempre procurou o mar, para desbravar o horizonte e descobrir o outro lado do mundo, num ato de evasão das ilhas e de si mesmo. Destemido, valente, aventureiro, certamente a história jamais imaginaria que um dia, em pleno século XXI, o cabo-verdiano ficaria preso nestas rochas, e montes, e ribeiras, por falta de meios de transporte para visitar a ilha vizinha, ou para viajar por esta aldeia global que outrora fora terra longe, de gente gentio, que comia gente.
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Cabo Verde é cada dia que passa um país mais desigual. As famílias, que muitas vezes não conseguem pelo menos uma refeição quente por dia, aumentam à vista desarmada. Os dados da pobreza, da indecência e da degradação humana são, oficial e institucionalmente, deturpados, contando com o alto patrocínio dos órgãos do poder do Estado, estes que teimam em vender aos parceiros internacionais um país que apenas é realidade nos relatórios ministeriais. Um país onde o crescimento da economia está umbilicalmente atrelado ao crescimento do crime, da insegurança urbana, da violência infantil, da prostituição, do abandono escolar, da marginalização social e da corrupção política. Ou seja, o crescimento de que falam as estatísticas, só é percebido quando se observa o grau da degradação social e económica das famílias cabo-verdianas. Decididamente, este país não é sério!
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Cabo Verde navega hoje entre o escárnio e o riso. Aqui o maior investimento público vai para a produção da mentira e da encenação, tendo como palco principal a Assembleia Nacional, o órgão do poder que ocupa a centralidade na organização do Estado, sendo a Casa das Leis e entidade fiscalizadora da gestão económica, social, política e cultural do país. A máquina pública come uma fatia bem expressiva do bolo orçamental, num banquete onde a escolha de pratos depende apenas do gosto do freguês... mas muita calma aí... ninguém ouve, ninguém vê, ninguém fala. Enfim, é um Estado capturado pela classe política que por sua vez está capturada por uma classe empresarial oportunista, falida e especializada na intriga e na chantagem.
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Aqui, o salário mínimo não paga as despesas de comunicação mensal de um político. A troca de favores no aparelho do Estado é oficializada. As leis são encomendadas e aprovadas à medida das negociações e das ofertas e procuras superiormente estabelecidas nas feiras político-partidárias, a que se convencionou chamar de parcerias público/privadas.
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A democracia é afogada diariamente no lamaçal da hipocrisia e da violação dos mais elementares direitos da pessoa humana. O Estado não está minimamente preocupado em assegurar o básico às populações, com os mais jovens se digladiando por um visto para Europa, num triste e desafortunado regresso ao tempo das emigrações forçadas para as roças de São Tomé e Principe. É o regresso à escravatura! É Cabo Verde nas ruas da amargura!
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