A Máquina Política e o Debate do Estado da Nação: A Batalha Final
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A Máquina Política e o Debate do Estado da Nação: A Batalha Final

Ulisses Correia e Silva não é um tolo — longe disso. Ele é, talvez, o mais refinado estratega político da era democrática cabo-verdiana. Já antes demonstrou a sua mestria ao virar resultados adversos e triunfar em eleições quando muitos o davam por vencido. Governa com os olhos postos no voto, e não se distrai com críticas nem com diagnósticos técnicos. Por isso, não é por acaso que repete exaustivamente a expressão “sem djobi pa ladu”. É mais do que um slogan — é uma filosofia de governação onde a obstinação é confundida com liderança e onde o objetivo último é a vitória, mesmo que seja em detrimento da verdade governativa. Neste contexto, o debate sobre o Estado da Nação adquire uma importância capital. Não será apenas um exercício institucional — será, acima de tudo, a oportunidade derradeira para a oposição provar que está à altura do momento histórico. A oportunidade de expor a fragilidade estrutural de um governo cuja força reside mais na encenação do que na substância. Mas, para isso, a oposição precisa ir além dos discursos inflamados. Precisa de dados, de análise rigorosa, de desmontar com precisão cirúrgica o plano eleitoral travestido de governação.

Ulisses Correia e Silva não deixa nada ao acaso. Em mais um exercício de comunicação estratégica, lançou recentemente um livro — naturalmente assinado em nome próprio, mas claramente redigido por uma equipa — onde enumera, com requinte argumentativo, todas as razões externas que impediram o seu governo de cumprir as promessas feitas ao povo cabo-verdiano. A guerra na Ucrânia, o conflito entre Israel e o Hamas, a pandemia da COVID-19, e até os efeitos das alterações climáticas figuram como elementos centrais desta narrativa de justificação política.

O livro não é apenas um exercício de exculpação; é a consolidação de uma tese segundo a qual todos os males do país são produto do infortúnio global, e não de deficiências internas de governação. Ulisses constrói, com inteligência estratégica, uma linha de defesa quase impenetrável: se tudo falhou, foi porque o mundo conspirou contra ele. E a verdade é que essa manobra discursiva tem funcionado. O homem é, sem margem para dúvidas, um génio da política de sobrevivência.

Num tempo político marcado por desconfianças crescentes e exigências de resultados concretos, é impossível negar a astúcia do atual Primeiro-Ministro. Ulisses Correia e Silva, com uma frieza calculada, prepara-se mais uma vez para fazer da política não um espaço de prestação de contas, mas um tabuleiro de sobrevivência eleitoral — onde o tempo de governação se confunde com o tempo de campanha.

Logo após os resultados das eleições autárquicas, que revelaram sinais de desgaste e erosão do capital político do seu partido, Ulisses optou por uma remodelação governamental que, mais do que administrativa, foi essencialmente simbólica e combativa. Não se tratou de corrigir políticas ou de reajustar prioridades em função do interesse público, mas sim de reorganizar o elenco governativo com quadros experientes na luta política, vocacionados para o embate comunicacional e eleitoral. A substituição de ministros não foi um ato de renovação, mas uma resposta calculada ao desgaste: uma tentativa de reposicionar a imagem de um governo que, após dois mandatos, ainda procura apresentar realizações substanciais.

Essa nova engenharia política foi montada com um único objetivo: inverter a percepção pública. E para isso, Ulisses fez o que sabe fazer melhor — transformar deficiências em promessas, críticas em anúncios e falhas em campanhas de marketing político. A saúde, por exemplo, foi transformada no palco mais emblemático desta nova ofensiva. O anúncio da construção do Hospital Nacional — um projeto há muito reivindicado mas constantemente adiado — surgiu envolto em pompa e cerimónia, acompanhado de narrativas de mudança e progresso que, embora ainda no campo das intenções, visam convencer o eleitorado de que o governo "está a fazer".

No setor dos transportes, uma área que acumulou críticas severas ao longo dos anos, o governo avançou com uma solução provisória e arriscada: aluguer de aparelhos para ligações inter-ilhas e promessas de voos internacionais. Fê-lo mesmo sem certificação, mesmo sem aparelhos prontos — porque, no cálculo político de Ulisses, a promessa e a perceção valem mais do que a realização concreta.

A justiça, por sua vez, foi transformada numa vitrina de reformas futuras. Foram organizados fóruns, mesas redondas e debates públicos, numa tentativa clara de projetar uma imagem de transformação estrutural — embora, até agora, os efeitos reais dessas reformas ainda estejam por provar.

As medidas de perdão de dívidas de água e eletricidade, os projetos de habitação jovem e outras ações com forte apelo social não surgem como resposta a uma governação progressista e coerente, mas como parte de uma arquitetura de campanha cuidadosamente desenhada para reforçar a ligação com os eleitores mais vulneráveis.

Ulisses Correia e Silva não é um tolo — longe disso. Ele é, talvez, o mais refinado estratega político da era democrática cabo-verdiana. Já antes demonstrou a sua mestria ao virar resultados adversos e triunfar em eleições quando muitos o davam por vencido. Governa com os olhos postos no voto, e não se distrai com críticas nem com diagnósticos técnicos. Por isso, não é por acaso que repete exaustivamente a expressão “sem djobi pa ladu”. É mais do que um slogan — é uma filosofia de governação onde a obstinação é confundida com liderança e onde o objetivo último é a vitória, mesmo que seja em detrimento da verdade governativa.

Neste contexto, o debate sobre o Estado da Nação adquire uma importância capital. Não será apenas um exercício institucional — será, acima de tudo, a oportunidade derradeira para a oposição provar que está à altura do momento histórico. A oportunidade de expor a fragilidade estrutural de um governo cuja força reside mais na encenação do que na substância. Mas, para isso, a oposição precisa ir além dos discursos inflamados. Precisa de dados, de análise rigorosa, de desmontar com precisão cirúrgica o plano eleitoral travestido de governação.

A janela está aberta. Este debate será, talvez, o último grande momento antes do próximo embate eleitoral. Cabe à oposição decidir se o vai aproveitar como uma verdadeira arena de escrutínio democrático ou se o deixará escapar como mais uma oportunidade perdida.

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