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Comparar a Educação em Cabo Verde com Padrões Internacionais, por via do PISA, e a Avaliação Externa das Escolas
Colunista

Comparar a Educação em Cabo Verde com Padrões Internacionais, por via do PISA, e a Avaliação Externa das Escolas

Podemos aprender com os estrangeiros, mas temos de ser nós próprios a desenhar e a implementar as medidas de melhorias. E quando digo nós, refiro-me, sobretudo, às instituições educativas, os Professores. Quem tem dúvida, pergunte ao Emmanuel Macron, sobre as suas recentes políticas para melhorar a qualidade da Educação em França. Num grande encontro, em setembro de 2021, chamou todos os Reitores e os Diretores de Escolas e lhes disse assim: “Os sucessivos governos vêm fazendo reformas e mais reformas, mas a verdade é que não se tem notado grandes melhorias. Agora, queremos que sejam as Escolas, as Universidades a assumirem esse desafio.” E para o efeito, criou um poderoso programa financeiro e o colocou à disposição das Escolas e Universidades para (cada uma), mediante projetos e programas concretos de melhorias que desejarem operar, recorrerem a esse programa.

O Ministério da Educação perspetiva comparar o processo educativo cabo-verdiano com os dos países membros e parceiros da OCDE, sujeitando-o aos testes padronizados dessa organização internacional. No geral, o referido organismo dispõe de três sistema de testes internacionais para avaliar os processos educativos em diferentes países, sejam membros, sejam parceiros (como poderá vir a ser o nosso caso). 

Dos testes, fazem parte: (i) o PISA (Programme for International Student Assessment) - para avaliar estudantes na faixa dos 15 anos, ou seja, no final da escolaridade básica; (ii) o TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) - para avaliar os resultados em Matemática e Ciências; e (iii) o PIRL (Progress in International Reading Literacy) - para avaliar os alunos no ensino básico, a nível da literacia em leitura).

Feitas as avaliações, que decorrem num período de três em três anos, a OCDE produz um relatório onde divulga os resultados, colocando os países e os seus processos educativos em ranking. Não deixa ser interessante e estimulante, quando o país fica bem posicionado. Por outro lado, os resultados, também, espelham desafios. É claro que isto ajuda o país a situar-se, em termos de comparação internacional, naquilo que, na perspetiva da OCDE, reflete a posição do país em termos de qualidade da sua educação. Importa realçar que os aspetos valorizados e, por conseguinte, avaliados pela OCDE são importantes, mas são redutoras, em relação a aquilo que se pode considerar Educação Integral, uma seja, uma Educação Cidadã, tanto defendida pela UNESCO nos seus sucessivos relatórios e, sobretudo, no último publicado em 2021, cujo título é: Reimaginar Nossos Futuros Juntos: Um Novo Contrato Social para a Educação[i].

No entanto, querendo Cabo Verde participar dos testes, designadamente, PISA (o mais comum), é preciso muito mais investimentos na Educação e, sobretudo, nos fatores de qualificação, abrangendo, desde as orientações políticas e todo o processo de administração educacional que, diga-se, é muito do estilo top down, ou seja, é muito centralizado (Banco Mundial, 2019, p.59)[ii], passando por mais e melhores investimentos nos Professores e nas Professoras, traduzidos numa efetiva valorização da classe, como aqueles que, na prática, realizam a Educação. É basta perguntar aos países que hoje estão no topo dos rankings dos testes PISA qual foi o trabalho de casa que fizeram.  

Mas a questão mais de fundo é saber quais são os verdadeiros propósitos dessa vontade do Governo em fazer Cabo Verde participar do PISA. Anda-se a dizer que se quer comparar a educação em Cabo Verde com os padrões internacionais. Eu não sei que vantagens trás essa comparação e nem o que tem a ver os grandes desafios da nossa educação!

A Educação que se desenvolve num país deve estar intimamente ligada aos desafios do próprio país. Logo, se se pretende, dessa comparação internacional, tirar elementos que nos ajudem a situar, em termos de qualidade da educação que temos, creio que é um pressuposto errado. Por outro lado, se se pretende fazer Cabo Verde participar e, por essa via, estimular e melhorar o desempenho das nossas escolas, também, não me parece um procedimento recomendável.

É preciso ter em conta que muitos especialistas em Educação criticam o PISA, por não acreditarem ser possível desenvolver uma avaliação, a nível internacional, que possibilite uma comparação entre os resultados de alunos com diferentes línguas maternas, contextos sociais e culturais, inseridos em diferentes sistemas educacionais.

Cada país deve ter o seu sistema educativo, com a Educação que precisa e que pode desenvolver, a cada momento, tendo por base as suas próprias realidades socioculturais e económicas, ou seja, os seus desafios de desenvolvimento e do bem-estar da sua população. Deste ponto de vista, Cabo Verde, querendo apostar-se na melhoria da qualidade da sua Educação, tem de olhar criticamente para o seu próprio sistema educativo, mas, sobretudo, para a sociedade no seu todo, analisá-la desapaixonadamente  para se perceber, de forma muito clara, o estádio em que nos encontramos, em diversos aspetos, como: desigualdades sociais, segurança, saúde, capacidades de planificação, nível de produtividade, capacidade para assegurar a eficiência, a eficácia e a efetividade nas nossas ações, o nível de produção dos conhecimentos e da sua utilização, os valores sociais como trabalho,  honestidade, respeito, solidariedade, etc., etc.

Foi assim que, por exemplo, fez a Finlândia nos anos 70, quando se encontrava na cauda da Europa, em termos económicos, e com muitas cidades onde os porcos andavam soltos. Importa acrescentar que esse país veio a estar no topo da Educação, a nível mundial, e a ocupar os primeiros lugares nos rankings do PISA, mas nunca trabalharam a Educação com a preocupação de participar do PISA. Isto só veio a acontecer, por acaso, e já numa altura em que eles próprios confiavam muito no modelo educacional que construíram, pelos seus impactos no progresso e no bem-estar de toda a nação.

Finalmente, é preciso considerar que a participação nos testes PISA tem custos para o país!

Outra matéria, na ordem do dia, é a avaliação externa das escolas. Esta, também, não deixa de ser uma matéria controversa e de resultados questionáveis, tal como os testes PISA, sobretudo, quando parece haver confusão, de ponto de vista conceptual, entre a avaliação externa e a avaliação estrangeira. Espero que aquilo que aconteceu na avaliação externa das instituições do ensino superior (onde os avaliadores foram todos estrangeiros) não aconteça com as escolas básicas e secundárias. Afinal, já dizia Cabral que temos de pensar com as nossas próprias cabeças, e disse mais: a água da fonte, por mais quente que seja não coze o teu arroz!

Em Educação, não há como melhorá-la, com “políticas e ações de costas voltadas para os Professores e Escolas”, como vem acontecendo e as últimas medidas de reformas, bem como o dito Plano Nacional de Formação de Professores, são exemplos paradigmáticos.

Podemos aprender com os estrangeiros, mas temos de ser nós próprios a desenhar e a implementar as medidas de melhorias. E quando digo nós, refiro-me, sobretudo, às instituições educativas, os Professores. Quem tem dúvida, pergunte ao Emmanuel Macron, sobre as suas recentes políticas para melhorar a qualidade da Educação em França. Num grande encontro, em setembro de 2021, chamou todos os Reitores e os Diretores de Escolas e lhes disse assim: “Os sucessivos governos vêm fazendo reformas e mais reformas, mas a verdade é que não se tem notado grandes melhorias. Agora, queremos que sejam as Escolas, as Universidades a assumirem esse desafio.” E para o efeito, criou um poderoso programa financeiro e o colocou à disposição das Escolas e Universidades para (cada uma), mediante projetos e programas concretos de melhorias que desejarem operar, recorrerem a esse programa.

[i] Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação; resumo executivo - UNESCO Digital Library

 [ii] https://documents1.worldbank.org/curated/en/803701567777354345/pdf/Cabo-Verde-Revisiting-the-Efficiency-of-Public-Spending-to-Reduce-Debt-and-Improve-Education-and-Health-Outcomes-Public-Expenditure-Review.pdf)

 

 

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