Tenho por mim que os formalismos que levaram à prisão de Amadeu Oliveira foram viciados de tal forma que deixa muito a desejar. Não estou a defender Amadeu, mas sim a questionar a cadeia de instituições que abusam das prerrogativas de alguns aspetos subjetivos para interpretarem a lei de forma tão estranha que deixa as pessoas todas confusas, incluindo o Senhor Presidente da República...O Sistema Judiciário Caboverdiano, em cadeia, adoeceu Amadeu Oliveira, o Parlamento recebeu-o em quarentena, preparou um caldo de frango e enviou ao Tribunal Constitucional para introduzir na boca do pobre indefeso, cumprindo, assim, a lei da eutanásia incorporada no costume do Caboverdiano.
“Como é devido num Estado de Direito Democrático, as decisões dos tribunais devem ser respeitadas e acatadas por todos, havendo sempre, nos termos da Constituição e das leis, possibilidades de contestação, impugnação ou recurso, em instâncias próprias”, palavras Presidente da República. E eu perguntava, impugnar perante quem ou recorrer para que instância?
De todo modo, como o Senhor Presidente da República já lançou este repto à sociedade civil de que faço parte, como tenho expressado a minha opinião sobre o assunto em pauta, de forma muito clara no meu círculo de amigos, achei por bem trazer esta minha opinião para o crivo de um leque mais alargado de pessoas, na esperança de que alguém virá contrariar-me, e que seja com argumentos e sem insultos porque eu sou sensível, covarde e indefeso.
Qualquer leigo em matéria do Direito, ao tomar contacto com o Código Civil vigente em Cabo Verde, há de ver que no LIVRO I da Parte Geral, TÌTULO I – Das Leis, sua interpretação e aplicação, CAPÍTULO I, no seu artigo 1º, sobre as fontes de Direito, estabelece que “São Fontes de Direito as Leis e as Normas Corporativas”.
No número 2 do mesmo artigo, explica-se o que são Leis e o que São Normas Corporativas.
Ora, os manuais e outras literaturas jurídicas, vieram acrescentar às duas Fontes de Direito os Costumes, a Doutrina e a Jurisprudência, claramente como instrumentos auxiliares, pelo menos no sistema Germano-Romano, que é o nosso caso. Estas fontes auxiliares, não deixam de ser importantes para ajudar os aplicadores da Lei na sua interpretação e no preenchimento de lacunas, pois as leis são feitas por homens que, enquanto seres imperfeitos, as suas obras são sempre inacabadas. Tanto mais que, de acordo com o disposto no artigo 8º do Código Civil no nº 1, dita que “O tribunal não pode abster-se de julgar invocando a falta ou obscuridade da lei alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio”. Aqui se pode reconhecer claramente o valor daquelas que chamei de Fontes Auxiliares do Direito.
E o nº1 do artigo 9º fixa regra de interpretação da lei dizendo que “a interpretação não deve cingir-se à mera letra da lei ….. “ e no nº 2 diz que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Tudo isto para dizer que o aplicador da lei, in caso, os juízes não têm poder nem competência de criar leis e aplicá-las ao seu bel prazer, como parece ter acontecido no Acórdão do Tribunal Constitucional no caso Amadeu Oliveira. O Positivismo Jurídico obriga que as leis estejam escritas, isto para que a sua aplicação possa poder ser uniforme e cumprir-se a premissa de que a lei para um é para todos.
Ora, pelo que percebi, o TC socorreu-se de práticas ilegais e inconstitucionais dentro da Assembleia Nacional para transformar em leis costumeiras, uma fonte auxiliar de direito, no nosso sistema, para assim se transformar em LEI SUPRACONSTITUCIONAL, uma invenção que não me convenceu por nada, apesar do imenso respeito e consideração que tenho pelos doutos subscritores do Acórdão. Até porque eles me conhecem e sabem disso.
NESTE CATÍTULO, A CONSTITUIÇÃO FOI RASGADA PELO PARLAMENTO E ATIRADA AO FOGO PELO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL.
Vajamos: O nº 1 do artigo 2º da CR, diz que “A República de Cabo Verde organiza-se em Estado de direito democrático…………”. Se assim é, toda a sociedade e as suas instituições devem subordinar-se às Leis, incluindo as instituições responsáveis para feitura das mesmas e as responsáveis para impor a sua observância. Aqui evidencia-se claramente o carater geral, abstrato e imperativo da lei.
Mais, é a própria Constituição da República, que no seu artigo 260º define o que são Leis, nos seus quatro números, com destaque para os nºs 1 e 2, referentes à própria Constituição, e de seguida fixa outras matérias cuja regulação é da exclusiva competência da Assembleia Nacional. No artigo 261º define outros Atos Legislativos, fazendo distinção entre estes. E o artigo 268º ainda da CR, não deixa dúvidas de que as leis não são todas iguais, não se encontram no mesmo plano, ou seja, que existe uma Hierarquia das Leis, que ao conjugarmos com o nº1 do artigo 260º resulta claramente que a CR está isolada no topo da hierarquia, no 1º plano. Significa que não se pode inventar nada que vá em contramão com a constituição, e se acontecer, não pode produzir efeito jurídico, ou seja não vincula.
O que se passou no caso do Deputado Amadeu Oliveira versus Acórdão do Tribunal Constitucional?
O Deputado Amadeu Oliveira preso como se fosse um fugitivo e não detido fora de flagrante delito como se vem dizendo, a pedido do Procurador Geral da República, com a anuência da Comissão Permanente da Assembleia Nacional, sem a qual não seria possível uma vez que ele gozava de imunidade parlamentar, um privilégio que os Deputados têm, do qual usam e abusam de qualquer maneira e que precisa ser revisto quanto ao âmbito da sua abrangência. Mas isto é outro assunto, embora os Deputados devam estar cientes de que estão sendo observados.
A questão que se coloca é se neste caso concreto, a Comissão Permanente da Assembleia Nacional tinha competência para autorizar a prisão do Deputado Amadeu Oliveira. Do meu ponto de vista NÃO TINHA.
Há dias, ouvi um ilustre jurista da praça a dizer que sim, justificando categoricamente que a Comissão Permanente, pela sua composição representativa é a própria Assembleia Nacional. Se bem percebi é o que ele disse, sendo uma posição com a qual posso concordar, mas muito parcialmente.
A Comissão Permanente pode ser considerada o Parlamento em miniatura, com um âmbito de atuação bem delimitada pela própria Constituição, quando prescreve no nº1 do artigo 148º que “ A Comissão Permanente funciona durante o período em que se encontrar dissolvida a Assembleia Nacional, nos intervalos das Sessões Legislativas e durante os demais casos e termos previstos na Constituição.”
Ressaltam aqui três situações bem identificadas:
Primeira situação: Durante o período em que se encontrar dissolvida a Assembleia Nacional, algo que nunca aconteceu em Cabo Verde;
Segunda situação: No intervalo das Sessões Legislativas: isso sim, acontece todos os anos. E aqui a Constituição da República é tão clara que me estranha qualquer outra interpretação ou invenção. Com efeito, dispõe o nº 1 do artigo 151º da CR que “A Sessões Legislativa tem a duração de um ano”.
O número 2 do mesmo artigo diz que “O período normal de funcionamento da Assembleia Nacional decorre de 1 de Outubro a 31 de Julho, sem prejuízo das suspensões que o Plenário delibere por maioria de dois terços dos deputados presentes”.
Não se conhecendo qualquer deliberação que suspenda as sessões, o âmbito da atuação da Comissão Permanente deve cingir-se ao intervalo das sessões Legislativas que é o período que vai de 1 de Agosto a 30 de Setembro. Fora deste âmbito, a deliberação da Comissão Permanente que autoriza a prisão do Deputado Amadeu Oliveira é forçosamente NULA, no meu entender.
A terceira situação é “…nos demais casos e termos previstos na Constituição”, o que não consegui identificar, e nem o Acórdão faz referência.
O Tribunal Constitucional ignorou por completo esta norma Constitucional, que cria a Comissão Permanente e define o âmbito da sua atuação, para se estribar num dito costume parlamentar que, a ser verdade, coloca o TC numa posição mais ingrata ainda porque enquanto Guardião da Constituição não pode dar frangos do tipo, permitindo que ela seja sistematicamente goleada pelas suas próprias defesas.
Pena é que todos os sujeitos parlamentares parecem ser da mesma opinião. O MPD, de forma frouxa, procura proteger a Comissão Permanente e o seu Presidente. O PAICV, não concorda com a posição da Comissão Permanente, subscreve a petição para o TC, e reage ao acórdão de forma muito fria, dizendo que já compreendeu e que acata a decisão do TC, não sem antes dizer, pela voz do seu líder Parlamentar, respondendo ao jornalista, “recorrer para onde”, num claro tom de desalento. A UCID ficou isolada, e o governo parece dizer queli ka nha assunto, embora na verdade seja.
Espero ver, ainda nesta legislatura, o pedido de levantamento de imunidade a Deputados de outro partido para melhor tirar as minhas conclusões. Ainda há dias ouvi um Deputado a insinuar no Parlamento que o Advogado, Dr. Vieira Lopes, eventualmente terá sido assassinado por causa de um processo que ele andava a defender no Tribunal, relacionado com a máfia de terrenos, envolvendo a Câmara Municipal. Estou à espera para ver. A própria Comunicação Social omitiu este facto na sua reportagem, como se não fosse algo muito relevante que mereceu réplicas e tréplicas, mas todos os atentos ouviram e gravaram.
Ninguém quer problemas institucionais por causa de um pobre cidadão. É este o Estado de Direito que temos.
O Sistema Judiciário Caboverdiano, em cadeia, adoeceu Amadeu Oliveira, o Parlamento recebeu-o em quarentena, preparou um caldo de frango e enviou ao Tribunal Constitucional para introduzir na boca do pobre indefeso, cumprindo, assim, a lei da eutanásia incorporada no costume do Caboverdiano.
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