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Que mensagens se escondem por detrás dos últimos fenómenos criminais na Cidade da Praia e por quê não devemos ignorá-las?
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Que mensagens se escondem por detrás dos últimos fenómenos criminais na Cidade da Praia e por quê não devemos ignorá-las?

Como escreveu alguém, é preciso mais “rigor no processo de recrutamento dos potenciais agentes da PN”. Digo mais, urge, igualmente, o acompanhamento efetivo e devido desses profissionais, por forma a, precocemente, se identificar e, quiçá, corrigir comportamentos e aspetos que poderão perigar o desempenho ideal das funções e o bom nome da Instituição – de todos nós.É imprescindível, sublinho, a realização de testes periódicos e aleatórios para a detecção de substância psicotrópicas (DROGAS) nos operacionais da corporação. Embora seja um assunto, ainda, tabú e, em certa medida, uma verdade inconveniente, o fato é que há consumo destas substâncias no seio da corporação, sendo que alguns apresentam um estado problemático de consumo. Por experiência própria, sei que muita “boa gente” não imagina o que um dependente de drogas é capaz de fazer para ter o “produto” ou os meios para o obter

A criminalidade, por razões sobejamente conhecidas, constitui um fenómeno relativamente complexo e que, por isso, tem sido motivo de preocupação, do político ao cidadão comum, nos tempos atuais. Infelizmente, sido motivo de estudos e debates entre os entendidos na matéria, por forma a se encontrar uma resposta eficaz para o seu enfrentamento e mitigação (por mais que se diga o contrário), a partir da compreensão dos fatores que lhe estão verdadeiramente na génese.

Ciente da complexidade e do déficit, já referidos, nos comprometemos, por isso, em trazer a nossa modesta contribuição, com reflexões simples, porém embasada em estudos e em evidências, por forma a aclarar alguns aspetos importantes e, amiúde, menos visíveis deste fenómeno e a permitir a sua compreensão ao público em geral.

Viver em sociedade, nos dias de hoje, significa viver entremeio a riscos, a incertezas e angústias. Também, não podemos negar que somos parte de uma sociedade de conhecimento, que deverá ser a nossa maior arma para fazermos face aos graves problemas sociais que nos afligem individual e colectivamente. De entre outros tantos, ressalta o fenómeno criminal e a insegurança que lhe está atrelada.

Não há um único dia em que não acontece, mesmo que não tenha merecido a devida atenção noticiosa e/ou não tenha sido divulgado nas redes sociais, um “caço-bodi”, um assalto à residência, uma violação, um homicídio, entre tantos outros crimes. Estes acontecimentos deixaram, por isso, de nos ser estranhos, principalmente nós que somos desta urbe capitalina. De certo modo já nos habituámos, diga-se, com a abundância destas ocorrências criminais, cada vez com mais requinte de profissionalismo, de barbárie e despidas de pudor. Por conta disso, há um clamor uníssono para o seu eficaz enfrentamento e, finalmente, a sua resolução. Tarefa que não se tem revelado fácil e nem bem-sucedido, porquanto, à mim parece, não se tem investido em estudos aturados que possibilitem o melhor conhecimento do fenómeno no nosso país e, particularmente, na cidade da Praia.

É fundamental, no entanto, evitar os extremismos: não dramatizar muito e nem desvalorizar em demasiado.

Maurice Cusson, professor de criminologia da universidade de Montreal e escritor, já dizia que “só pelo conhecimento se pode evitar a criminalidade”. É este mesmo conhecimento que, não haja dúvidas, nos capacitará para o seu enfrentamento. Desde logo, com o engenho do “bem-saber-ler” as (úteis) mensagens que subjazem nas entrelinhas deste fenómeno.

A mensagem básica, percebida primeiramente por Émile Durkheim, é de que a “criminalidade não é sempre um mal.” Pois, sendo parte indissociável à condição da vida social, o fenómeno criminal é, antes de mais, o reflexo da “sociedade” que o comporta. E que o criminoso, afinal, não é um elemento estranho ao seu meio social. Ou, por outras palavras, “a sociedade tem os crimes e os criminosos que cria e que merece.”

Perceber isto, à priori, é elementar. É fonte de conhecimento. E agir com base neste conhecimento, torna-se um imperativo fundamental.

Constitucionalmente (e materialmente), a função primordial da nossa Polícia Nacional (PN) é “prevenir a criminalidade e garantir a segurança e a tranquilidade pública”. Ora, quando operacionais desta mesma Instituição Pública, de capital relevo na prevenção e combate ao crime e na garantia da segurança dos cidadãos, no exercício desta nobre função, que se deve pautar por princípios e valores “sagrados”, reiteradamente estão implicados em ações delituosas graves, significa que algo vai mal. Extremamente mal. Então, é preciso, urgentemente, descortinar e descodificar as mensagens que lhe estão latentes.

Como escreveu alguém, é preciso mais “rigor no processo de recrutamento dos potenciais agentes da PN”. Digo mais, urge, igualmente, o acompanhamento efetivo e devido desses profissionais, por forma a, precocemente, se identificar e, quiçá, corrigir comportamentos e aspetos que poderão perigar o desempenho ideal das funções e o bom nome da Instituição – de todos nós.

É imprescindível, sublinho, a realização de testes periódicos e aleatórios para a detecção de substância psicotrópicas (DROGAS) nos operacionais da corporação. Embora seja um assunto, ainda, tabú e, em certa medida, uma verdade inconveniente, o fato é que há consumo destas substâncias no seio da corporação, sendo que alguns apresentam um estado problemático de consumo. Por experiência própria, sei que muita “boa gente” não imagina o que um dependente de drogas é capaz de fazer para ter o “produto” ou os meios para o obter.

Por uma questão de segurança do próprio país é fundamental que os gestores das Instituições que zelam pela nossa segurança estejam atentos e tenham em linha de conta e de preocupação as mensagens do crime organizado moderno: os seus tentáculos estão em todas as áreas de atividades.

É hora de deixarmos o “amadorismo” e de ultrapassar esta inércia perigosa de acreditar que “certas coisas” não nos acontecem.

Desta primeira “situação”, sem extremar, no entanto, ao ponto de querer sugerir no sentido de uma alteração drástica, salta à vista, todavia, que modificando simplesmente certas “condições” é possível prevenir certos comportamentos criminosos.

Uma outra “situação” diferente, contudo não menos preocupante, é o drama de uma mãe impotente, aflita e em desespero que recorre à Comunicação Social para denunciar um fato criminoso hediondo praticado contra a sua filha menor, na expetativa de merecer a atenção devida por parte das autoridades competentes. Porque, segundo ela, a (não) atuação das autoridades não lhe dá garantias de justiça para o seu caso. O que lhe fica, claro, é o sentimento de “não-justiça”.

A leitura primária que resulta desta última situação, também do conhecimento público, é que, afinal, as Instituições, com incumbência-mor de dar a devida resposta e de apoiar em casos do género, não fizeram convenientemente o seu papel. Denota-se, diferentemente do que se propala, uma medonha falta de articulação entre estas Instituições, o que agrava, mais ainda, a situação da(s) vítima(s), pela exagerada  e desnecessária exposição pública.

Precisamos de mais seriedade e de mais compromisso com as nossas responsabilidades públicas. São vidas, são dignidades que ficam à mercê de inoperância de “alguém” e, infelizmente, impunemente. Basta de anunciar “serviços” e “redes” que não funcionam ou que não existem objectivamente.

Até quando?

Mas, ainda vamos a tempo de melhor, de fazer diferente. As vítimas destes crimes hediondos agradecem. Contudo, urge mais celeridade para que os prevaricadores não se sintam impunes e encorajados em continuar a molestar menores indefesos.

Estes dois casos são paradigmáticos e que nos interpela a uma maior atenção ao fenómeno criminal e às suas subtis e úteis mensagens. Muitos mais casos poderiam ser aqui explorados e indicados como exemplos. É urgente rever “Políticas” e acertar ações de respostas das diversas Instituições com responsabilidades na matéria.  

Hoje, felizmente há conhecimentos – o bastante – para isso. E o país deve regozijar-se com os meios e profissionais competentes na matéria, aptos para “lerem” e “compreenderem” estas mensagens, subtilmente, deixadas como rasto da criminalidade no nosso país. Profissionais capazes de contribuírem para que respostas eficientes e eficazes sejam engendradas e direcionadas ao fenómeno da criminalidade. Porém, em muitos casos estes “competentes profissionais” ou são preteridos e ignorados ou estão fora das suas áreas de conhecimento, que, todavia, são ocupadas por outras, cuja competência técnica se duvida.

E em continuando assim, vamos produzindo e multiplicando estes crimes e estes criminosos, para o desassossego e desespero das nossas gentes. 

*Licenciado em Criminologia e Segurança Pública

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