O grau zero da política!
Colunista

O grau zero da política!

Para além do desprezo pela urbanidade, a falta de educação e a falta de decência, características que, no mínimo, deveriam ser apanágio de quem já tem cabelos brancos (e idade para ter juízo), o inefável secretário-geral ventoinha deu de si e do seu partido uma imagem reveladora: mesmo acusando sem provas e sem que o seu alvo tenha sido condenado por qualquer crime, de momento que se trate de opositores do “partido da liberdade e da democracia”, vale tudo. É o grau zero da política! Será que estou a defender Francisco Carvalho? Não, estou a dizer que a lei não é (só) para proteger as pessoas de quem gostamos!

Não que do ponto de vista da credibilidade as declarações do secretário-geral do MpD signifiquem grande coisa. Pelo contrário, este inefável ancião tem a rara capacidade de transformar as suas conferências de imprensa em autênticos tiros no pé, colocando-as no patamar do suicídio político – uma circunstância em que está a revelar-se especialista.

É que o precário secretário-geral ventoinha não apresenta uma ideia, uma proposta política, tão-pouco traz ao debate público uma esperança mobilizadora para o eleitorado do seu partido e para o futuro do país. Limita-se a achincalhar, a atacar pessoas e a chafurdar nos mais primários sentimentos de ódio ao outro, fazendo acusações pueris e violando mesmo princípios fundamentais de um Estado de Direito Democrático, como o direito à honra, ao bom nome e à presunção de inocência.

Flertando com a extrema-direita

Mas, conquanto as declarações do senhor em questão sejam amputadas de qualquer credibilidade e signifiquem praticamente nada do ponto de vista da eficácia que interessaria ao seu partido, trazem no bojo sinais preocupantes de um extremismo que só encontro paralelo no trumpismo e no bolsonarismo, bem como nos seus sucedâneos menores de várias latitudes.

Com isto, estou a dizer que o MpD é de extrema-direita? Não, não é isso que estou a dizer! Não há nada no programa deste partido que o indicie, do ponto de vista ideológico e político – independentemente de nos revermos, ou não, no seu projecto de sociedade -, e, pelo contrário conheço figuras proeminentes e militantes do MpD intocáveis no que respeita ao seu compromisso com a liberdade e os valores democráticos.

O que estou a dizer é que há uma ala do partido que, desde há alguns anos – e tive ocasião de o referir atempadamente -, se aninhou aos métodos e às narrativas onde encontramos o que de pior a política de várias latitudes nos tem revelado nos últimos tempos. A verdade é que, não o sendo formalmente, este MpD de Ulisses Correia e Silva flerta com a extrema-direita. E, sinceramente, espero que seja um tique passageiro, apesar de olhar com apreensão os silêncios internos de quem deveria ter a coragem o denunciar.

Desprezo pela urbanidade, falta de educação e de decência

O desbocado ancião, conhecido pela sua repulsa a jornalistas e desconforto pela liberdade de imprensa, foi protagonista, na última terça-feira, de um dos episódios mais tristes e desprezíveis que já tive ocasião de presenciar nestes quinze anos que levo de Cabo Verde.

Sem que o actual presidente da Câmara Municipal da Praia (e líder do principal partido da oposição) tenha sido condenado, e sem que tenha apresentado qualquer prova que o sustente, o secretário-geral disse sobre Francisco Carvalho, entre outros mimos, ser este “desonesto”, “criminoso” e “mau-caráter”, rematando com duas elucidativas declarações: “fica absolutamente claro que o presidente do PAICV é o presidente de câmara mais corrupto e fora da lei que Cabo Verde já teve” e que “o objectivo [de Francisco Carvalho]  é angariar dinheiro para ele, para os seus camaradas e para a campanha eleitoral que está próxima”.

Para além do desprezo pela urbanidade, a falta de educação e a falta de decência, características que, no mínimo, deveriam ser apanágio de quem já tem cabelos brancos (e idade para ter juízo), o inefável ancião ventoinha deu de si e do seu partido uma imagem reveladora: vale tudo, mesmo acusando sem provas e sem que o seu alvo tenha sido condenado por qualquer crime. De momento que se trate de opositores do “partido da liberdade e da democracia”, vale tudo. É o grau zero da política!

“Custe o que custar” deu maus resultados

Vale tudo, claro, para “travar Francisco Carvalho”, como também foi enfaticamente referido pelo secretário-geral do MpD, denunciando ao que vinha. Talvez uma espécie de reprise do “tomar a Praia custe o que custar”, que tão desastroso resultado teve nas últimas eleições autárquicas, mas que nenhuma consequência teve na visão dos génios que definem a suicidária estratégia política do MpD.

Um custe o que custar, aliás, bem expresso nas declarações à imprensa prestadas ontem por Ulisses Correia e Silva, durante uma visita pela cidade da Praia, durante a qual incitou a Câmara Municipal a “servir com qualidade os munícipes na área de saneamento”. E fê-lo, precisamente em Fonton, após reiteradas acusações da autarquia à Águas de Santiago por estar a inundar as ruas com águas provenientes de esgotos, em particular a vala de Fonton, gerando “focos de mosquitos” e “graves constrangimentos” aos munícipes.

Ulisses enganou-se no alvo? Claro que não, fê-lo na intenção de atacar a Câmara Municipal da Praia e desviar a atenção sobre o verdadeiro culpado da situação em Fonton. Isto, porque o ainda primeiro-ministro continua fiel ao princípio do “custe o que custar”, apesar de lhe ter valido a maior derrota pessoal da sua vida política - o que já parece ser um caso de asnice crónica.

Ulisses e a arte de faltar à verdade

Mas fez pior, ainda. Sem pudor, Ulisses permitiu-se faltar à verdade ao dizer que, só nos últimos cinco anos, a Câmara Municipal da Praia terá recebido “cerca de 3,1 milhões de contos através do Fundo de Financiamento Municipal” e, ainda, “250 mil contos do Fundo do Ambiente”, procurando confundir os cabo-verdianos.

A verdade é que, nos últimos cinco anos, o Governo não fez qualquer investimento no Município da Praia! Quanto ao Fundo de Financiamento Municipal (FFM), não se trata de uma verba depositada para qualquer projecto específico, é, sim, comparticipação da receita do Estado para o financiamento dos municípios, quase exclusivamente para suportar as despesas de funcionamento, principalmente o pagamento de salários.

No caso da Câmara Municipal da Praia, convirá dizer que as transferências do FFM rondam os 600 mil contos por ano, na ordem de 50 mil contos por mês, o que nem chega para o pagamento integral dos salários, cerca de 63 mil contos mensais. De fora, ficam todas as outras despesas, como sejam, água, electricidade, combustíveis para todos os serviços, incluindo para o saneamento, apoios sociais e mais uma infinidade de projectos de interesse público.

Quanto ao Fundo do Ambiente (um fundo resultante da cobrança de taxas municipais – logo, dinheiro do município!), mais uma vez, Ulisses falta à verdade. O montante atribuído à Câmara Municipal da Praia é de cerca de 75 mil contos mensais, referente ao ano económico de 2023/2024, mas a verdade é que entre 2020/2021 e 2023 não foi transferida qualquer verba. São dados públicos que qualquer pessoa pode consultar.

Já agora, embora o primeiro-ministro a ele não se tenha referido, convirá falar sobre o Fundo do Turismo, onde parece haver, no mínimo, uma situação inusitada. Ainda na gestão do MpD e de Óscar, foi efectuada uma transferência antecipada de todas as verbas a que a autarquia tinha direito até ao ano de 2024. Isto é, até quatro anos após as eleições, que o MpD perdeu. Resultado: a actual gestão de Francisco Carvalho, até agora, apenas recebeu três mil contos, destinados à formação da Polícia Municipal.

A lei não é (só) para proteger as pessoas de quem gostamos

Presumo que virão por aí umas chusmas de delinquentes digitais e de rameiras sistémicas dizendo que, agora, defendo Francisco Carvalho. Não, estou a dizer que a lei não é (só) para proteger as pessoas de quem gostamos!

Por tal, recentemente, coloquei-me na defesa de Sandeney Fernandes, que julgo ser o culpado conveniente no escândalo da compra de acções da Caixa Económica de Cabo Verde. E não o disse por gostar do Sandeney, que não gosto por razões objectivas. Mas, porque a justiça é para ser aplicada a toda a gente, incluindo às pessoas de quem não gostamos.

E, mais lá atrás, naquilo que ficou conhecido como a “Mafia dos Terrenos”, tomei posição pública em defesa de Arnaldo Silva – com quem não tenho qualquer relacionamento pessoal -, porquanto considerei que acusar alguém, de uma enfiada, da prática de crimes de burla qualificada, falsificação de documentos, organização criminosa, corrupção activa, falsidade informática e lavagem de capitais, é obra. Para mais quando o visado, antes mesmo de ser inquirido pelo Ministério Público e constituído arguido, foi sujeito a desnecessária detenção com um injustificado aparato policial.

É que, ao contrário de muitos democratas de pacotilha, a minha consciência democrática e o meu sentido de justiça não são pechisbeque aleatório, nem instrumentos para safar confrades e perseguir adversários políticos.

Como já tive ocasião de referir reiteradamente, as tentativas de judicializar a política e de politizar a justiça, em todo o mundo, apenas servem para enfraquecer a democracia, instalar o medo e impor o pensamento único.

No caso cabo-verdiano, a situação ainda assim, não é tão grave (embora se deva estar alerta), muito por razão da inabilidade política, da burrice crónica dos seus cultores e do desespero de quem sabe estar a chegar ao fim o seu reinado.

É a democracia a funcionar, seus néscios!

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