Caso Alex Saab: Porque devemos honrar os nossos compromissos com a CEDEAO*
Ponto de Vista

Caso Alex Saab: Porque devemos honrar os nossos compromissos com a CEDEAO*

Eu tinha-me pronunciado publicamente sobre o caso ALEX SAAB a partir do que li na comunicação social. Posteriormente tive acesso aos acórdãos do Tribunal de Justiça da CEDEAO e do Tribunal da Relação e pude analisar ambos mais detidamente.

Tenho que confessar que não sou nenhum especialista em Direito Internacional Público. O que sei desta matéria foi o que aprendi enquanto aluno e no que esta matéria tem de ligação com o Direito Internacional Privado, matéria esta que ensinei durante 10 anos na Faculdade de Direito de Lisboa.

Jorge Carlos Fonseca disse que quem quiser intervir neste assunto deve fazê-lo “com conhecimento de causa”. Porque a carapuça me serviu vou agora falar com conhecimento de causa.

SOBRE A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DA CEDEAO

Nós, Cabo Verde, não temos competência para decidir se o Tribunal da CEDEAO é ou não competente para julgar o caso. Quem tem competência para decidir se é ou não competente é o próprio Tribunal da CEDEAO. Cabo Verde só tem que cumprir ou não cumprir a decisão que for tomada, honrando (ou desonerando) os seus compromissos internacionais.

“A corte é o juiz da sua própria competência”! – afirma-se desde meados do século passado.

Por isso que eu achava que O PR podia intervir em defesa da honra da Nação perante o anúncio de que o acórdão do Tribunal de Justiça da CEDEAO não deveria ser cumprido. E agora que o Tribunal da Relação do Barlavento já declarou que a sentença desse Tribunal Internacional não é para se cumprir fiquei ainda mais convencido de que outros órgãos de soberania devem intervir em defesa da imagem do país, mormente o PR que de acordo com a Constituição é o garante do cumprimento dos tratados internacionais.

ENTÃO SE O TRIBUNAL INTERNACIONAL NÃO É COMPETENTE O ESTADO VISADO NADA PODE FAZER?

Claro que pode!

Se um Estado considera que o Tribunal internacional não é competente para julgar uma causa em que ele é chamado, ele deduz, perante o próprio tribunal, a exceção de incompetência. E pode fazê-lo invocando, nomeadamente, o que doutrina internacional chama EXCEPÇÃO DE DOMÍNIO RESERVADO ou a EXCEPÇÃO DO NÃO ESGOTAMENTO DE RECURSOS INTERNOS.

A excepção de DOMÍNIO RESERVADO visa obter do tribunal uma declaração de que ele é absolutamente incompetente. A matéria objeto do litígio está fora da esfera de competência do tribunal internacional. Foi o que fizeram os Estados Unidos da América no caso Interhandel (1959) perante a Corte Internacional de Justiça. Foi também o que fez a India no caso de reconhecimento do direito de passagem sobre o território indiano (1960) ou o que fez a Bélgica no Caso Linguístico belga (1967).

A excepção de NÃO ESGOTAMENTO DE RECURSOS INTERNOS visa declarar que o tribunal internacional é subsidiariamente competente. Ou seja, só intervém quando as vias internas de recurso forem completamente esgotadas.

A exceção de não esgotamento de recursos é hoje muito falível, especialmente tratando-se de matéria relativa aos direitos humanos. Os tribunais internacionais perceberam que se nesta matéria deixarem esgotar os recursos internos podem encontrar-se perante uma situação de inutilidade superveniente da lide.

Eufemisticamente, claro!

O QUE É QUE A DEFESA DE CABO VERDE FEZ NO CASO SAAB?

Invocou a exceção de DOMÍNIO RESERVADO? A resposta é não! Do que consta da sentença, nem tocou neste assunto. Ateve-se ao não esgotamento dos recursos internos, mas confrontou-se com uma jurisprudência constante desse tribunal no sentido de que em matéria de direitos humanos o esgotamento de recursos internos “não configura como condição para apresentação de queixas perante este tribunal”.

Portanto, perdeu a causa.

Por isso, entendo que estão errados todos os pronunciamentos em sentido contrário sobre este ponto. Se esta jurisprudência fizer carreira isso significa que EM MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS NÃO ACEITAMOS A JURISDIÇÃO DE UM TRIBUNAL INTERNACIONAL. OU SEJA, DIREITOS HUMANOS - QUE É DIREITO INTERNACIONAL - PARA NÓS É UM ASSUNTO DOMÉSTICO!

ISTO PARECE MAIS PRÓPRIO DOS REGIMES TOTALITÁRIOS.

*Artigo original publicado pelo autor no facebook 

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