O Governo, através da Inspeção Geral de Finanças, manda notificar dirigentes da Câmara Municipal da Praia para serem ouvidos no âmbito de uma carta de pedido de demissão de um inspector, dias depois desta mesma Câmara passar por um processo de busca judicial ordenada pelo Ministério Público, com apreensão de documentos e equipamentos de trabalho. Estando este processo na alçada do Ministério Público, o que quer mais o Governo? Por acaso, o Governo passou agora a partilhar a tutela de ação penal com o Ministério Público?
O que o estado de Cabo Verde, através das suas instituições, está a fazer com a Câmara Municipal da Praia não é só perseguição, sufoco ou tentativa de condicionar o normal funcionamento dos órgãos e serviços municipais. Não! Isto que está a acontecer na capital do país, é uma guerra declarada contra uma Câmara Municipal, que, curiosamente, também é uma instituição do Estado, nos termos definidos pela Constituição da República.
Completaram-se hoje, 6 de junho, 27 dias que o Estado de Cabo Verde, através do Ministério Público, invadiu a Câmara Municipal da Praia, sob forte aparato de forças da Polícia Nacional, armado com metralhadoras de guerra, para proceder a uma busca judicial relacionada com alegados crimes financeiros cometidos pelo anterior autarca, Óscar Santos, atual governador do Banco de Cabo Verde.
A este processo contra o Óscar Santos entendeu o Ministério Público juntar as suspeições levantadas por uma carta de pedido de demissão do inspetor de Finanças, Renato Fernandes, e assim realizar uma única busca, motivada, segundo o despacho que ordenara a busca, por questão de logística.
A violência e o aparato com que o Ministério Público fez essa busca chocaram o país. Chocaram também o país o ineditismo de tal evento judicial - é a primeira vez que dois processos judiciais completamente distintos são forçosamente apensados, sem qualquer fundamento legal ou ético -, e o facto de as buscas não terem sido supervisionadas pela polícia ciêntifica, que é a entidade com competências para analisar os documentos e os equipamentos apreeendidos.
Francisco Carvalho foi empossado Presidente da Câmara Municipal da Praia no dia 20 de novembro de 2020. Feitas as contas, o Ministério Público decidiu fazer buscas relacionadas com a gestão de Óscar Santos - os alegados crimes económicos cometidos entre 2017 e 2019, cujo relatório de inspeção de finanças que os terá detetado fora concluído em 2021, tendo sido engavetado durante 18 meses pelo vice-primeiro ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia - 3 anos e seis meses após o empossamento da nova Câmara, liderada por Francisco Carvalho.
Até este momento, nenhum cabo-verdiano conseguiu perceber o porquê desse longo compasso de espera do Ministério Público, a entidade titular de ação penal, e que, em teoria, mas também pela lei, não depende de nunhuma outra instituição ou órgão do poder do Estado para fazer o seu trabalho.
De igual modo que os cabo-verdianos continuam sem perceber como é que o Estado, através do Ministério Público, se dá ao luxo de privar a maior Câmara do país de equipamentos essenciais para o exercício das suas funções, paralizando setores fundamentais da gestão do município, como, por exemplo, o gabinete do presidente, os serviços de vereação, as direções de infraestruturas, transportes, administração, finanças e patromónio, já lá vão quase um mês.
Estes factos são testemunhos de que o município da Praia, o centro político, administrativo e económico de Cabo Verde, está sendo violentado nos seus direitos, sob um manto opaco da justiça e de uma falsa preservação e defesa dos princípios e regras de funcionamento das instituições do Estado. É tudo falso! O objetivo está claro: impedir que a Câmara funcione normalmente, travar o processo de desenvolvimento em curso, quando faltam menos de 6 meses para as próximas eleições autárquicas, como forma de reverter a tendência dos eleitores que maioritariamente pendem para a reeleiçãoo de Francisco Carvalho.
E quando se espera que a todo o momento a Câmara Municipal da Praia seria notificada para ir fazer o levantamento dos seus equipamentos de trabalho, eis que os seus principais responsáveis estão sendo notificados para irem prestar depoimentos na Inspeção Geral de Finanças, no quadro deste mesmo processo, ora sob alçada judicial.
É possível entender esta última tirada do vice-primeiro ministro, Olavo Correia, ao ordenar a audição dos responsáveis da Câmara Municipal da Praia pela IGF?
Terá havido alguma alteração das leis, na qual o Governo, na pessoa do seu vice-primeiro ministro e ministro das finanças, passou a partilhar a titularidade de ação penal com o Ministério Público?
Se a resposta a estas questões for positiva, significa que o princípio de separação de poderes já não existe entre nós e que o Estado de Direito ficou apenas como parte da história política do nosso país.
Porém, se a resposta for negativa - como efetivamente é - então estaremos em presença de uma declaração de guerra de certos setores do Estado contra o maior município do país, a Praia. Porque, mais grave do que a obsessão, a perseguição, o sufoco e a tentativa de paralização do município, a Câmara Municipal da Praia e o seu presidente, Francisco Carvalho, estão sendo assediados e desafiados para a guerra.
Uma guerra desigual, injusta, indecente, tendo como protagonistas o Governo de Cabo Verde e o Ministério Público. E isto, verdade seja dita, não pode estar a acontecer num Estado de Direito Democrático, seja qual for o propósito e a vontade. Porque aqui o propósito e a vontade das leis, sobrepõem a todos os demais propósitos e vontades.
Termos em que o cerco que está sendo imposto sobre a Câmara Municipal da Praia e o seu presidente, Francisco Carvalho, está condenado a cair por terra, por força das leis e dos princípios fundacionais da República de Cabo Verde. Fica o registo para a posteridade. Contra a verdade não há vencedores. Nunca houve!
Comentários