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A lenda de um Governo amigo e parceiro do Poder Local. Ou tão-somente contos de carochinha
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A lenda de um Governo amigo e parceiro do Poder Local. Ou tão-somente contos de carochinha

Há pouco tempo, o Tribunal de Contas entrou na Câmara Municipal da Praia para fazer uma auditoria, tudo indica que a pedido de um grupo de vereadores. Até aqui, tudo tranquilo, não fosse o facto de este mesmo Tribunal ter recusado fazer uma auditoria solicitada pelo presidente da Câmara Municipal, Francisco Carvalho, este que de acordo com o Estatuto dos Municípios de Cabo Verde, até é um órgão do município. São factos. Lendas aqui, só estas de um Governo amigo e parceiro do poder local, que se provou tratar-se de uma brincadeira de mau gosto, ou tão-somente contos de carochinha.

I

Era uma vez um Governo amigo e parceiro do poder local. Comiam na mesma mesa, partilhavam os mesmos projectos e sempre que o poder local - coitado, é mais pobre! - soltar um gemido qualquer, lá estava o Governo a oferecer o seu amparo amigo, os seus préstimos de cooperação e parceria. A dedicação do Governo para com o seu parceiro poder local era tanta que passou a ser considerado amor mesmo, com manifestações públicas de carinho e afetos pessoais e personalizados.

E assim passaram 5 anos de amor e carinho, manisfestos em palavras, obras e omissões. E como essa coisa do amor é também magia, tudo passou muito rápido, num piscar de olhos.

As paixões são assim, distraem os parceiros e de repente as coisas já mudaram e ninguém se apercebeu. Mas é aqui é que reside a "sabura" da coisa - viver entre o sonho e a realidade é transcender o mágico, o exótico. E não é preciso gastar tempo e paciência na tentativa de entender esta maravilha. Não faz sentido nenhum, por ser absolutamente desnecessário!

Só que, como tudo o que acontece sobre a face da terra, os sonhos também terminam um dia e a vida volta ao normal, ao seu estado natural. E morta a utopia, a verdade desabrocha em todo o seu esplendor. É dramático? É! Porém, não existe outra alternativa, que não seja encarar a realidade e seguir em frente.

II

Nas eleições autárquicas de 2020, a magia morreu. Os cabo-verdianos deram um golpe ao governo dos Rabentolas, que perdeu 8 municípios, entre os quais o município capital do país - Praia - mas também os seus bastiões, como Tarrafal de Santiago e São Domingos.

O golpe foi tão duro, que entre noite e dia o Governo transladou-se de Direita Liberal, defensor do Capital e de Menos Estado, para Extrema Esquerda, defensor do Operário, dos Pobres e Oprimidos da terra, abandonou o conforto do Palácio Governamental e saiu pelas achadas, encostas e cutelos das ilhas na distribuição de cestas básicas, na reconstrução e reabilitação de casas, no pagamento de propinas aos estudantes, no perdão de dívidas de água e energia, ações essas, dias antes, classificadas como obras de comunistas retrógrados e promotores da pobreza e da indecência públicas.

Os cabo-verdianos devem estar lembrados que nas eleições de 2016, os Rabentolas definiram-se radicalmente contra "assistencialismo", ou distribuição de recursos públicos às pessoas, que, gozavam, só aumentam a pobreza e a indigência, prometendo que eles, sim, iriam garantir emprego digno às famílias, fixado sob compromisso de 45 mil postos de trabalho para o mandato...

Nada disso aconteceu. O Governo passou 5 anos a alimentar com recursos públicos setores privados bem identificados. E hoje, depois de 5 anos no poder, os cabo-verdianos estão a ver é a promoção do "assistencialismo" à categoria de Ministério do Estado. Quem tiver dúvidas, é só perguntar ao Fernando Elísio Freire, o ilustrissimo ministro do Estado, e terceira figura do Governo e da cadeia alimentar do Movimento. Ele pode e deve explicar qual é a missão do seu Ministério no quadro de um governo de Direita Liberal.

São constatações factuais sobre um grupo que é capaz de se metamorfosear consoante as situações e os interesses conjunturais em presença. Nada de sério, nada de estruturante. Tudo contingência, líquido, descartável.

III

É a natureza dos Rabentolas. A partir de 2016 entraram nos municípios e impuseram o sentido da marcha. Com o lema "Juntos Somos Mais Fortes" o Governo definiu programas e projectos locais e o PRAA serviu de incubadora desse negócio, de paternidade duvidosa - é do Governo?... é dos Municípios?... que decida o diabo...

Mas agora que já não há dinheiro no Tesouro Público para alimentar o programa, aparece o Governo a propor aos municípios a assinatura de um crédito para financiá-lo, com carácter de obrigatoriedade. Quem não assinar o crédito fica sem o PRAA.

O que é feito da autonomia dos órgãos do poder local? Fica a pergunta para nossa reflexão...

IV

É este mesmo Governo, que se afirma amigo e parceiro do poder local, que acaba de apresentar um protocolo de construção de casas sociais, onde coloca os municípios como meros Pontos Focais, sem qualquer poder de intervenção num setor tradicionalmente da competência dos órgãos das autarquias locais. E o Governo está tão determinado na sua saga de assaltar o poder local que chegou a propor no referido protocolo que em caso de eventual recusa dos Municípios, ele (o Governo) assumirá todas as competências na execução do programa.

Os cabo-verdianos estão assistindo a um retrocesso da democracia, da autonomia do poder local, com a indeferença e o estoicismo que lhes são característicos.

V

Há pouco tempo, o Tribunal de Contas entrou na Câmara Municipal da Praia para fazer uma auditoria, tudo indica que a pedido de um grupo de vereadores. Até aqui, tudo tranquilo, não fosse o facto de este mesmo Tribunal ter recusado fazer uma auditoria solicitada pelo presidente da Câmara Municipal, Francisco Carvalho, este que de acordo com o Estatuto dos Municípios de Cabo Verde, até é um órgão do município.

São factos. Lendas aqui, só estas de um Governo amigo e parceiro do poder local, que se provou tratar-se de uma brincadeira de mau gosto, ou tão-somente contos de carochinha.

Artigo original publicado pelo autor no facebook

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SOBRE O AUTOR

Domingos Cardoso

Editor, jornalista, cronista, colunista de Santiago Magazine