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Feminicídio. “Mais um homem que mata mais uma mulher”
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Feminicídio. “Mais um homem que mata mais uma mulher”

Cabo Verde regista, apático, mais um caso de assassinato com motivações passionais. A Violência Baseada no Género (VBG), particularmente contra as mulheres, é recorrente no país. Não escolhe idade, estado civil e, muito menos, status social.

A VBG são todas as manifestações de violência física ou psicológica, que se traduzam em ofensas à integridade física, à liberdade sexual, coacção, ameaça, privação de liberdade ou assédio, assentes na construção de relações de poder desiguais, designadamente pelo ascendente económico, social, cultural ou qualquer outro, do agressor relativamente ao ofendido, considerando-se para o efeito, violência física, psicológica, sexual, patrimonial e assédio sexual (Lei Especial do VBG, 2011).

No quotidiano, quando os casais, namorados, amigados, se desentendem a solução mais comum é a violência, seja física, verbal e psicológica. Afirmações violentas são, assim, recorrentes nas relações de género, com frases detonantes como “se não ficas comigo, não ficas com ninguém”, “vou te arrebentar”, “um dia vou te matar”. Estas afirmações espelham um tipo particular de VBG, resultante de um sentimento de propriedade e de pertença principalmente do homem em relação à mulher, do controlo dos homens sobre as mulheres, e enquanto forma "naturalizado" de resolver diferenças e problemas nas relações íntimas e afectivas.

Todos os anos o país assiste a casos de “feminicídio”. Feminicídio representa a última etapa de um continuum de violência que leva à morte, evidenciando a predominância de relações de género hierárquicas e desiguais, e, geralmente é precedido de outros eventos violentos como abusos físicos e psicológicos (Bandeira, 2013).

Alguns lamentam e outros indignam-se, por breves momentos, mas logo tudo volta ao normal e às suas vidas. Porque já nada se pode fazer. O facto já está consumado. E quando se podia fazer, não se fez. A máxima popular aconselha que entre “marido e mulher não se mete a colher”. Outros, mostrando-se indiferentes, dizem que é apenas um caso. Mais um caso infeliz. E que ativistas sociais e de género exageram. Outros ainda que as estatísticas não estão certas. Na verdade nunca estão certas até o dia que acontecer com alguém que é próxima, amiga, ou parente.

O primeiro grande inquérito para mapear a questão da violência com base no género e identificar, em termos quantitativos, os tipos, as situações e os contextos de violência foi feito há muito tempo – e os dados já estão muito desatualizados. Esses dados oficiais do IDRS-II do INE em 2005, constataram que 21,5% de mulheres sofrem de violência, inclusive que 4,6% das mesmas já sofreram violência física durante a gravidez. Porém, as mulheres não são exclusivamente as vítimas da VBG.

Certamente, em resposta às situações de violência, também elas se transformam em agressoras, numa proporção que inclui 4% de mulheres agressoras-vítimas da VBG. Mulheres exclusivamente agressoras foram identificadas (2%), elas não são vítimas mas exercem a violência sobre os homens. Na maioria dos casos da VBG, o autor da violência sobre as mulheres são antigos maridos/companheiros (22,2%) e actuais maridos/companheiros (18,8%).

O recurso à violência física, emocional e sexual não constitui o único tipo de violência exercido sobre as mulheres. Os homens fazem recurso a outros mecanismos de controlo e dominação sobre as mulheres, como o ciúme, a falta de confiança, acusação de infidelidade.

Os dados (IDSR-II, 2005) demonstram uma proporção significativa de mulheres sofrendo situações de controlo e dominação, para 44,1% de mulheres os respectivos maridos/companheiros “sentem ciúmes se elas falarem com outros homens”, 42,7% “insistem em saber onde elas estão a cada momento”, 39,1% “não têm confiança na mulher quanto ao dinheiro”, 18,3% “não deixam a mulher conviver com outras mulheres/amigas” e 17,2% “acusam a mulher de infidelidade”.

É preocupante os dados relativos à aceitação da violência como uma situação “normal”, principalmente as mulheres residentes no meio rural (26%). Essa aceitação indica que, nesta batalha, muito trabalho deve ser feito e que a “luta” não está ganha.

A Lei Especial do VBG, uma das conquistas mais importantes para o país neste campo, caminha a passos largos para resolver a situação. Não que a legislação revolve o problema, mas concorre para uma tomada de consciência de que mudanças são necessárias para uma sociedade mais justa e mais igualitária.

Os processos amontoam nas secretarias dos tribunais, transitando, todos os anos, para o ano seguinte. Muitas vezes, enquanto os processos caminham para a prescrição, as vítimas já passaram a cadáver faz tempo. E as pessoas vão desacreditando, cada vez mais, na justiça dos homens.

Os outros instrumentos – casas de abrigo, reabilitação dos agressores, etc., – ainda não passam de intenções, de discursos. Enquanto o país fala, mais casos de VBG acontecem, muitos coroados de feminicídios. E mais homens matam mulheres!

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Redação