Alex Saab quebra o seu silêncio numa carta aberta ao Primeiro-Ministro
Ponto de Vista

Alex Saab quebra o seu silêncio numa carta aberta ao Primeiro-Ministro

"Vejo-me obrigado a escrever-vos, dada a grande injustiça cometida. Foi-me negado o direito a uma audiência e a minha equipa de advogados não teve acesso ao relatório do procurador, algo sem precedentes na história jurídica de Cabo Verde", afirma Alex Saab, Enviado Especial. Cabo Verde, 10 de agosto de 2020.

 

Excelentíssimo Senhor Ulisses Correia e Silva

Primeiro-Ministro da República de Cabo Verde

Palácio do Governo

Várzea, Cidade da Praia, Ilha de Santiago

República de Cabo Verde

Excelentíssimo Senhor Primeiro Ministro

Chamo-me Alex Nain Saab Morán e estou detido ilegalmente no seu país há 57 dias, a aguardar que um pedido de extradição feito pelos Estados Unidos infundado e com motivação política seja revisto.

Vejo-me obrigado a escrever-lhe, dada a grande injustiça cometida. Foi-me negado o direito a uma audiência e a minha equipa de advogados não teve acesso ao relatório do procurador, o que é inédito na história jurídica de Cabo Verde.

Estou certo de que já ouviu falar de mim; bem como estou certo de que não sabe muito sobre mim, que seja verdade e que não tenha sido alterado.

Apesar de ter nascido em Barranquilla, Colômbia, sou venezuelano e vivo em Caracas desde 2004. Estou muito grato pelas oportunidades que a Venezuela me ofereceu e não tentei retribuir a generosidade e a hospitalidade do seu povo.

Os meus pais emigraram do Líbano em 1960 e criaram um negócio têxtil que, graças ao seu trabalho árduo e depois graças aos meus esforços e aos dos meus irmãos, esteve em actividade durante mais de 50 anos até que decidimos seguir o nosso próprio caminho de negócios.

Aos 18 anos criei a minha própria marca de roupa e aos 20 anos deixei o negócio de família, que tinha 2.000 trabalhadores directos e 10.000 indirectos. A empresa produzia mais de 12 milhões de peças de vestuário por ano e exportava para 20 países. Aos 21 anos de idade, era proprietário de uma das maiores empresas têxteis da Colômbia. Combinei o meu trabalho no mundo da moda com investimentos em projectos de construção que, com capital privado e sem subsídios ou apoios governamentais, construíram mais de 1.000 apartamentos.

Digo tudo isto para mostrar que sou uma pessoa normal com um passado comum que, graças ao trabalho árduo, consegui construir um negócio de sucesso no sector privado sem receber benefícios governamentais.

Ao longo dos anos ganhei a confiança da Venezuela porque fui sempre profissional, tendo lidado com difíceis condições de pagamento, causadas pelos bloqueios que a Venezuela tem enfrentado, e tenho usado os meus fundos pessoais para cumprir contratos.

Permita-me dizer-lhe a principal razão pela qual me dirijo a V. Exa por este meio e que lhe pergunte porque estou há quase dois meses detido ilegalmente.

Durante dois meses, e apesar de ter fornecido provas claras e inequívocas de graves problemas de saúde, tive acesso a cuidados médicos rudimentares e perdi quase 20 kg de peso; e tudo apesar de ter sofrido de cancro. Percebi que, no seu país, até os traficantes de drogas têm recebido melhor tratamento e prisão domiciliar; coisas não foram disponibilizadas a mim nem mesmo como Enviado Especial.

Os Estados Unidos vestiram um uniforme e declararam-se a polícia do mundo. Os Estados Unidos tornaram público o seu objectivo de mudar o regime na Venezuela e a sua realização brutalizou o povo e a economia da Venezuela, independentemente das consequências. O desejo deste país de alargar as suas reivindicações extraterritorialmente é contra todas as leis internacionais e não existem precedentes nos tempos em vivemos.

Os Estados Unidos acusaram-me, sem fornecer o mínimo de provas ou provas concretas, de alegados crimes cuja única ligação com os Estados Unidos é a existência de pagamentos feitos para ou através de contas bancárias americanas.

Pagamentos que não fiz pessoalmente ou pelos quais fui responsável e que eram obrigações contratuais ou facturas de cartão de crédito para as quais não foram oferecidos métodos alternativos de pagamento. Estou certo de que se esqueceram de informar que essas mesmas acusações já foram investigadas pela República do Equador (e pela própria Venezuela) e que não foram encontradas provas de irregularidades. Por estas razões, os Estados Unidos dizem que o Equador também faz parte de uma conspiração corrupta controlada por mim?

Como agradecimento pelo cumprimento das minhas obrigações e contratos, em Abril de 2018, a Venezuela reconheceu a minha contribuição, nomeando-me Enviado Especial, com a imunidade diplomática e os privilégios que este cargo acarreta. Dada a atitude vingativa e politicamente orientada da Casa Branca, fui incumbido de me reunir e negociar com governos estrangeiros e empresas privadas para criar novos canais de obtenção e entrega de alimentos, medicamentos básicos e peças de reposição tão necessários à indústria petrolífera.

Como Enviado Especial, tenho a responsabilidade de atender às necessidades humanitárias que me são confiadas. Foi esta a razão pela qual fui ao Irão em Abril, para negociar a entrega de gasolina e outros produtos, como peças de reposição, para impulsionar a indústria petrolífera na Venezuela. Quando fui ilegalmente detido em Cabo Verde, a 12 de Junho, encontrava-me a caminho do Irão numa missão humanitária especial, sob o título de Enviado Especial, com total imunidade ao abrigo do direito internacional.

Há muito que sei que me tornei o principal alvo dos Estados Unidos e que, segundo os seus modelos extraterritoriais, estavam dispostos a ir o mais longe possível para me impedir de cumprir as minhas obrigações para com o povo venezuelano. Esta mentalidade distorcida incluía o meu rapto, como num filme de Hollywood, para me apresentarem a sua versão de “justiça”. Todos nós sabemos que os juízes do sistema de justiça criminal dos EUA não se importam se foi preso ou sujeito a entrega extraordinária; se estiver no tribunal deles, pode e será julgado sem ter em consideração as regras do direito internacional ou os direitos humanos básicos.

No dia 12 de Junho, quando o avião em que viajava para a minha missão especial fez uma escala técnica em Cabo Verde, um oficial, que não se identificou, mas que falava inglês perfeito, obrigou-me a sair do meu avião diplomático usando como pretexto um alerta vermelho da INTERPOL. Eram 20h00 em Cabo Verde, 23h00 em Lyon, onde se encontra a base da INTERPOL. Sabemos que o alerta vermelho não foi apenas emitido a 13 de Junho, pelo que fui basicamente raptado.

No aeroporto, o polícia trancou-me numa cela durante dois dias sem comida nem luz. Durante este período, o seu funcionário insistiu “veementemente” que eu deveria assinar a minha ordem de extradição voluntária, o que me recusei a fazer.

Estou certo, Senhor Primeiro-Ministro, que não tinha conhecimento deste tratamento cruel e desumano, mas tenho dificuldade em aceitar que, mesmo depois que a Venezuela ter declarado oficialmente a minha imunidade, V. Exa. nada fez para rectificar a situação.

Não tenho dúvidas de que sua inacção terá consequências jurídicas e políticas. O seu país tornou-se independente há apenas 45 anos, mas, infelizmente, há países como os Estados Unidos que consideram Cabo Verde como um país de segunda classe que não merece um nível adequado de respeito. De que serve proclamar a sua independência e agora submeter-se (ilegalmente) para agradar aos Estados Unidos?

Penso que o povo de Cabo Verde não concordaria com isso, pois sempre foi discriminado e desprezado pelos Estados Unidos.

Senhor Primeiro-Ministro, asseguro-lhe que a Venezuela sempre o tratará com maior respeito e lhe apresentará mais oportunidades dos EUA. Como Enviado Especial do meu país, posso ajudar Cabo Verde mais do que os Estados Unidos em 100 anos. A Venezuela será sempre um aliado melhor que o regime norte-americano que restringe os direitos daqueles que considera “inimigos” do Estado. A Venezuela verá sempre Cabo Verde como uma nação irmã igual e nunca será uma amiga de conveniência.

Apenas peço justiça e que Cabo Verde, como membro da ONU, respeite a minha imunidade e me permita regressar ao meu país.

Queira Vossa Excelência aceitar a expressão da minha mais elevada consideração.

Alex Nain Saab Morán

Enviado Especial da República Bolivariana da Venezuela

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