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Santa Maria continua sem centro de covid-19. E tudo o vento levou
Sociedade

Santa Maria continua sem centro de covid-19. E tudo o vento levou

Cabo Verde já ultrapassou um ano de pandemia. Ainda que timidamente, já é visível a retoma do Turismo. Da Polónia, da França e de mais países europeus já circulam na ilha do Sal, os primeiros turistas representando o regresso da esperança para a população local. Os turistas já circulam... e o vírus também. Apesar do prenúncio de ventos de bonança após a tempestade, o estado de abandono do antigo Hotel Sabura, anunciado para albergar o Centro de Isolamento para doentes de Covid -19 preocupa os operadores turísticos, impacientes com a falta de informação e o silêncio das autoridades quanto ao início das obras de remodelação e apetrechamento do espaço.

Este é o real estado do antigo Hotel Sabura, em Santa Maria (ilha do Sal), identificado pelas autoridades para ser o Centro de Isolamento para doentes de Covid-19 na cidade turística.

O anúncio de que um Centro de Isolamento para doentes de Covid-19 nasceria nas instalações do antigo ‘Sabura’ foi uma lufada de ar fresco para os operadores turísticos e económicos de Santa Maria, que depois de vários meses tinham os seus empreendimentos e negócios parados. Aliás, foi o próprio governo, através de uma carta, a lhes notificar de que já podiam vender o destino Cabo Verde lá fora, já que estavam reunidas todas as condições de segurança.

Com a garantia de que tudo estaria bem, que caso aparecesse algum infetado nos hotéis, os hospedes seriam imediatamente encaminhados para um centro de isolamento preparado e equipado, os operadores começaram a publicitar os seus empreendimentos. Afinal, além de ser uma opção de escape ao rigoroso inverno europeu, Cabo Verde e a ilha do Sal têm a pandemia do Covid-19 “controlada” e ainda pode dar todas as assistências aos possíveis infetados.

E, seis meses depois…

Nenhuma intervenção. Esta semana, a equipa do Santiago Magazine visitou o local e deu de caras com uma infraestrutura completamente degradada: sem energia, com fios de eletricidade e comunicações cortados e espalhados, extintores velhos e sistemas de combate ao incêndio enferrujados e datando o ano de 2010. Sem contar a sujeira e o acúmulo do lixo, os jardins abandonados e completamente tomados por erva daninha, as piscinas vazias, destapadas e sem qualquer proteção.

Não nos foi permitido fazer imagens do espaço interno, nem nos autorizaram ver qual é o estado dos quartos e de outras dependências. Mas ao que apuramos, junto de fontes credíveis, até este momento nenhum equipamento, nem mobiliários foram instalados. Dava para ver entre frestas, que na antiga receção os móveis antigos, sujos e velhos continuam ali amontoados. E no chão muito lixo.

Um cenário a contradizer o otimismo das autoridades

Em outubro de 2020, o Primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva anunciou no Parlamento que “as condições sanitárias de proteção e de um turismo seguro estão criadas” nas ilhas do Sal e da Boa Vista e que tudo apontava para a “retoma a partir de 15 de dezembro”.

O governante anunciara na época algumas medidas, entre as quais a certificação internacional de unidades de saúde para tratamento de casos de covid-19 nas duas ilhas, que dependem quase exclusivamente do turismo. E explicou que haveria um aumento significativo da capacidade de testagem à covid-19. Prevendo, inclusive, a sua realização nos hotéis.

Além disso, o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Filipe Tavares, informou que o governo de Cabo Verde escreveu aos ministros do Turismo da União Europeia (UE), solicitando o regresso do turismo ao arquipélago, face às condições sanitárias de prevenção à covid-19 adotadas.

Na carta dirigida a todos os tutelares da pasta do Turismo nos países da UE, enviada em meados de Outubro, bem como aos chefes da diplomacia dos mesmos países, o Governo de Cabo Verde garantiu que o país está “em condições e preparado” para voltar a receber turistas, após a conclusão da auditoria ao setor da saúde e da certificação de 500 estabelecimentos turísticos.

O executivo referiu que foi concluída “com sucesso” a primeira fase da implementação das diretrizes Posi-Check, para instalações médicas regionais, tendo sido certificados e aprovados os centros e unidades de cuidados intensivos de covid-19 no Hotel Sabura e no Hospital Ramiro Figueira, ambos na ilha do Sal.

De igual modo, foram certificados pela auditoria internacional o novo centro de Saúde de Santa Maria (Sal) e da Clínica de Boa Esperança e delegacia de Saúde, ambas na Boa Vista.

“Iniciativa do Governo de Cabo Verde, o programa de auditoria Posi-Check foi projetado para atender às necessidades atuais e futuras, no sentido de formular e monitorar uma resposta eficaz à mitigação da propagação da covid-19 em Cabo Verde. O mesmo representa um investimento e uma forte aposta na criação de condições sanitárias adequadas para a retoma do turismo no país”, apontava o comunicado.

Vender gato por lebre

“Foi um alívio para nós receber aquela carta. Estivemos por vários meses esperando pela reabertura das fronteiras e depois pelo aval de começar a propaganda. Passamos meses a vender o país de forma positiva. Garantimos às pessoas lá fora de que encontrariam aqui todas as condições de acesso à saúde. Garantimos a elas de que estariam seguras e que elas podiam confiar em nós e neste país. Mas, afinal, estivemos a vender gato por lebre”, lamenta um operador sem se identificar.

Em agosto de 2020, quando esteve no Sal para inaugurar o Centro de Saúde de Santa Maria, o Primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, aproveitou a sua estada na ilha para visitar aquele que seria o Centro de Isolamento para doentes de Covid-19, localizado no extinto hotel Sabura. Teve como guia o delegado de Saúde local, José Rui Moreira.

Para receber o PM, a infraestrutura recebeu alguns retoques de pintura na parte externa e instalações de placas sinaléticas e de identificação. Foi anunciado que, dos 40 quartos existentes, 12 seriam destinados aos doentes. José Rui Moreira certificara na época que são quartos “bastante cómodos”.

Além dos 12 quartos preparados para receber possíveis infectados pela Covid-19, tinham sido identificados espaços para albergar uma sala de enfermagem, uma sala de atenção de risco biológico nível III, área de armazenagem de resíduos hospitalares, lavandaria, entre outras dependências. Além disso, estariam disponíveis no local médicos e enfermeiros, a tempo inteiro. A transferência de infetados para o hospital só aconteceria em casos de extrema necessidade.

A promessa era de que, de imediato, a antiga unidade hoteleira receberia pequenas obras, para assim garantir segurança sanitária, principalmente aos futuros hóspedes dos hotéis. Afinal, Cabo Verde preparava-se para a retoma do Setor que mais contribui para o PIB nacional.

Com alguns hotéis a funcionar, os operadores do Sal temem pela imagem do país: “e se algum turista ficar infetado e não tivermos como tratá-lo ou fazer o devido acompanhamento? Como vamos explicar isso a ele, já que nós dissemos que ele poderia confiar na nossa capacidade? Como dizer a ele que afinal apenas queríamos que ele viesse, que precisávamos reabrir os nossos hotéis, que não temos nenhum cuidado ou responsabilidade para com a sua saúde? Como explicar isso ao mundo?”.

E para onde foi o dinheiro das ajudas externas?

Os operadores questionam ainda para onde foram parar os “avultados montantes” que o país recebeu em ajuda para combater a doença e mitigar a crise económica causada pela pandemia do novo coronavírus. Referem ao apoio da União Europeia (EU) e dos Estados Unidos da América (EUA), assim como o financiamento do FMI para que Cabo Verde possa responder às necessidades urgentes geradas pelo impacto económico da pandemia da COVID-19.

Recorde-se em abril de 2020, quando o Fundo Monetário Internacional (FMI) desembolsou o montante, o seu subdiretor-Geral e presidente em exercício do Conselho de Administração do FMI, Tao Zhang, elogiou as autoridades cabo-verdianas pela atuação “de forma célere para travar a transmissão local do vírus” assim como pelas “medidas proativas para ajudar a mitigar o impacto económico e social da pandemia”.

No mesmo mês a União Europeia atribuiu a Cabo Verde um valor de cinco milhões de euros (551 mil contos cabo-verdianos), destinados ao tesouro nacional, em resposta ao pedido formulado pelo governo para a proteção dos mais vulneráveis afetados pelas consequências da COVID-19.

Vale apontar que, na altura o executivo de Ulisses Correia e Silva informou que o dinheiro destinava-se ao reforço do Rendimento Social de Inclusão às famílias identificadas em situação de pobreza extrema, a implementação de um Regime de Rendimento Solidário para beneficiar trabalhadores do regime REMPE e por conta própria, incluindo o comércio informal e contribuintes do INPS sem subsídio de desemprego.

Por seu lado, os EUA concederam mais de 1,5 milhões de dólares para Ajudar Cabo Verde na Capacidade de Resposta à Covid-19.  Os fundos, segundo uma nota da Embaixada dos EUA em Cabo Verde serão concedidos a empresas cabo-verdianas que trabalham em setores de mão de obra intensiva, predominantemente empregando mulheres e jovens.

Os fundos doados pelos EUA  tinham como destino as empresas cabo-verdianas que trabalham em sectores de mão de obra intensiva, predominantemente empregando mulheres e jovens, com o objetivo de manter empregos e permitir que essas empresas se ajustem às rápidas mudanças no ambiente económico, causadas pela pandemia.

E tudo o vento levou 

Não fossem as placas identificativas com o logotipo do Ministério da Saúde e da Segurança Social afixadas nas paredes velhas do ex Hotel Sabura, anunciando “entrada de pacientes”; “lavandaria” pouco mais anuncia a chegada, no futuro, de um Centro de Isolamento para doentes de Covid-19.

A nossa reportagem tentou chegar à fala com o Delegado de Saúde da ilha, primeiro por via telefónica e depois por correio eletrónico, mas as respostas que obtivemos foram vagas. Por telefone, José Rui Moreira afirmou que tudo relativamente ao Centro de Isolamento de Covid-19 foi dito na altura da visita do PM.

Até o fecho deste artigo, não recebemos nenhum retorno em relação às questões enviadas via correio eletrónico. Santiago Magazine poderá voltar a este assunto caso venha a receber alguma reação das autoridades competentes.

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