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Deputada Mircea Delgado denuncia tentativa de seu silenciamento pelo sindicato dos magistrados
Política

Deputada Mircea Delgado denuncia tentativa de seu silenciamento pelo sindicato dos magistrados

A Associação Sindical de Magistrados do Ministério Público (ASSIMP) tinha emitido um comunicado, na semana passada, a repudiar o “tom irónico, irresponsável e afrontador” da deputada do MpD por São Vicente, Mircea Delgado, por esta ter denunciado, durante a discussão anual sobre o estado da justiça, “conflitos entre cidadãos identificados e alguns juízes, com potencial para fazer detonar todo o nosso sistema judicial, com reflexos directos no nosso Estado de Direito Democrático”.

A deputada nacional Mircea Delgado considera despropositado, e a faltar a verdade, o comunicado emitido na semana passada pela Associação Sindical de Magistrados do Ministério Público (ASSIMP), em defesa dos magistrados cujos nomes vêm sendo publicamente apontados como "gatunos, falsificadores e aldrabãozecos", a ponto de, supostamente, condenarem arguidos inocentes com base em ilegalidades e introdução de provas falsas nos processos, procedimento que periga o sistema judicial e a democracia cabo-verdiana.

Mircea Delgado pegara precisamente nesse tema durante o debate sobre o estado da Justiça, para questionar o governo e levantar um debate diferente do dos números que constam do relatório do sector, que anualmente animam as bancadas parlamentares do PAICV e do MpD, mais preocupados em discutir quem disponibilizou mais recursos humanos e materiais para a Justiça.

Essa intervenção da jovem política não foi bem recebida pela classe visada, sobretudo porque, apesar das tentativas para censurar o video com as declarações da parlamentar, Santiago Magazine fez notícia sobre o assunto e publicitou as imagens. Primeiro foi a própria presidente do Supremo Tribunal da Justiça e uma das visadas das denúncias de juizes alegadamente prevaricadores, Fátima Coronel, a reagir num longo artigo publicado pelo jornal Expresso das Ilhas, no qual tenta mostar que Mircea Delgado "abusou" do seu mandato parlamentar para levar este assunto à principal arena política. Coronel chega inclusive a referir que Delgado, enquanto parlamentar (poder legislativo), estaria a interferir em matérias que só cabem à justiça (judicial).

Dias depois, a Associação Sindical de Magistrados do Ministério Público entra no barulho para repudiar "o tom irónico, irresponsável e afrontador” da deputada do MpD por São Vicente, Mircea Delgado na Assembleia Nacional. Na nota assinada pela presidente Killy Fernandes, a ASSIMP afirma que a intervenção da jovem deputada se configura como uma inadmissível tentativa de interferência na independência e separação dos poderes, razão pela qual louvou o “meritório” posicionamento da Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Mircea Delgado, por seu turno, se recusa a ficar calada e decidiu responder esta terça-feira ao comunicado da ASSIMP, acusando esta organização e, sobretudo a sua presidente, de estarem a faltar à verdade. "A Associação Sindical de Magistrados do Ministério Público, num comunicado absolutamente despropositado e desnecessário, faltando a verdade, entendeu que deveria sair, por conta própria, presumo, em defesa dos Juízes cabo-verdianos, numa atitude marcada por um evidente excesso de zelo, a todos os títulos condenável e altamente prejudicial para a imagem dos Juízes", diz a nota a que Santiago Magazine teve acesso.

E prossegue: "Cabo Verde só tem futuro se conseguir criar instituições credíveis, dirigidas por pessoas com sentido de serviço público e que encontrem na transparência e na verdade o suporte fundamental da sua acção. Não é a primeira vez que o digo, mas vale a pena sublinhar que em nenhum momento tomei qualquer posição contra os Juízes na sua totalidade ou contra qualquer Juiz, em particular".

Mircea Delgado vai repescar parte do seu texto-resposta à reacção da presidente do STJ, publicado também pelo Expresso das Ilhas, para rejeitar a ideia de que cometeu alguma ingerência ou interferência nos assuntos da esfera judicial.

"Na minha resposta à Presidente do Supremo Tribunal da Justiça, publicada no jornal “Expresso das Ilhas”, edição nº 989, de 11 de Novembro de 2020, depois de me referir ao principio da separação e interdependência de poderes imposto pela nossa Constituição aos Órgãos de Soberania, particularizei o seguinte facto: "Nenhum Deputado ou Deputada (comigo incluída) alguma vez tentou sequer pôr em causa o nº3 do artigo 222 da nossa Constituição que diz que “os juízes, no exercício das suas funções, são independentes e só devem obediência à lei e à sua consciência”. Acrescentei, ainda, que da parte dos Deputados o que tem acontecido sempre é o respeito absoluto por essa imposição constitucional, por terem a consciência de que negar a independência dos juízes no exercício das suas funções é pôr em causa o Estado de Direito Democrático".

"Tão grave como isso é a tentativa de silenciar o deputado retirando-lhe a palavra que, utilizada com responsabilidade e balizada pela lei, constitui a essência da Assembleia Nacional, a alma do Deputado e a força da Democracia", afirma a deputada, antes de finalizar: "quanto aos ataques desferidos contra a minha pessoa pela Presidente da Direção da Associação Sindical de Magistrados do Ministério Público que assina o comunicado datado de 13 de Novembro de 2020, prefiro deixá-los à consideração dos seus pares que certamente não os subscreverão, e à apreciação dos cabo-verdianos".

Toda esta celeuma teve por base a intevenção feita pela deputada do MpD eleita por São Vicente durante o debate sobre a Justiça no passado dia 29 de Outubro e noticiada em exclusivo por Santiago Magazine. Na ocasião, Mircea Delgado denunciou "conflitos entre cidadãos identificados e alguns juízes, com potencial para fazer detonar todo o nosso sistema judicial, com reflexos directos no nosso Estado de Direito Democrático". Uma referência clara às queixas públicas do advogado e activista Amadeu Oliveira contra determinados magistrados judiciais a quem ele tem apelidado de serem juizes “gatunos”, “falsificadores” e “aldrabãozecos”, o que já lhe valeu inúmeros processos-crime, sem que, contudo, nenhum desses processos crimes tenha conhecido um julgamento ou uma decisão de condenação.

O video com o posicionamento de Delgado chegou a ser publicado na página do grupo parlamentar do MpD no facebook, mas surpreendentemente foi retirado no dia seguinte, sem qualquer explicação, deixando entender que houve pressão para apagar aquelas imagens. Estranho também foi o facto de a própria Assembleia Nacional não ter publicado até hoje esse video na sua página oficial, a ANTV, como sempre acontece, não fosse esse canal um investimento avultado para, precisamente, dar a conhecer aos cabo-verdianos tudo o que se passa no Parlamento.

Esta colisão entre Mircea Delgado e os magistrados do Ministério Público e judiciais é uma luta desnivelada, com todo um sistema unido contra uma única deputada, cuja bancada parlamentar a que pertence foi a primeira a lhe tirar o tapete (supressão do video com a sua intevenção na internet) mal se apercebeu do impacto que as declarações da jovem política estavam e continuam a ter na sociedade cabo-verdiana.

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine