Em carta aberta, judeus defendem sanções a Israel e fim do bloqueio a Gaza
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Em carta aberta, judeus defendem sanções a Israel e fim do bloqueio a Gaza

São várias centenas as figuras proeminentes da comunidade judaica, de vários países, que alertam para “o risco de retornarmos a uma realidade política de indiferença à ocupação e ao conflito permanente”. Em carta aberta dirigida ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas, fazem um apelo coletivo: “Judeus Exigem Ação”.

“Jews Demand Action” (“Judeus Exigem Ação”) é um apelo coletivo que junta intelectuais da comunidade judaica internacional e antigos responsáveis políticos israelitas que prometem não descansar “até que este cessar-fogo leve ao fim da ocupação e do apartheid”. E o nome encontrado para o apelo dirigido ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, já se transformou num movimento transnacional, provando que há uma diferença abismal entre sionismo e semitismo.

Os subscritores exigem a aplicação dos mandados internacionais de captura e a aplicação das decisões do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), incluindo na Cisjordânia e Jerusalém Oriental, recusam a cumplicidade com os crimes israelitas e defendem sanções e pressão por parte dos governos.

Retirada total das tropas israelitas

“Judeus Exigem Ação” querem, ainda, garantir que a ajuda humanitária entre em Gaza de forma a cobrir as necessidades básicas da população, bem como os materiais de reconstrução, ao mesmo tempo que exigem a retirada total das tropas israelitas do território. E refutam, ainda, as “falsas acusações de antissemitismo que usam a nossa história coletiva para desqualificar aqueles com quem nos unimos na busca pela paz e pela justiça”.

Segundo o diário britânico Guardian, entre os subscritores desta carta aberta estão o ex-presidente do Knesset (Parlamento) israelita Avraham Burg e o ex-negociador de paz israelita Daniel Levy, ambos promotores iniciais desta iniciativa, o autor britânico Michael Rosen, a autora canadiana Naomi Klein, o cineasta vencedor do Óscar Jonathan Glazer, o ator norte-americano Wallace Shawn, as vencedoras do Emmy Ilana Glazer e Hannah Einbinder, bem como o vencedor do prémio Pulitzer Benjamin Moser.

Entre os signatários da carta aberta estão, ainda, o maestro israelita Ilan Volkov, o dramaturgo V (anteriormente conhecido como Eve Ensler), o comediante americano Eric André, o romancista sul-africano Damon Galgut, o jornalista e documentarista vencedor do Óscar Yuval Abraham, o vencedor do prémio Tony Toby Marlow e o filósofo israelita Omri Boehm.

Leia aqui a Carta Aberta:

Sua Excelência, Sr. António Guterres, Secretário-Geral da ONU, Presidentes, Primeiros-Ministros, Chefes de Estado, Representantes Permanentes nas Nações Unidas,

É com grande alívio que celebramos o cessar-fogo, a libertação dos reféns israelitas e dos prisioneiros palestinianos, e a esperança para que seja o fim das mortes, dos deslocamentos, da destruição e da fome em Gaza. No entanto, não há dúvidas de que este cessar-fogo é frágil: as forças israelitas permanecem em Gaza, o acordo não faz referência à Cisjordânia, às condições estruturais de ocupação e ao apartheid, e a negação dos direitos palestinianos continua sem solução.

Foi a pressão internacional que ajudou a garantir este cessar-fogo e é preciso mantê-la para garantir que ele permaneça. O cessar-fogo deve ser o começo, não o fim. O risco de retornarmos a uma realidade política de indiferença à ocupação e ao conflito permanente é muito grande. Essa mesma pressão deve continuar para que possamos alcançar uma nova era de paz e justiça para todos, palestinianos e israelitas.

A necessidade de reparação é muito anterior a 7 de outubro de 2023. Os crimes cometidos pelo Hamas e outras facções armadas naquele dia nos horrorizaram. As ações israelitas que se seguiram foram inconcebíveis. O que sentimos é um profundo pesar conforme se acumulam evidências de que essas ações serão julgadas como sendo compatíveis com a definição legal de genocídio. Enquanto isso, já vemos esforços para negar a responsabilidade e repetir o mesmo padrão de impunidade. Isso não pode acontecer.

Por isso, lançamos este apelo como judeus de todas as esferas, de todo o mundo. Reafirmamos nossa crença na universalidade da justiça e na aplicação justa e igualitária do direito internacional. Não nos esquecemos de que muitas das leis, tratados e convenções estabelecidos para salvaguardar e proteger toda a vida humana foram criados em resposta ao Holocausto. Essas garantias estão sendo violadas de forma implacável pelo atual governo de Israel. É necessário que os líderes israelitas sejam responsabilizados pelas graves violações do direito internacional. É hora de fazer todo o possível para acabar definitivamente com a punição coletiva dos palestinianos pelo governo israelita e buscar a paz para o bem de ambos os povos.

Como judeus e seres humanos, declaramos: não em nosso nome. Não em nome de nossa cultura, nossa fé ou nossa tradição moral. A escala monumental de mortes e destruição, o deslocamento forçado, a privação deliberada de necessidades básicas para a sobrevivência e as ações criminosas contínuas na Cisjordânia devem acabar e nunca mais se repetir.

É deplorável o facto de os líderes israelitas terem reiteradamente declarado à comunidade internacional que essas ações estão sendo cometidas em nome do povo judeu, como uma suposta manifestação de seu destino. O governo de Israel pode alegar que fala em nome da comunidade judaica, mas não fala por nós.

Essa afronta à nossa consciência coletiva não pode ser tolerada, ela deve ser combatida. Esses não são valores judaicos ou as lições que tiramos da história do nosso povo. Muitas vezes, vemos naqueles que defendem os direitos dos palestinianos um reflexo das pessoas que apoiaram os judeus em nossos momentos de necessidade. Nossa solidariedade com os palestinianos não é uma traição ao judaísmo, mas sim o exercício dos próprios valores que compartilhamos. Quando os nossos sábios ensinaram que destruir uma vida é destruir um mundo inteiro, os palestinianos não eram uma exceção.

Não descansaremos até que este cessar-fogo leve ao fim da ocupação e do apartheid. Escrevemos na esperança de que esta iniciativa incentive ainda mais a renovação do compromisso judaico de agir com consciência e compaixão. Trabalharemos com urgência para alcançar a igualdade, a justiça e a liberdade para palestinianos e israelitas.

Com esse objetivo, lançamos este apelo às empresas, sindicatos, sociedade civil e, especialmente, aos líderes e Estados-membros das Nações Unidas:

1 - Respeitar e cumprir as decisões do Tribunal Internacional de Justiça, incluindo sua aplicação na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental; cumprir os mandados de prisão emitidos pelo Tribunal Penal Internacional; e resistir a tentativas de pressionar, influenciar indevidamente e impedir a atuação de ambos os tribunais.

2 - Recusar qualquer cumplicidade nos crimes e violações contínuas do direito internacional contra os palestinianos por parte de Israel, incluindo o fim do fornecimento de armas e outros bens e serviços relevantes; exercer a pressão necessária, incluindo sanções específicas contra órgãos governamentais e indivíduos responsáveis por violações do direito internacional, e a suspensão das relações com entidades comerciais que contribuam para essas violações.

3 - Garantir que a assistência humanitária chegue a todos os palestinianos em Gaza na escala proporcional às suas necessidades básicas, que o bloqueio seja suspenso e os materiais para a reconstrução possam entrar, e que ocorra a retirada total das forças militares israelitas.

4 - Refutar falsas acusações de antissemitismo que usam a nossa história coletiva para desqualificar aqueles com quem nos unimos na busca pela paz e pela justiça.

Com profundo respeito e com o espírito da nossa tradição judaica compartilhada,

Jews Demand Action (Judeus Exigem Ação)

Foto: JWP/Facebook

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