Parque de diversão radical na Serra Negra: empreendimento gera polémica
Economia

Parque de diversão radical na Serra Negra: empreendimento gera polémica

A promessa é de conjugar a aventura, o lazer, o desporto radical e o turismo de natureza. Mas a segunda fase do projeto Zipline, na Serra Negra (ilha do Sal), não caiu nas graças de muita gente e tem gerado uma onda de protestos nas redes sociais, sobretudo. Ambientalistas a nível nacional internacional e uma parte da população local têm levantado vozes contra, alegando que intervenções da dimensão deste empreendimento não são compatíveis com uma zona identificada como Reserva Natural. Pertencente à empresa Extreme Fly Cv, o projeto do Estudo de Impacte Ambiental encontra-se em consulta pública até o próximo dia 28 de junho na Direção Nacional do Ambiente, na Câmara Municipal do Sal e na Delegação do Ministério da Agricultura e Ambiente do Sal.

A primeira fase do Zipline foi concluída há cerca de um ano. Em plena pandemia a Extreme Fly CV abriu as portas para um mercado inovador na ilha do Sal: o turismo radical. Zipline ou tirolesa permite a descida da Serra Negra até a praia em alta velocidade por cabo aéreo de aço, numa extensão de pelo menos 800 metros.

Orçada em 600 mil euros, a fase I do Zipline tem capacidade para criar 35 postos de trabalho.

A sua abertura ao público aconteceu há cerca de um ano, mas só foi inaugurada oficialmente em janeiro de 2021 pelo vice-primeiro ministro Olavo Correia e Silva, que através das redes sociais enalteceu o projeto dizendo que Zipline “vem acrescentar algo de novo ao destino turístico da ilha”.

“É inovador! Combina o desporto radical à montanha, ao mar e ao sol, conseguindo vender ao mundo aquilo que de melhor o nosso país e a ilha do Sal têm a oferecer” escreveu na sua página de Facebook no início deste ano.

Antes disso, no ano passado, o projeto também recebeu as visitas do Primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva e do ministro do Turismo, Carlos Santos.

Durante a sua visita, o ministro do Turismo disse que Zipline é um projeto que “traz um produto de diversão turística para uma ilha muito dominada pelo mono produto que é Sol e praia” e que, por isso, vai de encontro com aquilo que o Governo e o seu ministério tem defendido para o Turismo cabo-verdiano.

Parque radical com 12 circuitos turísticos

Menos de um ano depois, a Extreme Fly CV almeja crescer e alargar a sua aposta no turismo radical na ilha do Sal. A empresa tem a intenção de avançar para a segunda fase do projeto, com a construção de um parque de 23,9 hectares, conforme consta do Estudo de Impacte Ambiental (EIA), já em consulta pública.

Orçado em três milhões de euros a segunda fase do Zipline visa “complementar o que já existe” com mais 12 circuitos turísticos e radicais: Percurso Aventura, Snack Bar, Pier Flutuante (passadeira), Fun Bob, Escorrega sem água, Balanço Humano, Estilingue Humano, Ponte Tibetana, Camping, visita a tartarugas, para além do zipline que já existe.

O percurso aventura consiste numa atração estática para turistas e crianças, que vão poder caminhar suspensos acima da água, através de uma estrutura criada para sustentar uma passarela. Lê-se no EIA , a que Santiago Magazine teve acesso, que toda a estrutura de cabos de aço e madeira natural é 100% removível. A passarela vai passar sobre o mar a uma altura de cerca de 1,5 metros e, portanto, não haverá contacto com a água.

O Estilingue Humano (Bungee Slingshot), outra grande novidade da segunda fase do projeto, é um tipo de lazer muito em voga na atualidade. Ele tem a sua base numa estrutura metálica fixa, que permite o lançamento horizontal do praticante, atingindo, pela propulsão da força de um elástico, velocidades de 100 quilómetros por hora em menos de um segundo.

O EIA destaca também a ponte tibetana como uma das grandes atrações, assim como escorrega sem água, que utiliza uma tecnologia muito avançada e moderna dos últimos anos, e ainda o Fun Bob, que a empresa descreve como uma atração para a toda a família, já que combina diversão com a exploração da natureza.

EIA garante: Empreendimento valoriza e protege a flora e a fauna

De acordo com o Estudo do Impacte Ambiental do projeto “as novas atividades a serem implementadas já existem em vários países no mundo, o que faz deste turismo o seu ponto forte para a preservação de ecossistemas e geração de rendas”.

Além disso, justifica, a implementação do projeto na Serra Negra não implica “qualquer extinção ou afetação significativa de espécies em termos de fauna e flora”. Pelo contrário, “prevê a sua proteção e valorização, através da proteção e revalorização do solo”.

O empreendimento, garante o estudo, também não diminui as formações geológicas e litológicas”.

Além disso, assegura o EIA, a sua implementação não afeta os aspetos culturais, patrimoniais ou arqueológicos e nem diminui os valores paisagísticos: “pelo contrário, promove a sua salvaguarda e preservação”.

E recomenda a sua aprovação. “O impacte ambiental do empreendimento sobre a envolvente natural e socioeconómico se revela ambientalmente viável, pelo que se recomenda a sua aprovação pelas entidades competentes, bem como a sua implementação”, conclui o EIA.

Ambientalistas discordam: Novo Parque ameaça a Reserva Natural

Todavia, os ambientalistas e agentes que lidam diretamente com o turismo e a preservação do meio ambiente têm outra opinião.

Publicamente, através das redes sociais, diversas ONG’s de cariz ambiental, cientistas e professores nacionais e internacionais, representando a grande parte da comunidade científica e de conservação ambiental de Cabo Verde, têm-se juntado para expressar a sua rejeição ao Zipline Fase II.

Para os ambientalistas o projeto “apresenta uma série de contradições, abusa no uso de qualificações totalmente subjetivas, carece de evidências científicas ou técnicas, utiliza dados desatualizados, ignora as referências ao valor natural do local, evitando usar as denominações de Reserva Natural ou Área Protegida, optando por expressões como zona Serra Negra – Santa Maria ou Cidade de Santa Maria - Serra Negra”.

Por outro lado, lê-se num comunicado a que Santiago Magazine teve acesso, “os promotores marginalizam o coletivo de guias de turismo, empresas prestadoras de serviços e o público em geral, que se beneficiam atualmente da Reserva Natural, declarando que ‘a implementação do projeto não interfere diretamente com nenhuma população’, alegando que a população mais próxima se encontra a sete quilómetros do local do investimento”.

Os ambientalistas lembram que a Serra Negra foi incluída na RNAP’s em 2003 devido a sua singularidade paisagística e geológica, e por ser um dos habitats mais importantes a nível internacional para a nidificação de aves marinhas como o Rabo-de-junco (Phaethon aethereus) e o Guincho (Pandion Haliaetus).

Além disso, justificam, na Serra Negra fica uma das principais praias do arquipélago para a desova de tartaruga caretta-caretta. Sem contar que é uma das importantes regiões, onde existem várias espécies de plantas endêmicas, algumas delas em risco de extinção.

É por isso que, frisam, em 2017 e com a participação da Direção Nacional do Ambiente, a Serra Negra foi identificada internacionalmente como uma área-chave para a biodiversidade, tornando-se um dos sítios que contribuem significativamente para a preservação da biodiversidade a nível global.

“Infelizmente, o EIA omite completamente ou menospreza estes dados”, lamenta o ambientalista Albert Taxonera, para quem o projeto Zipline Recreativo Fase II, propõe a privatização de cerca de 23 hectares da Reserva Natural (RN) de Serra Negra.

“Esta área inclui o principal acesso à Reserva Natural e grande parte da praia de desova da tartaruga-cabeçuda. A sua ‘privatização’ põe em causa os princípios das Áreas Protegidas de Cabo Verde e dificultará ainda mais a gestão das Áreas Protegidas, num momento em que o Governo está a buscar soluções nesta matéria”, sublinha.

Projeto não diversifica a oferta turística

Sobre a promoção de um “turismo diferente” bem como a “valorização das áreas protegidas”, Albert Taxonera, bem como os outros ambientalistas, mais uma vez discordam dos promotores do empreendimento. “Acreditamos que a valorização das áreas protegidas de Cabo Verde só acontece através de uma exploração sustentável do turismo de natureza, incluindo as atividades educativas, a observação de espécies e o uso tradicional e sustentável dos recursos”, salienta.

Para os ambientalistas, a valorização da Reserva Natural da Serra Negra passa pela observação da paisagem singular, a interpretação geológica e a observação de espécies únicas como as plantas endémicas, a tartaruga-cabeçuda e as aves como o rabo-de-junco ou o guincho.

“As atividades propostas neste projeto, como muito bem descreve o EIA, já existem em vários países do mundo, pelo que não ajudarão na diversificação do turismo, mas apenas na incrementação da oferta de atividades”, critica.

Os defensores do ambiente propõem que as atividades de atração turística sejam voltadas para exploração dos recursos únicos e exclusivos de Cabo Verde, que não existem nos países emissores de turistas.

“É assim que conseguiremos diversificar o turismo e valorizar as Áreas Protegidas”, acreditam.

A empresa Extreme Fly CV


Esta reportagem tentou, por diferentes vias, chegar à fala com os investidores, mas fomos informados que se encontram neste momento no estrangeiro e que só regressam ao Sal no próximo mês.

Dizem ainda na mensagem enviada a esta redação, que o dono da Zipline “tem de pensar se continua a investir e a acreditar em Cabo Verde”.
Santiago Magazine promete voltar ao assunto assim que conseguir obter um posicionamento da empresa Extreme Fly CV.

 

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