1. Há perguntas que têm o efeito de tirar todo o sossego a alguém. Um desassossego daquele tipo de que nos falou Fernando Pessoa: como é possível que os pobres do meu país não consigam escolher quem melhor defenda os seus interesses? É que Cabo Verde tem 46% de pessoas a viverem na pobreza! É quase metade da população do país que é enquadrada nas categorias de “pobres” e “muito pobres”, sendo estes últimos chamados também de “pobreza extrema” que são aqueles que vivem, em média, com apenas 133$00 por dia! Como será viver um dia inteiro com apenas um litro de leite a 80$ e cinco pães por 50$00 e ter três escudos de troco?!
2. Como é possível que quase a metade da população do país escolha para serem seus governantes, precisa e exatamente, aqueles que definem como dois eixos centrais da sua governação, por um lado, um “Estado amigo das Empresas” – e não das pessoas! – e, por outro, a ideia de “Menos Estado possível”, entregando até ao limite a gestão da vida das pessoas nas mãos daquele tipo de privado que não sente nenhuma responsabilidade no combate à pobreza e à exclusão social ou no compromisso da justa distribuição de rendimentos?
3. Uma governação que quando não entrega integralmente a privados, estabelece ruinosas parcerias público-privadas (PPP’S) para o Estado, achando que a pobreza diminui, dando recursos do Estado a uns privados que, depois, vão empregar pobres através do salário mínimo em jeito de favor. O pobre que tresmalhar e tornar-se “rabidante” é perseguido e sufocado, enquanto se continua a brincar de empreendedorismo, dando combate ao empreendedor já formado pela dura experiência de vida de todos os dias;
4. Quando não é a privatização ou as PPP’S, faz-se a entrega às câmaras municipais, totalmente desprovidas de recursos financeiros e humanos e sem qualquer planificação, nem perspetiva de aquisição de competências para lidar com grupos populacionais mais atingidos pela pobreza, entre os quais, a própria juventude – cerca de metade de pobres tem menos de 25 anos de idade!
5. A passagem da gestão da juventude e de questões sociais para as câmaras municipais que - da noite para o dia tiveram que assumir os centros de juventude e os de desenvolvimento social - é demonstrativo do lugar secundário atribuído aos jovens e aos mais desfavorecidos. Constitui igualmente a revelação de uma tática sombria: deixa de existir qualquer interlocutor governamental para ser confrontado pelos jovens e mais carenciados, pois não há um ministro específico, concreto e identificado para ser responsabilizado diretamente;
6. Várias podem ser as razões por que os pobres do meu país não conseguem escolher quem melhor lhes defenda. Desde logo, o complexo de inferioridade em assumir-se como pobre a ponto de contar com intervenções governamentais – políticas públicas – que tenham como enfoque a sua proteção em vista à sua superação dessa condição. Em paralelo, a alienação e a bazofaria que se revelam com maior acutilância em épocas eleitorais, impedindo a tomada de consciência da sua condição de membro da classe baixa. Fica na sua bazofaria: sabe tudo não tem necessidade de perguntar nada a ninguém, por isso, vai ficando apenas com aquilo que os outros lhe dizem, o que os outros preparam muito bem para lhe dar volta à cabeça, num processo de total alienação; por fim, uma razão que se assenta na tendência assustadora de os, provavelmente mais esclarecidos, entre os quais os técnicos e titulares de diplomas académicos, decidirem optar pelo não envolvimento na política, deixando um amplo terreno fértil para os demagogos atuarem de forma livre e sem contraditório, sendo de acrescentar o facto de 46% dos muito pobres terem apenas o ensino básico – portanto, amplamente necessitados de apoio no esclarecimento no entendimento do mundo;
7. Se por um lado, os pobres e muito pobres não conseguem escolher da melhor maneira quem os governa, por outro, cabe aos próprios partidos políticos investir no esclarecimento dos mesmos de modo a capacitá-los a todos para as melhores escolhas. Sendo certo que sempre haverá partidos que pretendam usar a pobreza - reforçando-a precisamente por não a considerar como um eixo importante de governação - como acontece atualmente.
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