Vive intensamente a vida cristã desde os 5 anos de idade. Hoje tem 72, mas ainda ministra pregações, faz viagens missionárias e diz que trabalhar como Missionária é uma honra de Deus. Foi pioneira no lançamento das bases da Igreja Assembleia de Deus em Cabo Verde, corria o ano de 1991. Esteve aqui quase três anos, e hoje, 27 anos depois, esta senhora de nacionalidade brasileira, regressa para encontrar uma realidade com “Deus trabalhando na vida de Cabo Verde, até na parte da política, na parte da estrutura”.
Santiago Magazine – Todos nós temos uma história. A senhora tem a sua. Desde tenra idade que a senhora é crente. Como é que surgiu essa aproximação a Deus, à palavra de Deus?
Marlene Alves - O lugar onde eu nasci era muito carente de Deus e os Missionários chegaram lá, o Missionário Nils Taranger e a missionária Mary Taranger. Era um lugar com dificuldades financeiras, num período que a Charqueadas não funcionava. Na altura, Charqueadas era onde matavam os bois, então ela tornou-se uma minicidade, porque as pessoas iam trabalhar ali. Mas as pessoas não conheciam Deus. Havia uma Igreja Católica. Dentro desse contexto, assim sem um conhecimento profundo de Deus, os Missionários levaram a palavra. O primeiro culto que assisti eu tinha apenas 5 anos de idade e foi no colo da minha mãe. Logo apaixonei-me pela Bíblia Sagrada. Para mim a Bíblia era livro onde as palavras saltavam de beleza. O irmão Nils tocava o acordeão muito bem e me apaixonei pelo acordeão também.
Entrei logo como aluna da Escola Bíblica Dominical que a irmã Mary administrava. Ela era uma pessoa maravilhosa, uma mulher sem preconceitos, porque naquele lugar havia muitos preconceitos e nem vou falar deles. Assim iniciou a minha fé. Também tinha uma mulher que gosta de falar dela, que é a minha tia. Portanto eu tinha duas mestras, uma erudita que era a irmã Mary e a outra uma mulher com uma cultura popular mas uma mulher serva de Deus que era minha tia, o nome dela era Maria Camila.
Passei a minha vida na igreja. Recebi a chamada missionária, mas não vi no primeiro momento. Casei-me ganhei os filhos e quando tinha dois netos que surgiu a oportunidade de vir para Cabo Verde, não era fácil romper com as coisas que já tinha estruturado, mas Deus me deu graças, e num culto um irmão começou a pregar e disse que era última oportunidade e o Espírito Santo me deu o entendimento. Assim o irmão Nils, o mesmo pastor que me evangelizou com a esposa dele, e que certamente viu que eu tinha uma chamada missionária me disse: irmã Marlene agora você vai para Cabo Verde. Eu era professora do Estado. Deus me deu oportunidade de trabalhar como a professora de alfabetização até pós-graduação, e isso me valeu muito.
Assim, em 1991 rumamos para Cabo Verde, eu o meu marido. Inicialmente queriam comprar bilhetes para dois meses e eu disse não, pode deixar porque eu vou ficar em Cabo Verde.
O que encontrou em Cabo Verde? Havia já algum trabalho iniciado, ou tudo começou com a vossa chegada aqui?
Cheguei em Cabo Verde, a igreja já sido fundada e funcionava mais aos sábados nas reuniões familiares. Depois das reuniões havia sempre confraternização. Era muito boa, mas precisávamos trazer irmãos para igreja. Estavam na diretoria da igreja, o irmão Osvaldo, a irmã Ruth, a irmã Guida, a irmã Zita e a irmã Conceição. O irmão Napoleão não fazia parte da diretoria, mas nos abria a porta para o Governo.
Quem nos trouxe? O pastor Nils, o meu pai na fé, o nosso então pastor distrital, o pastor Gilberto, e um pastor muito conceituado no Porto Alegre, o pastor Edgar Machado e o evangelista Adão Smith, que era advogado.
Quando chegamos a directoria nos esperou com a casa pronta. Nós chegamos e entramos para a casa. Lembro-me da primeira oração que fizemos no salão onde funcionava os cultos. Fomos recebidos pelos cabo-verdianos com muito amor.
Na altura não tiveram nenhuma dificuldade com as autoridades públicas?
Não! Nenhuma. Embora a gente não tínhamos o visto permanente e de dois em dois meses tínhamos que ir renovar o visto. O irmão Napoleão nos deu muito amparo porque ele trabalhava no Governo. A igreja era muito conceituada no Governo. O então Presidente da República, senhor António Mascarenhas Monteiro, nos recebia no seu gabinete, a igreja era convidada para festas das Embaixadas, passou aqui um navio da Marinha Brasileira que estava de aniversário também a igreja foi muito convidada. Todas as autoridades nos abriram a porta.
Fomos recebidos pelo povo, pelas autoridades e estava também o irmão Jorge Fernandes, que hoje é pastor, ele nos ajudou bastante no início. Nós fomos os primeiros pastores de Assembleia de Deus em Cabo Verde.
Sendo a sociedade cabo-verdiana extremamente católica, como vocês enfrentaram essa situação?
Se eu for contar das dificuldades, vou contar de dificuldades que se enfrentam em qualquer contexto do mundo espiritual. Entretanto, não tivemos dificuldades com ninguém nem com os católicos.
Como eram os trabalhos de evangelismo? Havia muita adesão dos cabo-verdianos nos trabalhos de evangelismos?
Nós evangelizávamos por toda a ilha de Santiago. Íamos fazer trabalho de evangelismo e fazíamos culto público em tendas. Nós tivemos um período na tenda ensinando durante o dia, mas nós queríamos que os irmãos ganhassem o hábito de visitar a igreja e participar dos cultos. Tivemos duas tendas no início do trabalho: uma tenda grande para adulto e uma pequena para trabalhos com as crianças.
Eu acredito, e sei que é de Deus, se nós tirarmos as crianças do trabalho missionário, nós não iremos para frente, porque os melhores evangelistas não são os adultos, os melhores evangelistas são as crianças.
Como assim? Podia explicar?
Se você tratar bem a uma criança, ela vai chegar em casa e vai contar que foi bem tratada e isto cria uma grande transformação nas suas famílias. Qualquer coisa simples alegra uma criança: um toque, um olá, dizer como seus olhos são bonitos, realmente as crianças são lindas. As crianças são bênçãos de Deus, tanto que Jesus dá para crianças o Reino de Deus, e não para nós.
Na Bíblia quando as mães foram procurar Jesus para que abençoasse os seus filhos, os discípulos não ficaram muito contentes, mas Jesus disse logo: Deixai vir a mim os pequeninos, porque dos tais é o Reno de Deus. Jesus fez um parenteses, e disse: não os impeçais, isto é, nós não podemos desprezar as crianças, não podemos deixar de ensinar a verdade para as crianças.
Significa que apostaram forte na evangelização das crianças?
Nós tivemos duas tendas bem à frente da Embaixada de Portugal, em Achada de Santo António. Era ali onde nós trabalhávamos e Deus nos deu um trabalho muito abençoado, tantos com as autoridades e com o povo. Lembro-me que eu ia lá no mercado para comprar peixe e tinha relacionamento com todas as pessoas do mercado. As senhoras me chamavam brasileira. Tive que fazer escala, hoje compro com uma senhora, amanhã compro com outra. Trabalhei também no porto da Praia, com a irmã Zita. Ela já tinha um trabalho no porto. O porto era deferente, hoje é um porto do primeiro mundo. Na altura, era simples, havia venda de sopa pela manhã para os portuários, nós esperávamos as mulheres que vendiam peixe para evangelizar. Nós andamos evangelizando por toda ilha.
Os cultos era bem frequentados. Deixamos cerca de 70 pessoas fixas na Igreja aqui. Tínhamos escola Bíblica Dominical com classes divididas. Tínhamos escola dominical pela manhã, culto à noite, culto durante a semana. Realizamos o primeiro encontro de jovens e das senhoras. Tínhamos circo de oração. Fizemos um retiro em São Francisco, levamos os jovens a proposta do livro de Ester, fizemos encontro de jovens, tinha coral de jovens, a igreja tinha muito testemunho de cura divina, de libertação, para mim foi um tempo muito muito proveitoso.
Foi a sua primeira experiência de trabalho evangélico fora do Brasil…
Sim. Fazendo um paralelismo e falando um pouquinho de Cabo Verde e de Senegal, onde trabalhei com grupos étnicos puros, para mim eu fiz faculdade de antropologia que eu não faria no Brasil, porque faria uma faculdade livresca, mas aqui eu fiz no dia-a-dia, aprendendo com o povo, fui recebida em todas as camadas sociais de Cabo Verde. Foi aqui em Cabo Verde, o meu primeiro país transcultural foi Cabo Verde.
A senhora tinha quantos anos na altura?
47 anos
Desde quando a senhora trabalha como Pastora?
Eu sempre trabalhei na igreja, irmãos. Eu sempre trabalhei em todas as áreas, zelando pela casa do Senhor: tesouraria, secretaria. Fundei uma escola profissional. Comecei a trabalhar na escola Bíblica Dominical com 17 anos.
27 anos depois a senhora volta para Cabo Verde. Neste momento, qual é avaliação que faz da evolução do trabalho evangélico aqui?
Eu sinto a glória de Deus em Cabo Verde. Eu não posso falar ao contrário. Sei que todo o trabalho humano tem imperfeições, nós não somos perfeitos, por mais que a gente se dedique, vai sempre faltar alguma coisa, mas eu vejo Deus trabalhando na vida de Cabo Verde, até na parte da política, na parte da estrutura.
Tem coisas para fazer, e muitas, a população cresceu, mas os missionários estão trabalhando com muito empenho. Deus nos abençoou naquele período, a igreja está também abençoada por Deus, os missionários estão trabalhando, os irmãos estão ajudando, têm coisas para fazer? Tem. No Brasil, que entrou o evangelho, só na minha igreja no Porto Alegre tem mais de 90 anos, tem coisas para fazer, muitas coisas para fazer…
Se lhe solicitássemos uma palavra de Deus para Cabo Verde, qual seria a palavra que a senhora deixaria para o nosso país?
Eu deixaria uma palavra de celebração, por tudo o que Deus fez, pelas almas que foram salvas. Eu diria uma palavra de júbilo e de celebração.
Como é que sente, agora que conta 72 anos?...
Deus me chama e me leva para países que eu nunca tinha entrado. Eu tenho casa, comida, amor. Para mim, missões é encher a terra de GLÓRIA de Deus, pregando, ensinando, fazendo todo o trabalho. Tem sofrimento? Tem. Em todos os lugares. Jesus disse “no mundo tereis aflições”, mas missão não é sofrimento, missão é Deus te honrar, porque se fosse outra pessoa, não me colocaria a andar pelas nações. Eu sou muito grata a Deus.
A senhora, que cresceu na igreja desde os 5 anos, não queria deixar aqui um conselho aos jovens cabo-verdianos?
Olha, o conselho irmão… aqui a gente tem que entrar na família. Nós precisamos trabalhar a família. Precisamos trabalhar os professores com a visão do homem integral. O professor da criança não pode ter visão só da criança, o professor da criança vai ter que ter a visão que ele está preparando a criança para ser adolescente, o professor de adolescente terá que ter a visão que está preparando adolescente para ser jovem, o professor do jovem terá que ter a visão de que está preparando jovem para ser adulto e depois para envelhecer.
O conselho que eu dou para os jovens é este: mesmo que estejam fracos, permaneçam na casa do Senhor, porque no mundo irmão ninguém vai ficar forte.
Trabalhar com os jovens não é tarefa fácil…
Cada jovem é um jovem, cada um vem de uma família, e precisa ser aconselhado, apascentado. Se não apascentarmos os jovens, acharmos que eles são fracos, que são isso e aquilo, nós vamos perder os jovens. Temos que apascentar, porque tem jovens que são maduros, mas outros custam amadurecerem.
Depois de um jovem estar dento da igreja meu conselho é este: a gente não pode perder quem está dentro da igreja, se chegou até à igreja é porque tem um propósito de Deus. Agora temos que ministrar, fazer ministrações específicas sobre o corpo. Porque nós gostamos muito de dizer, olha tu não podes usar essa camisa, tu não podes usar esse chinelo… não é assim. A ministração tem que ser pelo corpo, ali na primeira Coríntias, como templo do Espírito Santo. Á medida que nós começarmos a fazer essas ministrações sobre o corpo, templo do Espírito Santo, o Espírito Santo vai entrar e vai mudar o que precisa ser mudado lá dentro. Tem pessoas que chegam na igreja muito sofrida da família, e tudo isso tem que ser levado em consideração. Se estava lá no mundo, cheio de coisas, mas chegou na igreja, Jesus vai recuperar, agora tem que ter apascentadores, pessoas com paciência para ajudar.
A sua vida é cheia de milagres de Deus. Conta aqui para nós algumas delas…
Eu sempre quis ser professora. Mas eu não tinha recursos para a formação. Como a Bíblia diz que eu posso orar em qualquer lugar, desde que não tenha mãos com contendas, eu orei frente da escola, e eu disse “olha Senhor eu quero ser professora eu amo dar aulas” e pedi a Deus que me desse recursos para eu fazer aquela escola normal. E a minha mãe me perguntou assim: tu vais fazer escola normal aqui? Eu respondi vou mãe, em nome de Jesus eu vou fazer. E aí ela me diz: escuta só, eu só tenho dinheiro para a tua inscrição e a primeira mensalidade, se tu tiveres coragem depois de romper, porque na segunda mensalidade não terei dinheiro. Eu dava aula particular, mas como as crianças eram pobres também… eu não conseguia recursos.
Mas segui em frente. Pela honra e glória do nome de Jesus, eu fiz o vestibular, passei. Olha só como Deus faz coisas grandes. Aí minha mãe me diz assim, Marlene, está aqui o dinheiro, na segunda mensalidade não terei mais dinheiro para ti. E eu fui para o colégio, botei o dinheiro no meu livro de matemática, e quando cheguei na primeira aula de psicologia, lembro-me como se fosse hoje, a diretora da escola normal perguntou: quem é Marlene? Eu tinha acabado de ganhar uma bolsa.
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