Stribilin (29ª parte)
Cultura

Stribilin (29ª parte)

CXLII CENA (continuação)

As Doutoras, Mónica e Rosária, encontram-se reunidas na mesma sala.

Fizeram muito bem. O que aqui se denota, resume-se, tão simplesmente, num fracasso invulgar e que se traduz, grosso-modo, na tentativa de escapulir das responsabilidades depois de um crasso e horripilante quiproquó, quiçá, num crime medonho emanado e perpetrado pelas incúrias da Procuradoria de Santa Cruz e dos Inspetores da Secção Criminal da Polícia Judiciária na cidade da Praia. Não obstante as razões racistas que, cumulativamente se vêm associadas a um desmazelo latente, porém, sistémico a todo o processo, urge a necessidade de implementar um estudo profícuo quanto ao comportamento do magistrado detentor do jus puniendi, pela inércia que, sumariamente, traduz-se em denegação da justiça pelo facto de que se está a querer trilhar caminhos que não sejam os da busca da verdade real dos factos. Aliás, vê-se que existe uma mórbida e reiterada prática, um desleixo perene e amiúde no sistema judiciário cabo-verdiano. (Levanta a cara e pergunta) Quantos processos disseste que tinhas em mãos para resolveres?

DRA. ROSÁRIA – Onze processos, supostamente de homicídio. E como já tenho algumas procurações, vou precisar da tua imprescindível ajuda. Por isso, penso constituir-te minha assistente.

DRA. MÓNICA – Aceito com muito grado. Podes contar com o meu total apoio.

DRA. ROSÁRIA – Muito obrigada.

DRA. MÓNICA – Esses processos ocorreram no espaço de quanto tempo? Há quantos anos ocorreu o primeiro caso?

DRA. ROSÁRIA – Há pouco mais de duas décadas.

DRA. MÓNICA – E nunca se suspeitaram de alguém?

DRA. ROSÁRIA – Houve sempre suspeitos. Mas em caso algum foram ouvidos por além do primeiro interrogatório. Pelo menos, cerca de um ano e tal antes da execução do Edmilson, um ex-emigrante em França, havia sido morto com 11 tiros de um revólver de calibre 38 mm, à porta da casa do Edmilson. E segundo dizem, Edmilson foi o primeiro a chegar ao local e abeirar-se da vítima.

DRA. MÓNICA – Terá ele visto, ou sabido algo que não devia?

DRA. ROSÁRIA – Vamos lá chegar. A vítima havia já apresentado várias queixas no Tribunal de Sta. Cruz, contra um familiar, devidamente identificado, em como lhe ameaçava, inclusive, de morte. Poucos meses depois da consumação desse crime, o familiar, ab initio denunciado, foi surpreendido na posse de um revolver do mesmo calibre, no interior da sua viatura, no decorrer de uma operação stop levada a cabo pela Polícia Nacional de Santa Cruz. Entretanto, se a vítima levou 11 tiros, o suspeito levou um TIR disparado pelo Tribunal de Santa Cruz. E encontra-se a viver nos Estados Unidos da América, possivelmente a financiar os seus pupilos que por aqui se encontram encalhados nas ondas da padjinha, cocaína, heroína e grogue-fede.

DRA. MÓNICA – Nota-se que aqui há um desfasamento da Moral… um desprezo pelas pessoas, pela vida humana que é uma coisa impressionante.

DRA. ROSÁRIA – Absolutamente. E respondendo à tua pergunta, tudo indica que Edmilson terá dito coisas inconvenientes ao amigo da paródia nessa noite que para ele estava designada como a derradeira. E este, certamente terá comunicado aos familiares do suspeito que, imediatamente, acionaram mecanismos para a liquidação do atrevido e papiador Edmilson Tavares.

DRA. MÓNICA (estupefacta, bate a mão na testa) – Sabes uma coisa?

DRA. ROSÁRIA – O quê?

DRA. MÓNICA – O Edmilson foi o primeiro a abeirar-se do homem baleado. Certo?

DRA. ROSÁRIA – Certo.

DRA. MÓNICA – Lembro-me agora de umas cogitações com as quais a minha mãe sempre me exortava.

DRA. ROSÁRIA – Quais?

DRA. MÓNICA – Papiador ta sapadu língua…

DRA. ROSÁRIA – Ao Edmilson cortaram-lhe a língua… sim.

DRA. MÓNICA – Algen bóka lebi ta rinkadu denti

DRA. ROSÁRIA – Arrancaram-lhe quase todos os dentes e, conforme se crê, enquanto ainda vivo.

DRA. MÓNICA – Kenha ki ta odja dimás ta fradu odju

DRA. ROSÁRIA – Também furaram-lhe os olhos…

DRA. MÓNICA – Ki ta anda dimás… ki ta bai kau ki e ka devia, ta podu solta na pé… ta sapadu pé.

DRA. ROSÁRIA – Não precisas dizer mais nada. Também serraram-lhe um pé…

DRA. MÓNICA – O homem que fala demais não pode ter tomates sustidos pelas cuecas. Não pode ter colhões. É mulher. As mulheres é que falam demais.

DRA. ROSÁRIA – Olha que eu não estava a ponderar essas questões! Na verdade, prutxiram e esmagaram ao coitado os testículos!

DRA. MÓNICA – Então não pode haver dúvidas de que a sua morte foi encomendada. De que foi um crime, uma execução habilmente organizada, um crime premeditado, perfeitamente arquitetado, orquestrado e executado milimetricamente. Com performance de um exímio profissional e criminoso de altos quilates.

DRA. ROSÁRIA – Como cá a sociedade é na sua maioria católica-cristã, também se vem especulando a crença de ritual satânico nesse imbróglio todo.

DRA. MÓNICA – Ritual satânico… como assim?

DRA. ROSÁRIA – Embora seja ateia, não acredito em diabo nem em santos, não me deixo de ficar inquieta. Estão a dizer que lhe serraram o pé para evitar que o finado venha. Que cortaram-lhe a língua para que, mesmo que o finado tenha vindo, não falará e não dirá quem o matou. Assaltaram o cemitério e vandalizaram a sua campa. Deixaram lá um amuleto e escarraram na cara da sua fotografia que na campa ostentava. Por isso, todos se crêem que foram lá pôr feitiço para que a justiça não aja e os verdadeiros criminosos não sejam descobertos.

DRA. MÓNICA – Nada disso. Simplesmente essa barbaridade foi perpetrada pelos profissionais experientes, frios e metódicos. E que sabiam de que a justiça nunca ria ser feita por que havia já um relatório que atestava a morte de um Mandjaco.

DRA. ROSÁRIA – É por isso mesmo. E se conseguissem atravancar para que o espírito do falecido não viesse dizer quem o matara, mais tranquilos ficariam. Santiago é terra de finados.

DRA. MÓNICA – Nada disso, minha amiga. Finado não existe. Não me disseste que era ateia?

DRA. ROSÁRIA – Mas confesso que estou a ficar confusa. Por que é que ainda não se fez justiça?! Está tudo parado, como se fosse um cão vagabundo que morreu! Há evidências claras. No puzzle estão sulcados todos os perfis dos criminosos. É só querer, chegar e prendê-los. Não o fazem, porquê? Há provas mais de que consistentes que desmistificam a tese da queda acidental e de que o cadáver estaria em avançado estado de decomposição.

DRA. MÓNICA – Iremos reportar tudo isso no processo. Temos que desamarrar, com argumentos e não com crenças, esse ruidoso silêncio das autoridades.

DRA. ROSÁRIA – Se na noite imediatamente anterior ao aparecimento do seu cadáver na lixeira ele comprou uma tigela de sarabulho à uma vizinha… esteve a beber e a pagar cervejas ao colega, perante mais do que uma dezena de pessoas, como será possível que apareça morto no dia seguinte, pelas 9h00, já completamente pútrido?

DRA. MÓNICA – Exatamente. Como será possível, nesse curto lapso de tempo, o corpo estar já em total decomposição?

DRA. ROSÁRIA – Temos várias fotografias do cadáver, feitas de vários ângulos e em posições diversificadas. Pode-se constatar que o cadáver não deitava pus, a barriga estava lisa, inclusive, conserva intacta a coloração da sua pele.

DRA. MÓNICA – Tens aqui as fotografias?

DRA. ROSÁRIA – Tenho! (Dá-lhe um envelope A4) Podes verificar que o corpo não esta pútrido, nem está coberto de pó.

DRA. MÓNICA – Até a carne do pé que lhe serraram, vê-se claro que foi com o uso de uma rebarbadora, está vermelhinha, e o tutano dentro do osso mantém intacta a cor rosada. Portanto, com essas são provas, estamos em condições de evidenciar que a médica legista não cumpriu com o seu dever legal. Não se abeirou, em momento algum, do cadáver. Se o fizesse, certamente constataria que o corpo não deitava pus, que não cheirava fede e que, consequentemente, não estava pútrido. A autópsia não foi feita.

DRA. ROSÁRIA – Por isso que te disse. Julgando-se tratar de um Preto Mandjaco, cheirando fede, não se ia dar ao trabalho de inalar o odor de um Preto sem prakenha. Por isso, nada fizeram para a descoberta da verdade, senão, fabricar um putativo relatório em como a causa da morte teria sido queda acidental. E ao concluir-se que o Mandjaco, na verdade, não o era, mas sim, cabo-verdiano e que os familiares exigiriam saber a verdade, as autoridades só tinham que atrapalhar-se e trabalhar numa única direção: na destruição de tudo e de qualquer prova que as pudesse incriminar.

DRA. MÓNICA – As incongruências nas palavras da médica legista é de uma gravidade tal, de uma irresponsabilidade tão desapiedada… tão sovina que não pode ficar impune. Não tocou no cadáver do Edmilson simplesmente por desprezo e estereótipo que, infelizmente, muitos ainda nutrem contra os Pretos, contra os nossos irmãos da África.

DRA. ROSÁRIA – É por isso que vou-me insistir na exumação do cadáver e na realização da autópsia.

DRA. MÓNICA – Força, amiga! Estamos juntas! As autoridades ter que vislumbrar a necessidade de uma investigação… da aplicação da verdade real dos factos. O julgador, bem como todos os operadores do Direito, devem utilizar, essencialmente, de todos os meios disponíveis para solevar a verdade real dos fatos.

DRA. ROSÁRIA – Absoluta verdade. Diferente da realidade meramente formal, aquela que se levanta dos autos processuais, a verdade real é a que se aproxima, ao máximo, dos eventos que ensejaram o cometimento do delito.

DRA. MÓNICA – É oportuno salientar que o princípio da verdade real fornece meios para que o julgador elenque diligências no sentido de levantar informações essenciais para o deslinde de litígios, permitindo que o mesmo saia de sua legal inércia e promova, ainda, investidas no sentido de alcançar informações, como a necessidade de se trazer para os autos processuais o que de facto terá ocorrido.

DRA. ROSÁRIA – É precisamente isso que não está a acontecer. Ora, observando a verdade real dos fatos, estar-se-ia a respeitar os princípios que devem nortear todos os operadores do Direito. O julgador quando aplica a pena ou apura os factos, deve buscar, ao máximo, o que aconteceu no fatídico dia do cometimento do delito, analisado nos autos do processo, ou seja, deve existir o sentimento de busca do julgador, o magistrado deve detetar outras fontes de prova, uma vez que só assim se atinge a verdade real, tão perquirida entre os processualistas.

DRA. MÓNICA – Vê-se que existe uma tremenda falta do rigor no sistema, um monstruoso desrespeito aos Princípios. E alguém havia já dito, que Princípio é o mandamento nuclear de qualquer sistema. Seu verdadeiro esteio, disposição basilar que se esparge sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua rigorosa intelecção, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tónica e lhe dá o sentido harmónico.

DRA. ROSÁRIA – É o conhecimento dos Princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.

DRA. MÓNICA – E a verdade real, em polifonia à verdade formal, é princípio relevante do Processo Penal. Pois, determina que o facto investigado no processo deva corresponder ao que está fora dele em toda sua amplitude, sem quaisquer artifícios, sem bazófias ou fingimentos, enquanto a verdade formal é aquela que se erige do processo, embora por vezes não tenha ligação direta com a verdade real dos factos, em sua mais meticulosa apuração.

DRA. ROSÁRIA – Pois, é. A verdade material disponibiliza mais meios para conseguir o esclarecimento dos fatos. Por isso, ignorar a investigação de um facto, é mais do que um erro crasso.

DRA. MÓNICA – Dizia o filósofo Emmanuel Kant, que ser Livre é ser Moral. E que ser Moral é fazer o certo e respeitar a lei do dever. Ser Livre e Moral é respeitar de modo absoluto a capacidade de autodeterminação, sendo sua ou do outro.

DRA. ROSÁRIA – Oh, Mónica! Moral?! É uma coisa que nesta terra não existe. Existe, sim, uma cultura de falcatruas e mentiras, de ódios e revanchismos, maldade e bazofiaria que metem nojo até aos ratos nos buracos das paredes.

DRA. MÓNICA – Tens razão! Cá não se faz justiça. A lei que aqui impera é a corrupção e o impudor. Até no parlamento, quando um acusa o outro de não ter feito o que prometera nas campanhas, este não o desmente. Não diz que fez, ou para chamar o outro de mentiroso. Diz-se sempre: - Tu também não fizeste quando lá estiveste! – E o povo… finge-se que nada ouviu!

DRA. ROSÁRIA – Fala-se muito de Liberdade, entretanto não há justiça. E onde não há justiça não existe liberdade. Existem sim: conflitos.

DRA. MÓNICA – Isso translada-me para os tempos idos e faz-me revisitar Atenas, onde enquanto bradavam democracia, os cidadãos eram ostracizados e condenados à morte.

DRA. ROSÁRIA – Existe uma cultura da mentira, do engano e do suborno. Usam tanto o palavreado democracia, mas o povo ignorante, que nem sabe o que isso significa, vota e elege o seu próprio Thug.

DRA. MÓNICA – Mentem tanto, e de tal forma compulsiva que já nem eles se notam ou acreditam que mentem. E Kant dizia que Mentir é um despeito a lei do Dever, é imoral mesmo que seja pra salvar sua própria família.

DRA. ROSÁRIA – Mentem nas palavras e nos atos, até nas coisas que escrevem. Pode-se ver, por exemplo, num edifício aqui no Platô, uma placa com a inscrição ACLOP (Associação dos Combatentes da Liberdade da Pátria). Isso é uma autêntica falácia.

DRA. MÓNICA – Falácia porquê? Não são, efetivamente, os homens que lutaram pela independência do país?

DRA. ROSÁRIA – Lutaram pela independência, sim. Pela Libertação do País. Mas pela liberdade não.

DRA. MÓNICA – Já não estou a perceber. Qual é a diferença?

DRA. ROSÁRIA – Libertação da Pátria é tirar o país do jugo estrangeiro. E liberdade é o respeito que se deve ter pelo direito dos outros em proporção ao que se exige a si. Tanto que há quem diga que a liberdade e a democracia só foram instituídas 15 anos após a independência, como se, neste momento, há liberdade.

DRA. MÓNICA – Tens razão. Vejo que aqui, a liberdade e o arbítrio dos poderosos continuam, enquanto a liberdade dos outros são nuclearizadas. E uma ação só é justa quando há respeito e não conflito. Por isso, acho que essas situações devem ser reportadas ou denunciadas às Organizações Internacionais, sim. Direitos Humanos, Amnistia Internacional, Tribunal Penal Internacional, CDEAO, PALOP, CPLP, ONU, etc.

DRA. ROSÁRIA – Oh, minha amiga! Aqui tudo está no papel bonitinho, apenas para pulverizar as estatísticas dessas Organizações. Mas, na verdade, a distância que vai do papel à prática é abismal. É tão colossal.

DRA. MÓNICA – Concordo piamente.

DRA. ROSÁRIA – Há poucos anos, a Polícia Judiciária executou um homem à queima-roupa, supostamente por ser o autor material do assassínio da mãe de uma Inspetora dessa incorporação. Entretanto, soube-se depois, que o indivíduo executado, à altura do crime, estava em Portugal.

DRA. MÓNICA – Credo, meu Deus! O Ministério Públio não mandou abrir um inquérito?

DRA. ROSÁRIA – Nada. Nunca mais se falou do caso. Ao homem que morreu só lhe fizeram uma coisa: entregaram-no à família que o enterrou.

DRA. MÓNICA – Então matar em Cabo Verde é assim tão simples?

DRA. ROSÁRIA – Não só matar. Pode-se verificar que nas cadeias estão muitos Thugs, mas não está nenhum ladrão ou corrupto. Numa terra onde até um avião foi confiscado por dívidas.

DRA. MÓNICA – Qual é o papel do Procurador-geral da República? E onde está a missão fiscalizadora que a constituição confere ao Presidente da República?

DRA. ROSÁRIA – O papel do Procurador-geral da República é de defender o couro do Governo que o nomeou. E o Presidente da República jurou cumprir e obedecer. Não deve olhar para o lado.

DRA. MÓNICA – Estão tramados!

DRA. ROSÁRIA – Entretanto, vou preparar um requerimento, vou indiciar o Procurador da Comarca de Santa Cruz, a Polícia Judiciária e a Delegacia de Saúde da Praia, e peço que sejam inqueridos neste processo de Edmilson. Pois, houve erros crassos, com contornos raciais que configuram violação dos Direitos Humanos, logo desde início. Por isso, vou solicitar à Procuradoria-geral da República e ao Conselho Superior do Ministério Pública, que mandem investigar possíveis desvios de conduta, honesta e deontológica, do Procurador da Comarca de Santa Cruz.

DRA. MÓNICA – Eu te aplaudo. Não se pode admitir erros intencionais, nem qualquer outro tipo de erro, dentro do processo penal.

DRA. ROSÁRIA – Mas não é só de agora que isso vem acontecendo. As autoridades não querem trabalhar. Por isso que a justiça não funciona. O Poder Judicial confunde Separação de Poderes com o Poder de fazer o que quer, ou de não fazer nada.

DRA. MÓNICA – As Inspeções Judiciais não funcionam cá?

DRA. ROSÁRIA – No papel funciona bonitinho. Mas na prática!…

DRA. MÓNICA – As investigações devem ser feitas obrigatoriamente. A verdade real dos fatos deve ser trazida à baila de todas as maneiras possíveis, devendo, o magistrado elencar diligências no sentido de corroborar e colaborar para o levantamento dos factos nos autos.

DRA. ROSÁRIA – Há vinte e tal anos, um jovem foi encontrado enforcado numa mangueira, como não era nigeriano nem qualquer Mandjaco, fizeram-lhe a autópsia e revelou que tinha o pescoço partido.

DRA. MÓNICA – Partiu o pescoço e depois enforcou-se?

DRA. ROSÁRIA – E nunca ninguém foi investigado. Porém, cara colega, o que se vislumbra neste nosso processo, conforme vimos, é que existe um certo dogma, um certo ritual satânico, conforme te tinha dito, que o Procurador tem medo de se arriscar. E sta ku médu pa Xuxu ka karega-l.

DRA. MÓNICA – Onde não se faz justiça, os criminosos sabem bem que estão impunes, que não estão vigiados, que não são suspeitos e, antes pelo contrário, sentem-se estimulados para continuarem com suas pérfidas ações.

DRA. ROSÁRIA – E os familiares de Edmilson têm medo. Estão todos cheios de medo. Os carrascos andam à solta, estão preparados para receber mais dinheiro e fumar mais padjinha.

DRA. MÓNICA – Acredito piamente!

DRA. ROSÁRIA – Alguns dos financiadores, os implacáveis mandantes, estão algures fora do país, financiando-os com migalhas que mal lhes dão para pôr uma boa ganza. O medo dos Tavares não é porque podem ser mortos. Não é isso, não. Têm medo, sim, se vierem a perder o controlo que até agora têm tido. Temem uma possível hecatombe, si ka parse ningen pa tadja.

DRA. MÓNICA – Faz o seguinte: elabora um requerimento ao Dr. Juiz e pede a audição de todos os suspeitos e possíveis testemunhas, das quais, as que estava no Quiosque Nhafróza. A Empregada do Quiosque, o rapaz que acompanhava a vítima, o tal Olavo, a senhora do sarabulho, o rapaz que estava a dizer a toda a gente que o corpo era de um Mandjaco, o próprio Mandjaco, a senhora que disse que encontrou sangue e roupa ensanguentada no interior da casa onde se suspeita ter ocorrido o crime e todas as outras evidências possíveis.

DRA. ROSÁRIA (com uma Certidão de Óbito na mão) – Engraçado!…

DRA. MÓNICA – O quê?

DRA. MÓNICA – Na Certidão de Óbito não está a causa da morte!

DRA. ROSÁRIA – Tem que estar. Ninguém morre sem uma causa.

DRA. MÓNICA – Pede ainda, ao Dr. Juiz, que emita um mandado de busca à essa casa suspeita e o resultado das análises das amostras recolhidas. A mesma casa terá sido lavada com água e cal, os familiares filmaram a enxurrada, chamaram a Polícia Nacional que, por sua vez, recolheu as amostras, elaborou um auto e enviou à Procuradoria de Santa Cruz. Pede o resultado.

DRA. ROSÁRIA – Esse de resultados… não me parece que seja relevante. Já os devem ter todos pervertidos, à conveniência e necessidade deles. Devemos apostar agora é na exumação do corpo e na feitura da autópsia no estrangeiro.

Levantam-se e saem juntas.

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