1. Em primeiro lugar, parece-nos difícil de compreender como é que uma elite que sempre reivindicou para si o papel de liderança cultural do país, coloque nas mãos dos "outros" a responsabilização pelo "destino" que a ilha tem seguido. Dito de outro modo, há aqui um paradoxo discursivo: uma absoluta autonomia criativa e cultural que acaba por não proporcionar o triunfo económico – de cuja ausência se queixa. Neste particular, parece-nos que o grande problema – uma espécie de reinado com pés de barro – reside na perspectiva sobre a qual é construída essa "autonomia" e que tem vindo a ser resumida na ideia de "ilha dos grandes eventos". É que o "evento" tem, intrinsecamente, a dimensão do momentâneo, do efémero, do pontual e passageiro. Haverá alguma vez a possibilidade de construção de toda uma dinâmica económica – que redunde em emprego e ponha fim a "marasmos" – com a elite local a pensar sob a forma de "eventos"? Talvez, o "cultural" aqui seja mais o "deleite", a "fruição", o "sabim" e atira-se a indústria para a responsabilidade de um OUTRO. É que assim a criatividade, o empenho e o compromisso ficam – demasiadamente – parciais;
2. A liderança cultural terá questionado sobre quantos profissionais das artes cénicas, teatro e cinema, sairiam para o mercado como fruto desses 20 anos do "MindelAct"? Quantos postos anuais de trabalho iria trazer o "Cavala Fresk Festival"? Quantos empregos criariam as 31 edições do "Festival Baía das Gatas" para além do seu regresso à "estatização" face ao fracasso da sua "privatização"? Sim, porque câmara municipal é Estado! Alguém pensou no impacto que um Fundo de Fomento de Emprego poderia ter se fosse detido por uma Associação de Carnaval de São Vicente? Ninguém podia pensar porque... não existe! Será que a coordenação do carnaval vai para além da sincronização dos passos de dança dos foliões?! Pergunto, apenas.
Como promover o desenvolvimento local com os mais talentosos – aqueles que estão muito mais dispostos a correr riscos e a inovar – a saírem numa sangria permanente?!
3. Olhemos o segundo factor: a emigração. Ab initio, importa sublinhar que uma das características mais marcantes da emigração é a maior probabilidade de saída dos mais capazes, mais fortes e mais criativos – os que mais podem contribuir para o desenvolvimento – e, ainda por cima, na altura em que estão em plena força da sua juventude. É assim que as áreas geográficas de forte emigração são duplamente penalizadas. Isto porque à saída dos mais jovens, vem associar-se o facto de que os mais pobres nunca chegam a emigrar. Os mais pobres não têm dinheiro para comprar o visto, pagar a passagem de avião e apresentar conta bancária "convincente".
4. Se olharmos, já desde os Censos de 2000, verificamos que, em termos de saídas, São Vicente é ultrapassada apenas pelas ilhas de Fogo e Santo Antão. Uma das leituras possível é a de existência de uma forte tendência para se ir "buscar" uma vida melhor em outras paragens, em detrimento de se ficar e se lançar na aposta de "construção das bases para se deixar de sair", ou, pelo menos, diminuir o fluxo de saídas. Como resistir ao apelo da saída e ficar para criar condições para – precisamente – não se ter de sair? Não seria mais viável a aposta em "pioneiros locais"? Quem se abdicaria da vida na Praia e substituiria a rotina dos fins de semana por uma residência fixa comprometida com o Monte Cara? Ou os pioneiros – novamente – terão que ser os OUTROS?
5. São para estas questões de fundo que devemos olhar, se queremos inverter a pesada marcha da dinâmica social. Identificar e atacar as causas profundas, numa perspetiva de longo prazo e de construção do futuro, com responsabilidade e sentidos de Estado e de Nação.
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