Caso Paulo Rocha. PGR ‘escondeu’ pedido para levantamento da imunidade parlamentar do ministro como arguido na morte de Zezito Denti d’Oru
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Caso Paulo Rocha. PGR ‘escondeu’ pedido para levantamento da imunidade parlamentar do ministro como arguido na morte de Zezito Denti d’Oru

O procurador da República Vital Moeda exigiu, em 2022, o levantamento da imunidade parlamentar de Paulo Rocha para ser ouvido e eventualmente detido na qualidade de suspeito no “homicídio violento”, em 2014 na Cidadela, de Zezito Dento d’Oru por um grupo tático da Polícia Judiciária. Mas o Procurador-geral da República, que desmentira em comunicado oficial suspeitas sobre o ministro da Administração Interna nesse polémico caso, não só não fez as devidas démarches junto da Assembleia Nacional para a audição de Rocha, como afastou Vital Moeda do processo, nomeando Nilton Moniz que haveria de arquivar o caso pouco depois. Santiago Magazine reuniu documentos – inclusive a perícia portuguesa que não encontrou vestígios de ADN de Zezito Denti d’Oru na suposta arma que a PJ afirmou ter sido utlizada pela vítima no momento da abordagem para justificar legítima defesa – e áudios entre inspectores a negociarem o silêncio em troca de benesses, que escancaram a farsa, e revelam como actores judiciais supostamente vêm manipulando a justiça presumivelmente inserindo factos falsos em processos sob investigação, como, de resto, denunciados vezes sem conta por Amadeu Oliveira. Esses documentos poderão inclusive vir a servir na Audiência Contraditória Preliminar (ACP) solicitada pelos familiares de Zezito Denti d’Oru e na qual Paulo Rocha afigura como arguido.

 

Ponto prévio: quando, em dezembro de 2021, Santiago Magazine noticiou que a Procuradoria da República da Praia estava a investigar o actual ministro da Administração Interna e ex-director da Polícia Judiciária, Paulo Rocha - e outros elementos da PJ -, por alegado envolvimento no “homicídio agravado” de Zezito Denti d’Oru, o Procurador-Geral da República, Luís José Landim, veio a público desmentir a informação, garantindo, em comunicado oficial, que o ministro não estava a ser investigado e que o seu nome sequer aparece como testemunha. Por causa dessa notícia, a Procuradoria-Geral da República ordenou a abertura de instrução criminal contra o jornal e jornalista que assinou a peça, por indícios de prática do crime de violação de segredo de justiça. 

Já nessa ocasião, SM alertara para o facto de a PGR estar a faltar à verdade, já que os documentos de investigação liderados pelo procurador Ary Varela, que Santiago Magazine teve acesso, indicavam os nomes de todos os elementos da PJ envolvidos na operação que resultou no “homicídio violento” e o nome de Paulo Rocha aparecia à cabeça.

O PGR acabou por retirar o processo das mãos de Ary Varela, que em 2021, sete anos depois de permanecer engavetado no gabinete do procurador Ho Chi Minh Robalo, iniciara as investigações de facto, para então entregar, em Janeiro de 2022, o dossier do assassinato de Zezito Denti d’Oru ao magistrado do Ministério Público Vital Moeda, como novo instrutor.

Ora bem, novos documentos a que este diário digital teve acesso trazem informações que não foram consideradas ou, dito de outro, foram propositadamente camuflados e por isso preteridos dos autos.

Os factos: assim que tomou posse da titularidade da investigação à morte de Zezito Denti d’Oru, o procurador Vital Moeda, após analisar todo o dossier, emite um despacho de recepção dos autos apontando logo a abrir: “(…) investiga-se um crime de Homicídio Agravado, descrito e passível de pena nos termos dos artigos 122º e 123º, alínea a), todos do Código Penal. Os factos ocorreram em Outubro de 2014 e até à presente data (ndr 2022) não foi ouvido, nem constituído qualquer pessoa na qualidade processual de arguido, apesar das várias suspeitas que se logrou saber durante a investigação. No entanto, com o decorrer das investigações levadas a cabo, nomeadamente da audição de testemunhas e junção de documentos nos autos, começou-se a suspeitar da responsabilidade criminal de elementos da PJ, de onde se destaca o actual ministro da Administração Interna, o senhor Paulo Rocha, que poderão ter conduzido à morte dolosa do senhor José Lopes Cabral” (Zezito Denti d’Oru), um suposto assassino a soldo que estaria envolvido no assassinato a tiro de Isabel Carvalho, mãe da inspectora da PJ, Kátia Tavares, em Setembro de 2013.”

Ao sublinhar o nome de Paulo Rocha, o procurador Vital Moeda fez questão de ressalvar que o caso “deve ser esclarecido atento à gravidade dos factos e que o principal suspeito se trata de um ministro e deputado nacional. (…) Urge acelerar a Instrução”.

Moeda, dando início às diligências enquanto magistrado instrutor do processo junto do Departamento Central da Ação Penal, ordena à PJ o envio dos exames de perícia à arma Makarov encontrada na cena do crime e que supostamente pertencia à vítima Zezito Denti d’Oru e ainda exigiu que a PJ insistisse na resposta à carta rogatória enviada ao FBI para a inquirição da testemunha Adelino Semedo, residente nos EUA e que estava com Zezito Denti d’Oru no carro interceptado pela PJ na operação da Cidadela.

No caso de Paulo Rocha, sublinhou o magistrado do MP, a sua audição carecia de outras démarches legais. “É importante esclarecer, acima de tudo, a responsabilidade penal do senhor Paulo Rocha. (…) É preciso apurar se, de facto, o senhor Paulo Rocha, hoje ministro da Administração Interna, delineou um plano para assassinar o senhor José Lopes Cabral”. “No entanto, como é de ciência pública, o senhor Paulo Rocha é Ministro e Deputado da Nação. Nos termos dos artigos 170º e 199º da Constituição da República e artigo 12º da Lei nº 35/V/97 de 25 de Agosto, com alterações da Lei nº 98/V/99 de 22 de Março e Lei nº120/V/2000 de 5 de Julho, os deputados não podem ser ouvidos nem detidos sem autorização da Assembleia Nacional”, apontou o procurador, explicando que o pedido à AN para a audição de qualquer deputado pelo Ministério Público é feito “pela Procuradoria-geral”, que fará acompanhar a solicitação cópia das peças processuais.

É necessário, à cautela, caso não tenha o mandato suspenso, solicitar através da Procuradoria-geral da República, à Assembleia Nacional o levantamento da imunidade parlamentar do deputado Paulo Rocha para que ele possa ser ouvido na qualidade de arguido e ainda, atento à gravidade dos factos, que possa, em caso de necessidade e do avançar da investigação, ser detido para efeitos de aplicação de medida de coação no âmbito dos presentes autos dos quais se encontra suspeito da prática em autoria material e na forma consumada de crime de Homicídio Agravado”, exigiu Vital Moeda, solicitando também a audição de todos os efectivos da PJ que participaram na Operação da Cidadela, mas na qualidade de testemunhas.

Moeda pediu ao PGR, Luís José Landim, que “oficie com URGÊNCIA” essa diligência junto da Assembleia Nacional, fixando inclusive a data para ouvir o ministro e deputado Paulo Rocha em depoimento como arguido: 6 de Fevereiro de 2022, pelas 9 horas no DCAP.

Esta audição nunca aconteceu porque o PGR não fez as devidas diligências junto do Parlamento. Luís José Landim, tal como fizera com o procurador Ary Varela (acabou sendo constituído arguido sob acusação de violação do segredo de justiça e está suspenso de funções desde então), afastou Vital Moeda do processo, nomeando como novo instrutor o magistrado do MP, Nilton Moniz, que pouco tempo depois, ainda em 2022, ordenou o arquivamento dessa investigação justificando que a morte de Zezito Denti d’Oru foi em legítima defesa. (Iremos a esse despacho nos próximos artigos sobre o assunto)

ADN não condiz

A tese da legítima defesa tem por base uma suposta arma Makarov presumivelmente utilizada por Zezito contra os efectivos da PJ.

O problema é que não existem provas de que Zezito tenha feito qualquer disparo e, pior, que estaria na posse da tal Makarov. Exames de perícia feita à arma, pelo laboratório de polícia científica da PJ portuguesa, concluíram que não foram encontrados quaisquer vestígios de ADN de Zezito Denti’Oru nessa Makarov. As impressões digitais e outras marcas de ADN detectadas eram de diferentes pessoas, mas nenhuma coincidiu com o Zezito Denti’Oru. A PJ lusa pediu que fosse enviada amostras para poder identificar o ADN das pessoas que pegaram nessa arma, o que também não chegou a acontecer.

Sobre o disparo, a perícia deparou-se com uma contradição gritante: é que essa arma leva oito balas e no carregador estavam sete. Tivesse sido disparada, o carregador teria seis, já que outra bala seria engatilhada. Ou seja, não houve disparo da arma que a PJ afirmou pertencer a Zezito Denti d’Oru.

Nas investigações, o inspector Gersion Lima, com mais de 20 anos de casa, afirmou que a arma foi implantada pelos efectivos da corporação dentro do veículo de Zezito Denti d'Oru após o seu assassinato a tiro de metralhadora (26 balas o atingiram por todo o carpo, sendo uma no meio da testa, levando a suspeitas de execução).

Recorde-se também que, como noticiado por Santiago Magazine, em Fevereiro de 2022, o procurador da República Nilton Moniz, que assumiu o processo que investiga a morte de Zezito denti d’Oru, no lugar do afastado Vital Moeda, – e também a alegada fuga de informação de que este jornal e o seu director e redactor principal estão arguidos – foi às instalações da Polícia Judiciária para “pessoalmente escolher” a técnica de laboratório Adélcia Tavares para, sete anos depois, fazer a recolha de impressões digitais na suposta arma que a PJ disse ter encontrado na posse de Zezito no dia em que foi crivado de balas por elementos da polícia científica. O problema, visto pelas nossas fontes como uma eventual tentativa de manipulação de provas, é que essa perita já tinha deposto nesse mesmo processo por duas vezes como testemunha, logo uma incompatibilidade que viola de forma flagrante a lei, como reza o art.183º do Código do Processo Penal e o art. 205º do mesmo CPP.

Se quiser saber mais leia este artigo "Manipulação de provas? MP atropela lei e nomeia técnica da PJ que é testemunha no processo para recolher impressões digitais na suposta arma de Zezito Denti d’Oru", publicado por este jornal em Fevreireo de 2022.

Esses dados que Santiago Magazine traz a público - aliás, poderão ser utilizados na Audiência Contraditória Preliminar solicitada pelos familiares de Zezito Denti d'Oru e que ainda não tem data de realização - são parte de outros artigos que virão a ser publicados nos próximos dias por este diário sobre este caso de gravidade extrema, porque deixa perceber como a Justiça vem sendo manipulada, servindo a eventuais interesses políticos e grupos específicos. E para isso, como se pode notar nesta peça, recorre-se a supostas inserções de falsidades nas investigações.

O ministro Paulo Rocha sempre refutou essas acusações, afirmando tratar-se “de manobras bem montadas para manchar o seu bom nome, da Polícia Judiciária e do próprio Estado”. O titular da pasta de Administração Interna também descartou qualquer possibilidade de pedir demissão, porque seria uma forma “de se dar ouvidos e promover calúnias e o assassinato político das pessoas”. O próprio primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, quando foi confrontado na altura disse manter toda a confiança política no seu ministro.

 

 

 

 

 

 

 

 

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine

    Comentários

    • Casimiro Centeio, 26 de Set de 2025

      Não há juiz mais justo e mais seguro que o tempo. O tempo é o juiz implacável, revelará tudo a todos. Como disse alguém " " não basta que todos sejam iguais perante a lei. É preciso que a lei seja igual perante a todos ".

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    • Domingos Ramos Cardoso, 25 de Set de 2025

      A justiça deve ser justa. Uma justiça injusta fragiliza as estruturas democráticas, promove o descrédito das instituições e compromete o desenvolvimento do país.

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