O parlamento votou hoje, na generalidade, uma alteração ao Código Penal proposta pelo Governo para corrigir um erro que, desde 2021, reduz os prazos de prescrição de crimes de corrupção, depois do veto do Presidente da República.
O documento foi aprovado na generalidade pela unanimidade dos 68 deputados presentes na sala de sessões, sendo 36 do Movimento para a Democracia (MpD), 28 do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) e quatro da União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID).
Depois da aprovação na generalidade, os deputados passaram para a discussão na especialidade, artigo por artigo, nesta que é a segunda sessão parlamentar de dezembro e a última do ano civil.
O Presidente de Cabo Verde vetou anteriormente esta proposta de Lei, que procedia à quinta alteração ao Código Penal, aprovada na Assembleia Nacional em maio passado e que segundo o Governo corrigia um erro que reduz os prazos de prescrição de crimes de corrupção.
“O diploma foi vetado por sua excelência o senhor Presidente da República, chegou ao parlamento e o parlamento já esclareceu à conferência de representantes que nós temos de voltar a apreciar o diploma. Estamos à espera do melhor momento, temos um prazo de 120 dias”, disse em 23 de novembro, no parlamento, o presidente da Assembleia Nacional, Austelino Correio, sem adiantar a motivação invocada pelo chefe de Estado.
Na origem deste caso está a quarta alteração ao Código Penal de Cabo Verde de 2003, com várias alterações aprovadas no parlamento, publicada em 11 de fevereiro de 2021 em Boletim Oficial. Contudo, segundo o Governo e a informação do parlamento, foi publicada com uma alegada gralha no artigo 108, sobre prescrições, diferente da versão aprovada naquele órgão, e que na prática – por não ter sido também detetado pelo então Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, que o promulgou - reduziu o prazo de 15 anos para prescrição dos crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e tráfico de influência.
Quando o alegado erro foi detetado já tinha passado o prazo permitido para corrigir eventuais lapsos ou gralhas nos documentos publicados oficialmente, o que levou o Governo a aprovar em abril, em Conselho de Ministros, uma alteração (quinta alteração ao Código Penal) para emendar esse erro, que foi depois aprovado também pela Assembleia Nacional, em maio, seguindo para o Presidente da República, que não o promulgou.
“Verificámos que talvez houve alguma gralha qualquer, mas é no parlamento. E o parlamento tinha 90 dias para fazer a reclamação, por assim dizer, e corrigir. Passou, a gente não corrigiu. Quando foi detetado, então, o processo foi espoletado novamente e está em curso e, como disse, foi vetado e vamos avançar com o processo”, acrescentou Austelino Correia.
O caso tem motivado várias críticas no parlamento, incluindo com os deputados do PAICV a lançar dúvidas sobre alegados interesses e beneficiados com este erro na alteração do texto aprovado face ao que foi publicado e está em vigor.
“Houve um problema aqui no parlamento, depois houve alteração. A parte preambular da lei correspondia totalmente com o conteúdo. O Presidente da República vetou e foi devolvido ao parlamento antes de voltar novamente à promulgação. Não tem nada a ver com a vontade do primeiro-ministro, por mim já estava resolvido há muito tempo”, justificou no mesmo dia, no parlamento, o chefe do Governo, Ulisses Correia e Silva.
O deputado e líder da bancada parlamentar do PAICV, João Baptista Pereira, admitiu que o veto do chefe de Estado está relacionado com a explicação dada pelo Governo no preâmbulo da quinta alteração ao Código Penal, alegando que não corresponde às alterações introduzidas para corrigir, alertando que a versão errada continua em vigor e que não foram ainda assumidas responsabilidades pelo sucedido.
“Ou seja, o que nós temos em Cabo Verde neste momento é que muito estranhamente, e aqui intransparentemente, o prazo de prescrição para crimes gravíssimos, como corrupção ativa, corrupção passiva, tráfico de influências, passou de 15 para 10 anos. E até este momento ainda não se provou o que efetivamente aconteceu”, afirmou o deputado.
José Maria Neves, antigo primeiro-ministro (2001 a 2016) pelo PAICV, que antecedeu o atual Governo do Mp), foi eleito Presidente da República em outubro de 2021 e já em janeiro deste ano vetou e devolveu ao parlamento a alteração à lei proposta pelo executivo da supervisão do Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado (FSGIP), de 100 milhões de euros, por não entender a motivação.
A maioria do MpD voltou a aprovar no parlamento a mesma proposta, inalterada, que voltou a seguir para o Presidente da República, para promulgação.
O artigo 137.º da Constituição da República de Cabo Verde prevê que o Presidente da República, quando exerça o direito de veto político, “deve devolver o diploma ao órgão que o aprovou, solicitando-lhe, em mensagem fundamentada, nova apreciação do mesmo".
“Tratando-se de diploma da Assembleia Nacional, se esta, no prazo de 120 dias contados da data da receção da mensagem do Presidente da República, confirmar a deliberação que o aprovou por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, o Presidente da República é obrigado a promulgá-lo no prazo de oito dias”, refere o mesmo artigo.
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