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CABRAL
Ponto de Vista

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Uma Resolução do Parlamento seria uma peça importante na medida em que traduziria uma nota de envolvimento por parte do Estado. O posicionamento desse Órgão de Soberania é revelador e deve ser interpretado nessa medida. Apenas isso. Sem nenhum dramatismo.


1. ‘Ora, o centenário de uma figura nacional deve ser, tem de ser celebrado de forma desinibida e condigna, constituindo-se em oportunidade de enaltecimento, mas igualmente e sobretudo de transmissão e aprendizagem. Por vezes, até parece que, enquanto sociedade, nos falece a necessária humildade e a devida grandeza de alma para sermos justos com os nossos Maiores. Antes de mais, precisamos conhecê-los, compreendê-los e apreciar o quanto, no seu concreto contexto histórico, fizeram por esta nossa 'comunidade de destino'. O quanto, por exemplo, sofreram de opressão, de censura e de perseguição para nos poderem legar o facho da insubmissão, da revolta e da luta pela Liberdade e a Dignidade. Precisamos de mais conhecimento, mas sobretudo de desprendimento, serenidade e generosidade na nossa relação com quem veio antes de nós e desbravou caminho.’ Assim escrevi, em 2022, no meu trabalho ‘Teixeira de Sousa, um Ilhéu de Causas’.

2. Por circunstâncias várias, tenho tido o privilégio de lidar com a celebração dos centenários de algumas figuras nacionais. Em 2001, estive, enquanto Governante, na coordenação das actividades em saudação aos cem anos de António Aurélio Gonçalves; em 2002, o mesmo em relação a Jorge Barbosa, e foi quando, por exemplo, o Governo atribuiu o nome dele ao Auditório Nacional. Anos depois, no âmbito da Academia Cabo-Verdiana de Letras, ajudei a assinalar o centenário de Manuel Ferreira. Presentemente, tem-me cabido contribuir para a justa homenagem ao Presidente Aristides Pereira neste Novembro em que se completam cem anos sobre a data do seu nascimento. Outrossim, conto vir a ter a oportunidade de juntar o meu quinhão para a celebração, com brilho e estrondo, do Centenário de Amílcar Cabral.

3. E tudo serenamente. No longínquo ano de 1984, nos primeiros Encontros de Poesia de Vila Viçosa, no Alentejo, escutei de Raul de Carvalho estes seus versos, dos que entram, ressoam e permanecem: ‘Serenidade, és minha’.

4. Ângulo pelo qual tenho que a não aprovação, pelo Parlamento cabo-verdiano, de um projecto de Resolução atinente ao Centenário de Amílcar Cabral constitui, sem que tal fosse a intenção, o mais decisivo contributo e impulso a que a sociedade cabo-verdiana se organize e se galvanize para a concretização de vigorosas homenagens no transcurso do ano do ‘centennial’. Abre-se, na verdade, um ano inteiro de oportunidades para celebrar Cabral. Cabe à sociedade, à cidadania!, sacudir a mancha e fazer o que tem de ser feito.

5. Ou seja, uma Resolução do Parlamento seria uma peça importante na medida em que traduziria uma nota de envolvimento por parte do Estado. O posicionamento desse Órgão de Soberania é revelador e deve ser interpretado nessa medida. Apenas isso. Sem nenhum dramatismo.

6. Cabral é uma figura imensa, com lugar único na História destas ilhas, da Guiné-Bissau, da África e com projecção excepcional na História Universal contemporânea. Disso mesmo presta testemunho, todos os dias, a onda crescente de enaltecimentos (‘culto de personalidade’, se se quiser) e dedicadíssimas vias de estudo da obra dele que se verificam aqui e acolá por este mundo afora, da Europa às Américas, designadamente em espaços universitários de indiscutível luz e prestígio. Com efeito, celebrar o Centenário de Amílcar Cabral é algo que vem sendo assumido, com empenho e orgulho, além fronteiras.

7. Aqui, dentro de casa, está mais do que provado que o problema ou, digo-o com mais rigor, o desafio é para a Cidadania cabo-verdiana. Cabe-lhe assumir o facho e provar que, com ou sem o Estado, Cabral é património e orgulho do povo das ilhas.

8. É modesta, mas exprimo-a mesmo assim: a minha vénia à Fundação Amílcar Cabral pelo percuciente trabalho que, de há muito, desenvolve pela preservação e divulgação do pensamento e da obra do seu Patrono.

* Artigo originalmente publicado pelo autor na sua conta no facebook

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