CXXIII CENA
JOAQUIM – Mãe, hoje estive numa reunião com o Sr. Ministro da Justiça de Cabo Verde, quando lhe disse que nasci ali, ele ficou muito contente e convidou-me ir trabalhar, como Juiz, na cidade da Praia. Mas mamã… tenho um pouco de receio, porque vim de lá pequenino, não me lembro de nada sobre lá, não sei da sua cultura, não conheço as suas religiões nem tradições, trunfos que na profissão como a minha são fundamentais para deliberar um veredito equitativo. É um princípio pelo qual me norteio e me prezo, e defendo com todas as minhas garras: - um bom justiceiro deve ter sempre em conta, antes de decidir qualquer caso, o grau de civilização de diferentes grupos ou etnias. Já o dizia o nosso conterrâneo Gabriel Mariano, quando era Juiz aqui em Angola. Mas, sinceramente. Acredita em mim, mãe. Estou a sentir uma vontade, uma imensurável tentação para ir cumprir com esta missão nesse arquipélago do Atlântico. Sinto-me como se possuído pelas doze olímpicas divindades, e creio que serei capaz de trabalhar aí como aqui em Angola que conheço de lés a lés, ou seja, da Geia ao Zeus. Se a mãe não me estorva, aceitarei esse desafio.
ROSA – Meu filho, neste assunto eu não tenho nada para te dizer, aliás, para te contrariar. Desde pequeno que tu tens um coração generoso, percebi. Naturalmente, esta missão está dentro do teu ramo e competência, mas também, não é menos verdade que o curso que escolheste é um curso ingrato, uma chocadeira de inimigos e que nunca está safo ou isento de represálias. Mas contigo eu não tenho medo, porque sei que nunca saboreaste o prazer da malícia, por isso, a tua fama está já espalhada por todo o lado onde assopra o vento. Folhas de jornais de todo o mundo estão a sendo ilustrados com a tua eloquente dissertação, naquela Assembleia dos Magistrados, no dia em que recebeste o teu diploma de Doutorado, onde defendes o Direito e a Liberdade Igual para todos os que respiram a Eólica criação. Nessa altura não houve um único jornal que não publicasse este discurso: É com redobrada convicção que afirmo, hoje que estou a receber este Diploma que me confere o título de Defensor da Lei, que a prisão ou tortura, não é de forma nenhuma, componente da regeneração. Já está claro, ou mais do que provado, que muitas vezes, aqueles que se intitulam defensores da Lei, são, conforme estamos fartos de ver, dos primeiros a não respeitá-la. Fazem tudo o que lhes dão na gana, tudo o que as incompetências lhes ditam, confiantes que não há ninguém para os castigar. Escondem-se na penumbra das suas togas ou becas, encapotam-se numa imunidade enferma e travestida, cometem crimes de toda a espécie e natureza, depois vão julgar e condenar inocentes sem defesa. Joaquim, meu filho, parece-me que esta missão que te chama, não será nada simples. Eu, uma burra que não conhece mais do que o Ó que um burro faz no chão, hoje estou grande, porque por onde eu passo, todo o mundo olha para mim e dizem: É aquela mulher ali que é a mãe do senhor Doutor Joaquim. Aquele famoso Juiz. O Juiz das causas. Um juiz com juízo na cabeça. Por acaso, gostaria muito que fosses mostrar a tua bondade e tua sabedoria nas terras de Cabo Verde. E o conselho que te dou, permite-me lembrar-te uma frase que me tinhas lido num livro quando ainda estudavas o 4º ano do Liceu, que me pediste para ouvir. Disseste-me que era escrito por um filósofo romano que se chamava… se a memória quer que o diga… Marco Aurélio. Tinhas lido assim:
JOAQUIM (com um sorriso maravilhoso) – Estamos no mundo, mas não somos do mundo.
ROSA – É isso mesmo. Pois, se todos nós pensamos e acreditamos que somos apenas um microscópico hóspede deste universo chamado Mundo, um passageiro errante e que quando morremos temos contas a prestar, não nos pactuávamos com a maldade.
JOAQUIM – Pura verdade, minha mãe.
ROSA – Há mais uma ainda que ouço as pessoas dizerem muitas vezes, e que é muito bonita e interessante: Antes perdoar mil criminosos do que condenar um inocente.
JOAQUIM – Mãe, não há quem te ouve falar desta forma, capaz de dizer que não és versada em matérias do Direito, da Filosofia, Psicologia, Sociologia ou mesmo da Teologia.
ROSA – O meu Segundo Grau é daquele tempo de troca passos. (Riem-se) Quando li os Poemas Homéricos… Hesíodo, Aristófanes e os três tragediógrafos gregos, estava a estudar ainda o Primeiro Grau. Não te esqueças que eu fiz a Admissão e que só não fui para o Liceu porque casei-me e vim para Angola com o meu marido que era administrador em Catumbela. Que dia é que tu tens de ir?
Rosa arregaça a saia, tira de um bolso interior um pano embrulhado contendo um fio de ouro com uma medalha e uma fotografia de Paulito gravado na medalha e dá-lho.
ROSA – Toma este fio de ouro, não deixa esta medalha sair dele. Conserva-o bem, como a tua amizade para comigo. Quando chegares em Cabo Verde, que já estás ambientado, já tiveres alguns amigos, sempre que sais na paródia ou nas farras, coloca-o ao pescoço, assim lembrarás da tua mãe. Mas não te deixes de fazer o que te estou a dizer.
Dr. Joaquim levanta-se, dirige-se à ela e dá-lhe um beijo na testa.
CXXIV CENA
O telemóvel da Drª Mónica toca.
DRA. MÓNICA – Olá, Rosária!
DRA. ROSÁRIA [V. O.] – Mónica, tudo bem?
DRA. MÓNICA – Tudo. Diz coisas!
DRA. ROSÁRIA – Tenho boas notícias para te dar.
DRA. MÓNICA – Ah, é? Então diz lá, que já me fizeste ficar curiosa!
DRA. ROSÁRIA – Consegui inscrever-te no IPAJ e estás nomeada defensora oficiosa num julgamento na próxima semana.
DRA. MÓNICA – A sério, Rosária? Eu pensei que estavas a brincar quando disseste que me ias inscrever!
DRA. ROSÁRIA – Já te enviei a cópia da Cédula Profissional e o comprovativo da tua nomeação. Preciso que confirmes o mais rápido possível.
DRA. MÓNICA – Que tipo de processo é?
DRA. ROSÁRIA – É um processo-crime. Sei que gostas de defender esses processos. És diferente dos demais advogados que só querem aceitar Processos cíveis porque ganham mais dinheiro.
DRA. MÓNICA – Esses também aceitam crimes. Quando para defenderem traficantes de droga.
DRA. ROSÁRIA – É verdade. Aí, até o deputado se abdica do seu chorudo ordenado – 13 vezes o salário mínimo - para defender passadores de pó.
DRA. MÓNICA – Ok. Ligo-te daqui há nada.
DRA. ROSÁRIA – Não deixes de confirmar por e-mail, a tua aceitação. Senão os Réus ficam pendurados por tua causa.
DRA. MÓNICA – Deixa-me só falar com a minha mãe, já te ligo. São quantos processos? Disseste Réus!
DRA. ROSÁRIA – É um processo com dois Réus. Um pai e um filho. Também enviei-te o nº do processo.
DRA. MÓNICA – Ok. Vou já abrir o e-mail e imprimo os ficheiros.
DRA. ROSÁRIA – Tchau, fico à espera da tua resposta.
DRA. MÓNICA – Até já.
Desliga o telemóvel e entra no quarto. Liga o computador, entra na internet e imprime uma folha. Vai ter com a Luluxa na sala e senta-se no sofá ao lado dela.
DRA. MÓNICA – Mãe… tu sabes que sou morta por ti. Não é verdade?
LULUXA – Sim. Porquê?
DRA. MÓNICA – Mamã… há quantos anos viemos de Cabo Verde?
LULUXA – De Cau Verde?
DRA. MÓNICA – Cabo Verde.
LULUXA – Sim. É Cau Verde. Mas porquê?
DRA. MÓNICA – Só quero saber.
LULUXA – Já há muitos anos, minha filha. Tu eras uma criancinha… ainda chuchavas no dedo.
DRA. MÓNICA – Bom… deixa-me dizer-te claro.
LULUXA – O quê?
Drª MÓNICA – Tu sabes que fiz curso de Direito e um Doutoramento sobre os Direitos Humanos no Terceiro Mundo.
LULUXA – Sei.
Drª MÓNICA – Já trabalhei dois anos aqui, a minha fama está espalhada por todos os cantos de Portugal. E diz-se por ai que ainda não apareceu um caso que eu tenha defendido que o meu constituinte não saísse livre. Que se por acaso for condenado, a condenação máxima que apanha é a de pena suspensa.
LULUXA – E o que queres dizer com isto? Quando viemos de Cau Verde tu tinhas dois anos e tal. Por lá também já te conhecem?
DRA. MÓNICA (estende-lhe a folha) – Esta aqui… toma, vê… lê.
LULUXA – Como que eu leio, Mónica? Quando é que eu li? Já chegou a era em que os cegos vêm? Mas o que é que tu queres?
DRA. MÓNICA – Mamã, é do Ministério da Justiça de Cabo Verde. Convidaram-me para trabalhar como Advogada na cidade da Praia.
LULUXA – Minha filha?!
DRA. MÓNICA – Deixa-me ir aventurar. Deixa-me ir dar saída ao meu nome, também nessa terra.
LULUXA – Mas o que é que te deu na cabeça? Como conseguiste fazer isso?
DRA. MÓNICA – Foi uma colega cabo-verdiana que terminamos a faculdade juntas que me arranjou a colocação.
LULUXA – E lá não há advogados? Tu tens que ir daqui?
DRA. MÓNICA – Há advogados sim. Há e há muitos. Mas são fracotes. Até a instituição que os regula tem a consciência de que dominam fracamente o português escrito e falado. E um advogado que não domina o português, terá dificuldade em compreender e interpretar um processo.
LULUXA – Está bem. Tu sabes que nunca te impedi nada. Antes pelo contrário, encorajei-te sempre. Desconfiança de ti, até ainda não senti, porque, com estes 24 anos de idade que já tens, nunca nenhum cão ladrou à beira da nossa casa por tua causa, nem ninguém brigou ou meteu-se em pancadaria por causa de ti. Pus-te na escola para, pelo menos tirares o Primeiro/Segundo grau, não me envergonhaste; deste-me coragem, matriculei-te no Ciclo Preparatório, pagaste-me com alegria; senti lisonjeada, pus-te no Liceu, fizeste o sétimo ano mais rápido do que eu para fazer uma panela de tenterém ou um sanpadjudu para fazer uma djagasida. Paguei dinheiro, pus-te na Universidade, cursaste advocacia. O curso era de 5 anos, alguns passam 6/7 anos, mas tu só demoraste 4. E diploma me mostraste, pareceu-me mesmo, mais tamanho do que os daquelas cabeças brancas. Esforçaste, preparaste a tua tese, hoje és doutorada em Leis. Porque agora, hei-de te negar um pedido que está dentro do teu alcance? Quando é que eles querem que tu vás?
DRA. MÓNICA – Tenho 24 horas para dar resposta. Se quero ir, daqui a 5 dias tenho que lá estar.
LULUXA – Podes ir, porque tenho fé em Deus que vais voltar contente e cheia de notícias. (Arregaça a saia, tira do bolso interior um pano embrulhado contendo um fio de ouro com uma medalha e uma fotografia de Paulito gravado na medalha e dá-lho) Recordação que te dou é este cordão. Não deixa esta medalha sair dele. Conserva-o bem, como conservas a tua amizade para a tua mãe. Quando chegares em Cabo Verde, que já estejas familiarizado, já tens amigos, e já fazes paródia, levas isto sempre ao pescoço, lembrarás logo da tua mãe. Quando estiveres lá um tempo, eu vou passar um mês de férias contigo.
DRA. MÓNICA – Mamã, deixa-me dar-te mais um beijo.
CXXV CENA
Num restaurante, o Dr. Joaquim e a Drª Mónica estão sentados à mesma mesa. O Doutor está com um copo de whisky à frente enquanto lê uma revista. A Doutora tem uma garrafa de sumo à frente, um copo e um cigarro aceso entre os dedos. Ela olha de soslaio para o Doutor que está embevecido na leitura da revista, dando de vez em quando uma golada no copo de whisky. Entreolham-se de repente e ambos deixam escapar um sorriso. A Doutora sente-se embaraçada. Puxa dois fumos seguidos no cigarro, pega na garrafa de sumo e esvazia no copo.
DRA. MÓNICA – Porque me faz esta pergunta? Há diferença em ser de uma ou de outra terra?
DRA. MÓNICA – Também não é como o senhor está a pintar-me que é o meu retrato. Está a exagerar nas tonalidades e meter tempero demais na paparoca. Assim já estraga.
JOAQUIM – Pensa como quiseres, mas quem sabe o que estou a dizer sou eu apenas. De qualquer maneira… queres dizer-me o teu nome? E o que é que estás a fazer aqui em Cabo Verde, se é que não és daqui?
DRA. MÓNICA – O meu nome é Mónica, vim de Portugal e estou em serviço do Ministério da Justiça. E o senhor?
JOAQUIM – Coincidentemente, também estou cá ao serviço do Ministério da Justiça. Vim de Angola, o meu nome para os amigos é Joaquim. Nome de paródia. Mas na minha profissão tratam-me por Dr. Joaquim.
DRA. MÓNICA – É o senhor que veio como Juiz para o Tribunal da Praia, que vai julgar, depois de amanhã, um homem e o seu filho que estão presos, preventivamente, há mais de 11 anos?
JOAQUIM – Pelos vistos, estás mais do que informada. Não são aqueles dois mata e rouba?
DRA. MONICA (manifestamente surpreendida, quiçá desiludida) – O quê?
JOAQUIM – Se são estes, efetivamente, sou eu que os vou julgar.
DRA. MONICA – Desculpe lá. Não sei se percebi bem: disse que eram dois…
JOAQUIM (ri-se) – Posso pedir-te uma coisa?
DRA. MONICA – Responda primeiro a minha pergunta. São dois…
JOAQUIM – Não te importes de trata-me por «tu». Parece-me que não sou muito mais velho do que tu.
DRA. MONICA – Ok. Não te importes de repetir o que disseste há pouco?
JOAQUIM – Retiro o que disse.
DRA. MÓNICA (sorri) – Muto obrigada. Eu sou a Advogada deles. E desde já, deixa-me dizer-te uma coisa: até esta, a minha notoriedade como profissional não foi espezinhada. E penso que se um dia alguém pensar em fazê-lo se arrependerá.
JOAQUIM (sorridente) – Isto é uma ameaça, Doutora! E como sabe… as ameaças são crimes.
DRA. MONICA – Estou a brincar. Mas apesar de ser brincadeira, permite-me que te diga: já tenho dois anos e tal a defender os meus clientes e ainda não defendi um único caso que não ficou ilibado.
JOAQUIM – Não sei. Embora me parece que serei capaz de fazer tudo por ti. Sou capaz até de transformar o impossível em apenas difícil.
DRA. MONICA – Não quero e nem admito nenhuma benesse de forma gratuita. Eu, jamais permitiria qualquer promiscuidade nas deliberações que envolvam Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais de um cidadão. Tudo o que exijo é a observância legal e a sua justa aplicação.
JOAQUIM – Conforme constam do processo, esse homem é uma réplica do Allcapone italiano ou Poul Delapina francês. Dizem que é o António Pama cabo-verdiano do fim do século XX.
DRA. MONICA (meio chateada) – Ah, é? Já sabes tanto dele assim?
JOAQUIM – Dele mais do filho. Aliás, de tudo isto tu já deves ter conhecimento. Sendo advogada deles!… Sabes que esse homem passou dez anos preso por ter cometido inúmeros crimes. E que no mesmo dia que saiu da prisão, ele mais o filho assassinaram uma senhora que o tinha denunciado, que o levou a apanhar 10 anos da cana. Já os contactaste?
DRA. M.ÓNICA – E tu, já os contactaste?
JOAQUIM – Eu não preciso contactá-los. Sou Juiz. Basta ler o processo… e conhecer as acusações.
DRA. MÓNICA – Arbitrariedade! Permite-me a expressão. Se vais julgá-los com base no que encontraste escrito, orquestrado e arquitetado pela maledicente acusação, sem levar em conta os princípios do contraditório, neste caso em que lhes não foram assegurados o direito à defesa, parece-me que já estão julgados e condenados há mais do que 11 anos sem que soubessem quantos anos são suas penas.
JOAQUIM – Na qualidade de Advogada deles, poderás requerer tudo isso.
DRA. MONICA – E não me tranquilizarei enquanto não o fizer.
JOAQUIM – Pois. E depois veremos.
DRA. MÓNICA – Seja como for, dado a importância do papel de um julgador, tu, na qualidade de Juiz, deves, durante as sessões de audiência e discussão do julgamento, ouvir os Réus, analisar as provas e ponderar as suas versões com as das testemunhas, os quais deves escutá-las meticulosamente, ver se as declarações não se contradizem com as do processo, só então, fazes o teu jus, e decretas a sentença.
JOAQUIM – Por isso é que dizem que os Advogados têm bóka-sabi. Mas Mónica, não me tomes por um impertinente e despropositado chato.
DRA. MÓNICA – A que propósito?
JOAQUIM – Chega mais perto e conversamos melhor. (Drª Mónica arrasta a cadeira e senta-se mais ao pé dele) Repara que se continuarmos a discutir aqui, alguém pode aperceber. E belisca a nossa deontologia ou ética profissional, enquanto teoria do dever. Se quisermos conversar sobre este assunto, antes do julgamento, podemos fazê-lo confidencialmente numa sala no Tribunal. Ou se não te importas, o meu quarto é mesmo aqui no hotel e podemos ir lá conversar. É no 1º andar, no número 46.
DRA. MÓNICA – Somos vizinhos?! O meu é no 48, também no 1º andar!
JOAQUIM – Mónica, já que cruzamos no mesmo caminho, permite-me contar-te um segredo. Mas antes do mais, deixa-me fazer-te uma pergunta: Qual é o teu plano futuro dentro do espectro amoroso?
DRA. MÓNICA – Nada ainda de tão especial. Sei que me custa convencer-te, mas podes acreditar. Até hoje ainda não saboreei um beijo viril. Sei imensas coisas sobre o amor porque leio muito, vejo televisão, vou ao cinema e convivo frequentemente com os amigos.
JOAQUIM – Mónica, não me faças convencer, que uma rapariga da tua índole ainda não tinha encontrado um homem que a amasse?
DRA. MÓNICA – Não é que nunca tenha aparecido. Já apareceu e tem aparecido sempre. Só que eu ainda é que não dei confianças a nenhum.
JOAQUIM – Não acredito que mais uma vez não vais dar confiança. (Dra. Sorri) Oiça Mónica: parece-me que já percebeste que estou apaixonado. E conforme os mais velhos dizem, para um bom entendedor meia palavra basta. Parece-me que, sendo filho único da minha mãe, uma milionária que, se fosse por ela não trabalharia para viver, nem viveria para trabalhar, mas para me entreter, se eu lhe apresentar uma boneca de carne e osso como tu, de certeza ela fará uma festa ainda mais rija do que aquela que fez quando lhe mostrei o meu Diploma de Doutor. Digo-te ainda que, a partir de hoje, deixarei de apreciar todos os brilhos artificiais de qualquer outra mulher.
DRA. MÓNICA – Brilho artificial de mulher como? Então, o que é que tu queres apreciar numa mulher?
JOAQUIM – Inteligência, doçura, seriedade… tudo que estou a ler nos teus olhos, que estou a ver na tua alma: simplicidade, naturalidade… enfim, integridade e autenticidade. Tu não és fotocópia, nem és falsificada, querida. És colorida, autêntica e original
DRA. MONICA – Joca… Não tem mal nenhum chamar-te assim?
JOAQUIM – Que mal havia de ter, Mónica?! A única coisa que não permito é que façam chacota de ti. Sei perfeitamente que quando o amor surge, traz consigo as alcunhas. E digo-te francamente: espero ver o meu sonho realizado contigo. Dois doutores, o nosso filho há-de ser, no mínimo enfermeiro.
DRA. MÓNICA – Cuidado! Quem sonha demais, acorda sempre a chorar.
JOAQUIM – Doutora Mónica, parece que estás a duvidar da minha sinceridade. Medo, talvez. Mas fica a saber que a minha palavra é Bíblia. Que no quarto onde dormem as minhas promessas, possui uma cama com colchão ortopédico. Eu sou solteiro de corda enrolada, pelo menos, até agora, sem compromisso com ninguém, apesar de ter 24 anos de idade, 2 anos que conclui um Doutoramento.
DRA. MÓNICA – Para ai! Quantos anos tens?
JOAQUIM – 24.
DRA. MÓNICA – Há 2 anos que concluíste o Doutoramento?
JOAQUIM – Em Agosto passado completaram 2 anos que defendi a tese.
DRA. MÓNICA – Eu também acabei o Doutoramento há 2 anos e tenho 24 anos de idade. Só que em Junho já tinha defendido a minha tese.
JOAQUIM – Repara só, que tu e eu, nascemos um para o outro.
DRA. MÓNICA – Tens mesmo a certeza que me amas, ou queres apenas curtir comigo enquanto estás aqui, longe daquela que na realidade é tua?
JOAQUIM – Com os meus 5 sentidos, Mónica. Eu te adoro. Se quiseres, posso até declarar-te por escrito. Estou a amar-te demais. Embora sei que custa-te acreditar em mim. Mas Jóia, até ainda, na estrada da minha paixão, não tinha circulado uma princesa que me encantou como tu já apoderaste do meu coração. Juro-te pela coisa mais sagrada, que se aceitares a minha confissão, serás a única mulher da minha vida, se é que tudo irá depender de mim.
DRA. MÓNICA – Olha bem… Todo o mundo sabe, que os homens que mais juram, são os que mais mentem. As outras que tiveste, aquela que tu tens… Foi assim que lhes disseste? Tua princesa, tua encantada, tua deusa… tua alma, tua vida… teu todo. Ai os homens! Vocês são uns macacos com o rabo agachado dentro das calças.
JOAQUIM – Estás a ser muito cáustica, fidju fémia.
DRA. MÓNICA – Se bem que… deixa-me declarar-te uma verdade. Por acaso eu te amo. Não me interessa se tu me amas demasiadamente ou se apenas queres fazer troça de mim. Sei que estou apaixonada, simplesmente por amor. Interesse de nada tenho a não ser de agradar ao meu coração e respeitar os meus sentimentos. Por seres Doutor, não me interessa porque também o sou. Ser filho de uma milionária, tanto pior ainda, porque a minha mãe também é milionária mais de não sei quantas vezes e, eu sou a filha única, legítima herdeira dela. Joca, eu sei que o mundo é bambo, e o que te vou dizer constitui razão razoável para não acreditares em mim totalmente. Pois claro, certos homens pensam que só eles devem gostar de uma mulher e declará-la. Se o contrário suceder-se, acham que ela é uma puta, que não presta ou que então é uma leviana. Não pensam que as mulheres também possuem um coração que também tem sentimento igual ao deles, que exige como o deles, que sabe chorar e sabe sorrir, sabe dizer a verdade e sabe mentir; sabe dar e receber. Completo, com a mesma função que o dos homens. Quinzinho, já te quero, já te quero, já te quero. Faz de mim o que quiseres, com todo o direito, porque já sou uma parte do teu todo.
JOAQUIM – Ny, todas estas coisas que acabaste de me dizer, se tornassem crimes, como jurista, enquadrar-lhes-ia no rol de crimes passionais e os atenuava a 100%. Crime cometido por amor, sem violência nem sadismo, não merece ser considerado um crime, mas sim, o amor em ponto forte. Essa verdade que me acabaste de revelar aliviou a minha alma como um balde de água fresca quando deitada num jardim a murchar. Tu sabes que duas pessoas quando se amam, é como o pólo de um íman… ainda te lembras da Força Magnética? Daquela canseira de cabeça na Física do Curso Geral.
DRA. MÓNICA (ri, Dr. Joaquim olha para todos os lados, se ninguém os vê, segura-lhe a cabeça e dá-lhe um beijo) – Tchau amor. Depois vou ao teu quarto e falamos.
CXXVI CENA
Dra. Mónica está de pé com as duas mãos sobre o encosto de uma cadeira. Repara no fio de ouro do Dr. Joaquim que está pendurado à cadeira.
DRA. MÓNICA – Tenho um fio e uma medalha igual a este aqui. Desde o cordão, fotografia e tudo.
JOAQUIM – Deixa de brincadeira! Como é que isso pode ser?
DRA. MÓNICA – Vou buscar o meu para te vir mostrar. (Sai e volta com o dela) Não te disse? Igualzinho.
JOAQUIM – Como arranjaste o teu?
DRA. MÓNICA – A minha mãe é que mo ofereceu quando eu vinha. Disse-me que era recordação dela enquanto estiver cá.
JOAQUIM – Também comigo foi assim. A minha mãe mo deu e disse-me que quando chegasse cá para usar e lembrar-me dela. Mas que coincidência?! A mesma fotografia!… Sabes uma coisa, Ny?… O buraco tem gato, e o gato está com o rabo de fora. Podes não admitir, mas alguma coisa está errada nessa estória toda.
DRA. MÓNICA – Felizmente não somos ratos para sentirmos medo do Gato.
JOAQUIM – Olha… vai para o teu quarto, amanhã quando formos tomar o pequeno-almoço, telefonamos a nossa mãe e perguntamos qual a origem desses objetos: fios, medalhas e fotografias. O meu coração está a dizer-me que algo nos liga. Temos a mesma idade, o mesmo curso, o mesmo destino, o mesmo amor, e as nossas mães com o mesmo pensamento! Há segredos.
DRA. MÓNICA – Não acredito que sejas supersticioso ao ponto de prescindires de um amor antes de ele começar. Isto só demonstra que tudo o que disseste sentir por mim, estar ainda numa fase bastante embrionário. Ou não?
JOAQUIM – Eu gosto muito de ti, Mónica. Mas vamo-nos aguentar pelo menos até amanhã de manhã, apenas para tirarmos uma conclusão.
DRA. MÓNICA – Respeito a tua opinião, mas não aceito o teu ponto de vista. Obedeço-te, e vou ceder à vontade do teu coração. Mas acredita que esta noite vai ser a noite mais longa que já tive durante estes 24 anos da minha vida. Tchau. Às 8 horas encontramo-nos no restaurante. Depois do pequeno-almoço iremos telefonar. Tem de ser mesmo de manhã, porque à tarde tenho que ir a Praia, à Cadeia Civil falar com os meus clientes. Tchau mais uma vez.
Ela sai triste.
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