A meu ver, trata-se de uma grande coragem a decisão do Chefe de Estado em decretar, na presente conjuntura, o Estado de Emergência em Cabo verde.
Escutei atenta e cuidadosamente a tão esperada declaração do Chefe de Estado à Nação. Infelizmente, o teor da mensagem não me convenceu da real necessidade de ter tomado uma medida de tamanha dimensão e de consequências imprevisíveis.
Analisando cuidadosamente o contexto epidemiológico mundial, o risco de propagação do COVI-19 em Cabo Verde é insignificante. Num universo de 500 mil habitantes, as estatísticas apontam para quatro casos positivos “importados” e um caso de contágio local, entre um casal. Isto indica que a propagação viral é mínima, e pode ser neutralizada facilmente com as medidas sanitárias tomadas pelo Governo.
A própria estrutura geográfica e demográfica do país tem vindo a dificultar a disseminação do viros.
Nove Ilhas habitadas, um sistema nacional de saúde pública até certo ponto descentralizada – 2 hospitais centrais, 3 hospitais regionais, dezenas de centro de saúde e uma rede de agentes sanitários espalhados pelo país - é mais do que suficiente para controlar a epidemia, desde que cada um fizer responsavelmente o seu trabalho, incluindo o cidadão comum que, pelos vistos, tem vindo a contribuir.
Tenho vindo a verificar um estratégico “excesso de zelo”, em determinados sectores da administração pública, para eclipsar a “greve de zelo” em questões de suma importância para o país.
Por exemplo, ninguém fala da população prisional que vive nas superlotadas prisões espalhadas pelas Ilhas. Claro que estão confinados, mas a qualquer momento podem ser contaminados pelo staff.
Já se pensou fazer a despistagem do COVID-19 nessas instituições prisionais? Tudo indica que não, na medida em que são questões que não interessam a ninguém. Os presos vivem confinados a pequenos espaços, por vezes quatro pessoas em cada cela, sem água, sem ventilação, fazendo as necessidades fisiológicas em sacos de plástico no mesmo espaço em que lhes é servido as refeições. Sinceramente! Isto é vergonhoso.
Por outro lado, temos famílias numerosas a viver, com crianças, em casas de lata nos bairros degradados, sem água, sem casas de banho, por vezes sem nada para comer, crianças desnutridas que acabam deambulando nas ruas para sobreviverem. Isto sim, é uma vergonha nacional e o mais perigoso “viros” que precisamos combater nesta sociedade. Nós todos precisamos meditar sobre isso.
Olhando para dentro do sistema nacional de saúde pública, temos, em Cabo Verde, patologias graves que matam todos os dias, caso do cancro, diabetes, insuficiência renal, alcoolismo etc. A verdade é que não vejo qualquer alarmismo, e tudo passa despercebido.
Em termos económicos, estou em crer que esta medida, que considero excessiva, irá destruir o nosso tecido empresarial, já moribundo, fragilizar a nossa pequena economia e disparar o índice de desemprego e a criminalidade de subsistência. Não gostaria de ver Cabo Verde transformado num Estado assistencialista.
Cabo Verde não dispõe de uma estrutura socioeconómica capaz de sobreviver inactivo por mais de trinta dias. 40% da população é praticamente desempregada, na medida em que vive ao Deus dará. Centenas de famílias vão para cama sem qualquer garantia de que, no dia seguinte, terão algo para dar de comer aos filhos. Será possível essa gente viver sob um estado de emergência? Penso que não. O sustento dessa gente está na rua. Eles tem de sair todos os dias a procura da vida que o destino os negou. Quem vai obrigar essa gente a ficar em casa? De certeza que não morrem do COVID-19, mas morrem de fome.
As medidas assistencialistas decretadas, com boa fé, pelo Governo, acabam por chegar primeiro aos bolsos dos oportunistas e vigaristas que vivem gravitando à volta dos poderes centrais e municipais. Pouco ou nada vai chegar a mesa dos verdadeiros necessitados. Mesmo que chegasse alguma coisa, a excessiva burocratização do sistema não deixa nada funcionar em tempo útil.
De facto, precisamos repensar a forma de governar Cabo Verde. Mais seriedade, mais honestidade, mais moralidade e sobretudo mais humanismo e fraternidade.
Espero que este Decreto Presidencial não venha a ser usado para facilitar determinados expedientes dos oportunistas quem abundam na nossa sociedade. O ora decretado “ESTADO DE EMERGÊNCIA” não significa o fim do “ESTADO DE DIREITO”.
A todos os meus compatriotas, de Santo Antão à Brava e na Diáspora, que protejam a vossa saúde. Sois os principais agentes de saúde nos vossos lares. Cuidam-se.
Para todos, um grande abraço de fraternidade.
Mindelo, 28 de Março de 2020
RODRIGUES, ALCINDO AMADO
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