O que leva um jovem com dinheiro, talento e carreira profissional interessante a envolver-se em complicações com armas, acusações de sequestro e atribulações afins? Esta é história de Rúben Semedo, jogador de origem cabo-verdiana detido esta semana pela polícia espanhola.
O Villarreal destacou-se nas últimas temporadas por acertar sucessivamente na contratação dos seus defesas centrais. Musacchio, que chegou do River em troca de 2 milhões de euros, foi vendido este verão ao Milan por 18. O jovem Eric Bailly passou para o Manchester de Mourinho por 38 milhões, quando tinha custado apenas 5,5. Com estes precedentes, o Villarreal esperava que Rúben Semedo fosse a sua grande aposta quando decidiu investir 14 milhões de euros para o transformar no defesa mais caro da história do clube.
Infelizmente, a sua participação na equipa de futebol foi episódica por causa das lesões sofridas (apenas quatro jogos do campeonato e com actuações muito polémicas), ainda que pior tenha sido o seu dia a dia fora das quatro linhas, resultando no facto de os únicos títulos que protagonizou terem sido nas páginas de polícia dos jornais espanhóis.
No Villarreal existiam desde os primeiros meses indícios de uma vida desordenada, pouco profissional e com reiteradas saídas noturnas, embora não se tivesse metido em casos tão graves como agora. Em Valência começou a ser conhecido o seu amor pelas saídas à noite. O jogador preferiu viver na luxuosa urbanização Torre en Conill, na localidade de Bétera, onde a seu tempo viveu o defesa português Ricardo Costa. O facto de estar na província de Valência e a 70 quilómetros de Vila-real afastou-o do local de trabalho e deixou-o muito mais próximo dos grandes centros de lazer e festa da capital. O clube chamou-o à atenção e avisou-o de que tinha de mudar de vida. Chegou mesmo a dizer-lhe que se mudasse para Vila-real e que mudasse de companhias. Esse foi um momento-chave e Rúben pôde escolher o seu destino e possivelmente o futuro da sua vida e da sua carreira como futebolista. Semanas depois começavam os primeiros incidentes graves.
A última queixa das três que Rúben Semedo teve levou o jogador a ser detido nos calabouços da Guarda Civil de Valência à espera de ser apresentado a um juiz. No passado dia 12, uma pessoa chegou a uma esquadra de polícia para fazer queixa de Semedo e outros dois homens que a teriam amarrado, agredido e sequestrado na casa do próprio futebolista. Depois de ser imobilizado e fechado num quarto, tiraram-lhe a chave de casa para presumivelmente a assaltar. O homem também declarou que um dos agressores tinha feito dois disparos de pistola para o intimidar, se bem que não o tenham atingido.
O incidente ocorre depois de no passado dia 19 de novembro o futebolista ameaçar com uma pistola um empregado de uma discoteca, na sequência de uma discussão. Perto das 8h30, o defesa do Villarreal assaltou no parque de estacionamento o empregado, apontando-lhe a pistola e ameaçando-o de voltar se ele fizesse queixa. Por este caso, o Ministério Público espanhol pede dois anos de prisão. Mas a sua primeira agressão remonta a 28 de outubro do ano passado, quando, de novo à porta de uma discoteca e às seis da madrugada, agrediu um jovem com uma garrafa de vidro.
A preocupação é grande no Villarreal. É um clube tranquilo, de uma pequena localidade e nunca teve graves problemas mediáticos. O seu presidente, Fernando Roig, é intransigente na defesa da imagem do clube e não pactuou com os incidentes de Semedo. Se o futebolista continua hoje no Villarreal é por duas razões: porque ainda não há uma sentença transitada em julgado e porque o clube pagou muito dinheiro por ele. Se Semedo tivesse custado só um ou dois milhões de euros, com certeza que já não jogava no Villarreal.
No clube estão muito zangados com o jogador e sobretudo dececionados. Há umas semanas, os dirigentes tiveram reuniões com Semedo em que este assegurou que a sua atitude iria mudar radicalmente. Por isso, este novo caso provocou uma mudança nos acontecimentos e a perda total de confiança no jogador. A intenção é procurar uma saída e recuperar parte do investimento, mas o clube não descarta a rescisão do contrato, assumindo a perda de 14 milhões. Mesmo muitos companheiros de balneário já perderam a confiança em Semedo.
O clube emitiu um comunicado para mostrar a sua “máxima preocupação” e anunciar a abertura de um “inquérito para investigar o ocorrido”. Afirmou que vão ser tomadas “as medidas disciplinares oportunas com o máximo rigor e contundência face à gravidade dos factos”. Por recomendação dos advogados do Villarreal, optaram por não fazer declarações enquanto o caso estiver em aberto e não houver uma decisão. Porém, os dirigentes do clube não estão parados e trabalham para encontrar uma solução rápida. O futuro de Semedo não estará no Villarreal e certamente em nenhum clube da liga espanhola. Com estes antecedentes, dificilmente os espanhóis apostarão nele. De qualquer modo, o seu primeiro problema é com a justiça, porque a ameaça de uma pena dura é real.
No dia em que assinou pelo Villarreal, falei com Natxo González, que foi seu treinador no Reus, onde jogou emprestado aos 19 anos: “Era a primeira vez que saía de casa e tinha a natural imaturidade. Era muito competitivo e tinha um carácter forte, até nos treinos. Tive várias conversas com ele e às vezes acabava a chorar como uma criança e a pedir perdão. Era bom miúdo, tinha um grande coração. O Semedo tem condições para ser o que quiser no mundo do futebol”. O próprio futebolista assegurou na altura que afastar-se do seu complicado ambiente juvenil o ajudou naquela época. O mesmo ambiente de que não foi capaz de fugir desta vez e que o levou a escolher o caminho errado. Semedo saiu do seu bairro, das companhias, mas o bairro não saiu dele. E levou-o à derrota. Uma pena, Rúben.
expresso.pt
Comentários