Um silêncio comprometedor abafa o mundo ocidental e revela como a imprensa pode manipular, por omissão ou desbalanceada informação, a consciência coletiva: há um jornalista espanhol preso há um ano na Polónia por suspeita de espionagem a favor de Moscovo, mas quase nenhum jornal de grande circulação nos países da Europa ou dos Estados Unidos fez referência a esta atrocidade, condenada, de resto, pela Repórteres Sem Fronteiras e Amnistia Internacional.
No dia 28 de fevereiro de 2022, Pablo Gonzalez, jornalista do jornal espanhol Publico, foi preso dentro de um um Hotel na Polónia acusado de espionagem para a Rússia. A Agência de Segurança Interna da Polónia (a ABW) entrou de madrugada no quarto de um hotel na cidade fronteiriça de Przemyśl, onde González pernoitava no intervalo das reportagens que fazia sobre a fuga de milhares de ucranianos para a Polónia e lhe disseram que estava preso porque era espião a serviço de Putin e que iria apanhar 10 anos de cadeia.
A 4 de março o Tribunal Regional de Rzeszów formalizou o inquérito por suspeitas do repórter ser agente da Diretoria Principal de Inteligência do Estado-Maior das Forças Armadas da Federação Russa (GRU) e de espiar para Moscovo.
O que existe de concreto contra ele: A investigação, que ainda decorre, apresenta duas provas que são nada mais nada menos que dois cartões de débito de dois bancos russos e dois passaportes, um espanhol e outro russo, com dois nomes diferentes.
Ora bem, González explica os dois passaportes por ter dupla nacionalidade, daí constar no documento russo o seu nome em russo e, no espanhol, o seu nome em espanhol. O repórter nasceu na Rússia, é filho de pais russos que se divorciaram. A mãe foi viver com ele para Espanha e obteve para os dois a nacionalidade espanhola quando González tinha 9 anos, alterando o nome russo Pavel para a sua tradução espanhola, Pablo.
De lá para cá, a secreta polaca nada mais encontrou para justificar a prisão do jornalista, mas mais admira é que, volvidos doze meses, após o seu encarceramento na Polónia nenhuma imprensa de grande monta tenha feito repercutir este assunto que para a Federação Internacional e Europeia de Jornalistas é "um ataque à liberdade de imprensa e à democracia". "É inaceitável que um estado-membro da União Europeia detenha um jornalista de forma tão arbitrária", concluiu o último comunicado dessa organização, emitido na terça-feira, e que a imprensa internacional praticamente não citou.
Mesmo os jornais espanhóis, como o El País, El Mundo, ABC ou La Razon ‘boicotaram’ tal notícia, recusando fazer eco acerca desta matéria que o La Vanguardia e o Publico (de Espanha, onde González trabalhava) deram destaque como que à revelia do status quo dos media ocidental.
Pablo González só teve direito a receber a visita da mãe dos seus filhos nove meses depois da sua prisão - os três filhos foram proibidos de visitá-lo – sendo que a sua prisão preventiva já foi renovada quatro vezes!, situação aparentemente normal na Polónia. Sabe-se que o jornalista está sozinho dentro de uma pequena cela, 23 horas por dia, diz-se mal alimentado e sem aquecimento ou roupas suficientemente quentes.
A situação é lastimável sobretudo num país europeu, a ponto de a Amnistia Internacional ter pedido na terça-feira, 28, a sua libertação imediata até um julgamento justo e fala em "tratamento desumano" por parte da justiça polaca. Idem, a associação Repórteres Sem Fronteiras, que através da sua vice-presidente Edith Rodriguez, apontou o dedo à Polónia: "ou concretizam as acusações, ou libertam-no".
O grave ou incompreensível deste caso é como os critérios de avaliação do que deve ou não ser reportado ou divulgado na imprensa difere da perspectiva geográfica de quem prende ou de quem é preso. Sim, estivesse esse ou outro jornalista de um país ocidental enclausurado na Coreia do Norte, China, Rússia, Cuba, Irão ou Venezuela choveriam artigos, notícias, reportagens, exclusivos e teses nos jornais ocidentais a desferir duras acusações contra esses países com sentenças de “atentados à liberdade de imprensa e de expressão”. Manifestações seriam marcadas, protestos firmes seriam televisionados por todo o mundo, capitaneados, muito provavelmente, pelos EUA apoiada na sua “guerra contra autocracias”.
O problema, como se pode depreender, é que esta atrocidade, arbitrariedade e abuso contra um profissional de imprensa – preso quando cobria a fuga de ucranianos para a Polónia, na sequência da guerra com a Rússia – acontece num país da ‘insuspeita’ União Europeia, lembrando, hélas!, o que sucedeu com Julian Assange, preso e esquecido desde 2012 na ‘impoluta’ Inglaterra.
Até quando vamos nos enganar sobre o viés da cobertura da guerra feita pelos jornais europeus e norte-americanos! Não defendo a guerra russa, nem a condeno cegamente, mas não deixo de perceber como pende a imprensa clássica quando o assunto é o Ocidente a atropelar as suas próprias regras.
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