“Cabo Verde é hoje um País da Mentira. Um país de Passadores de Pau, como diria o médico/escritor Arsénio de Pina. A mentira foi institucionalizada, começando nos altos dignitários da Nação até aos vagabundos das urbes. O espertalhão roubou lugar ao inteligente. O que importa é poder passar pau hoje, não importa a quem. E a amanhã logo se vê.”
Percorrendo, faz algum tempo, as páginas de um periódico português deparei-me com um interessante artigo cujo título era “O charlatão!”. Assim, com ponto de exclamação e tudo.
Nesse texto o autor, expressando, com indisfarçável ironia, a admiração pelo vocábulo e pelo respetivo ofício, sustentava, com persuasiva argumentação, que um charlatão é uma profissão tão digna quanto as outras. É uma espécie, dizia ele, de vendedor de banha de cobra com um curso superior, mestrado e pós-graduação.
Assim sendo, prosseguia, não seria vexatório, muito pelo contrário, seria motivo de orgulho, para pais e filhos quando, instados a contar a profissão do seu descendente/ascendente, respondessem: o meu filho/pai é um charlatão! Com tal resposta, acabariam por suscitar a admiração dos demais e até uma certa inveja que nem todos conseguiriam conter.
Já em Cabo Verde, pouco dados à ironia e ao sarcasmo, temos dificuldades em ficcionar tamanha bonomia para com o homólogo crioulo do charlatão, “o passador de pau”.
Pelo menos é o que se pode deduzir de um acrimonioso texto do cidadão Antero Coelho, intitulado “O País da Mentira”, publicado neste online no dia 21 de maio de 2021:
“Cabo Verde é hoje um País da Mentira. Um país de Passadores de Pau, como diria o médico/escritor Arsénio de Pina. A mentira foi institucionalizada, começando nos altos dignitários da Nação até aos vagabundos das urbes. O espertalhão roubou lugar ao inteligente. O que importa é poder passar pau hoje, não importa a quem. E a amanhã logo se vê.”
Entretanto, verdade seja dita, o “passador de pau” sempre existiu entre nós.
Simplesmente o “passador de pau” de antigamente, trapalhãozito, é certo, era mais tosco e menos ofensivo. Praticamente só caía nos seus contos o pacóvio, nunca gente prendada, sendo certo que, se atrevesse a ir muito longe nas suas façanhas, era devidamente enquadrado e enviado de pronto para o cativeiro.
Hoje não. O moderno “passador de pau” acabou por investir muito na sua qualificação profissional, empoderou-se, como soe dizer-se, com títulos académicos, adotou pose de respeitabilidade e, sobretudo, aprimorou a sua capacidade de disfarce, afinal a essência do seu métier.
Furtivo nas suas investidas, torna-se difícil, mesmo ao observador mais atento, aperceber-se de que o “passador de pau” está na iminência de desferir um golpe fatal, pelo que o que dele se conhece são apenas relatos das suas vítimas, sempre amargamente compungidas, e em certa medida envergonhadas, de se terem deixado fazer de trouxa.
Parece ter sido o que sucedeu com um nosso patrício que, ainda jovem e muito promissor quadro em Portugal, foi abordado por um conterrâneo que o incumbiu de receber certa quantia, relativamente elevada, de um dito “cliente”, para depois fazer-lhe a entrega em Cabo Verde.
Na sua boa fé e na confiança infinita que depositava no seu interlocutor, mal poderia imaginar que estava simplesmente a servir-se de “correio”, para fazer chegar a Cabo Verde dinheiro que as autoridades viriam a ter por suspeito.
Na verdade, a justificação dada pelo amigo para lhe solicitar esse favor, é que não possuía conta em Portugal, aonde lhe pudesse ser depositado esse dinheiro.
Essa foi a primeira rasteira, diga-se rasteira de mestre, que foi passada ao pobre incauto, pois, como se veio a saber depois, era redondamente falso que o cavalheiro em referência não tivesse conta bancária em Portugal.
E, se ele tinha conta em Portugal, e evitou que nela lhe fosse depositada uma quantia tão elevada, é porque, como se costuma dizer, ali havia gato.
Mas, o melhor estava ainda para vir.
Com efeito, já em Cabo Verde, quando esse jovem quadro pretendeu fazer a devolução do empréstimo, como tinham combinado em Portugal, o distinto cavalheiro esquivou-se, mais uma vez, a receber a quantia na sua própria conta bancária. Preferiu que o montante fosse depositado em contas de terceiros.
Tratou-se, como é fácil de ver, da segunda e definitiva jogada de mestre da parte dele, para assegurar o sucesso da operação que tinha posto em andamento, ao mesmo tempo que mantinha o seu corpinho estrategicamente de fora.
Com efeito, o depósito em contas de terceiros, por conseguinte, numa pluralidade de contas, implica o fracionamento da vultuosa quantia em parcelas mais reduzidas, permitindo, assim, que a sofisticada operação passasse despercebida ao sistema de alerta contra o branqueamento de capitais, com a vantagem de se manter sempre oculto (e a salvo) o verdadeiro destinatário/dono do dinheiro.
E, assim, utilizando, com insuperável astúcia, um “correio”, que muito provavelmente sequer se apercebeu da arriscada missão em que esteve envolvido, conseguiu-se transportar de Portugal e incorporar no sistema financeiro cabo-verdiano, como limpinho-limpinho, dinheiro que as autoridades suspeitam ser sujo, por indícios da sua proveniência criminosa.
É, caros concidadãos, a esse ponto que chegamos no nosso Cabo Verde, outrora terra de gente laboriosa e honrada.
Desengane-se, porém, quem possa pensar que tais condutas provocam generalizada reprovação.
Não provocam, não. Muito pelo contrário, tal como planear e executar fuga de arguidos, condenados por crime de homicídio, essas façanhas acabam por trazer reconhecimento social, quiçá até uma condecoração, o que não deixa de constituir sinal inequívoco dos tempos em que vivemos.
Razão para se concluir, com Almeida Garrett: “foge cão, que te fazem barão!”.
Comentários
Malandros, Vigaristas e Imigrantes no Sofá, 27 de Mar de 2025
Se a única coisa que vês em CV são trafulhas, convém verificar se não estás a competir no mesmo campeonato.
O coitadinho do imigrante aterra em CV com um mestrado em moral e cátedra em bons costumes, monta a barraquinha de vender banha da cobra, empurra o negócio a meio mundo… e depois reclama que só há vigaristas. Será que é vítima ou o chefe do gangue? Imigrantes formados e cheios de ideias? Há resmas no sofá, para agir e fazer a diferença, aí é que a porca torce o rabo.
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