Uma grávida que perdeu o bebé por complicações no útero e precisava ser transferida esta terça-feira, 15, de emergência para intervenção cirúrgica no Hospital Central da Praia, foi deixada em terra pela Transportes Inter-ilhas de Cabo Verde (ex-Binter), com o argumento de que o aparelho já estava cheio. Esmeralda Lima acabou, entretanto, por embarcar nesse voo, porque o jornalista de Santiago Magazine cedeu o seu lugar para a jovem ir receber os cuidados médicos de que necessita na Praia.
É mais um caso dramático que envolve doentes que precisam ser transferidos da Boa Vista para tratamento na cidade da Praia e a recusa da companhia aérea que detém o monopólio das ligações inter-ilhas, a TICV, em prestar esse socorro.
Esta terça-feira, 15, a paciente Esmeralda Lima precisava viajar com emergência para a Praia, mas foi-lhe vedada tal possibilidade pela TICV. A jovem estava grávida há cerca de três meses, mas acabou por sofrer um aborto espontâneo com morte fetal intra-uterino, daí a necessidade de ser submetida imediatamente a intervenção cirúrgica para raspagem vaginal, o que, na falta de condições sanitárias para o efeito na Boa Vista, terá de ser feito no Hospital Agostinho Neto.
O problema é que a TICV - que só faz voos para Sal-Rei às tercas-feiras e sábados, ou seja ela teria de esperar no mínimo mais quatro dias - não só recusou prestar socorro, como declinou totalmente a hipótese de transportar a paciente nas duas cadeiras que existem atrás do cockpit dos aviões para casos deste tipo.
Desesperada, ela e o marido procuraram de todas as formas uma solução, porém a TICV, companhia aérea de capital angolano (BestFly), através da CV Handling, não deu autorização para o embarque da jovem, nem tão pouco do seu marido que queria acompanhá-la nessa viagem à Praia.
Teve de ser o jornalista de Santiago Magazine a decidir ceder o seu lugar à paciente para poder ser atendida no HAN, deixando, entretanto, para trás o desolado companheiro, que não teve a mesma sorte.
Desde o inicio das operações da TICV esta será a quarta vez que acontecem casos semelhantes, em que a companhia recusa embarcar pacientes a carecer de cuidados de emergência, conta um responsável da Cämara Municipal da Boa Vista.
Já antes, ainda com a Binter a operar, ocorreram outras situações idênticas de recusa de prestação de socorro solicitadas pela delegacia de Saúde, como ocorreu no dia 23 de Junho de 2018, quando a então jovem grávida Eloisa Teixeira, residente em Sal-Rei, faleceu já no hospital do Sal, após horas de percurso alternativo num barco para tratamento médico inexistente na Boa Verde. Eloisa Teixeira sofria de uma gravidez ectópica e acabou por não resistir às complicações da operação, falecendo então no sábado, 23.
Também em 2018, mas um mês antes desse episódio, um homem foi baleado e esfaqueado no abdómen, na ilha da Boa Vista, tendo a delegação local de saúde solicitado a evacuação médica para um hospital da cidade da Praia, na ligação comercial de passageiros da companhia Binter Cabo Verde. Esta recusou o transporte do paciente e o caso foi parar ao Tribunal da Comarca de Sal-Rei que viria a condenar essa operadora a pagar uma multa de 4 mil contos e o piloto condenado a um ano de prisão com pena suspensa.
A população da Boa Vista está revoltada com esta situação porque percebe que ano após ano este drama se vem mantendo de forma insustentável, sem que as autoridades tomem medidas.
Nessa trama, quer a companhia, TICV, quer o Governo, e também o INPS, são apontados como os culpados pelo descaso como encaram a vida humana, sobretudo “dos cabo-verdianos da periferia”.
Santiago Magazine quis ouvir a posição da delegada do INPS em Sal-Rei, Celina Ramos, mas nos disseram que a mesma se encontrava ausente por falta de energia elétrica.
A TICV, na Praia – o balcão que dispõe no Aeroporto Internacional Aristides Pereira está fechado – também não atendeu às nossas chamadas.
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