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Agricultores de Santiago Norte já sentem impactos das mudanças climáticas e apontam salinização como “grande preocupação”
Ambiente

Agricultores de Santiago Norte já sentem impactos das mudanças climáticas e apontam salinização como “grande preocupação”

Os agricultores de alguns municípios da região Santiago Norte dizem estar a sentir os impactos das mudanças climáticas, indicando a salinização dos terrenos como uma “grande preocupação”.

A maioria dos municípios da região Santiago Norte vive das actividades do sector primário, como a agricultura, pecuária e pesca. Entretanto, nos municípios onde há mar e que também praticam a agricultura, os agricultores já estão a notar a presença da salinização dos terrenos, um dos impactos das mudanças climáticas.

No município de Santa Cruz encontramos, na Ribeira dos Picos, um agricultor de 37 anos, Adilson Gonçalves, que contou que desde criança teve paixão pela agricultura, tendo estudado até o 8º ano de escolaridade e depois decidiu abandonar os estudos para enveredar pela agricultura.

Segundo a mesma fonte esta paixão é uma raridade, tendo em conta que hoje muitos jovens já não querem enveredar por esta área por ser “desafiante”, mas que ele, além da agricultura nutre uma paixão pela pecuária e apicultura (criação de abelhas).

Sobre as mudanças no sector da agricultura, contou que enquanto criança percorria esta ribeira de um canto a outro e o que mais recorda é de água abundante e nem enfrentavam dificuldades nenhumas com a água para o consumo ou para a rega.

“Na época, o que mais tínhamos era água, onde todos regavam por alagamento e nunca faltava. Agora, não obstante a escassez de água, enfrentamos também o problema da salinidade dos terrenos”, disse este agricultor, realçando que agora, após a rega os terrenos ficam brancos, causado pela salinidade.

“Hoje é triste quando se vêm os lugares de longa distância que eram percorridos com os pés dentro d'água e agora este bem “é bem pouco”. Acabaram-se as fontes, secou-se a água”, lamentou.

Igualmente, recordou que antigamente não enfrentavam problemas com a salinidade dos terrenos, considerando que a água era “muito boa”, mas com o decorrer do tempo a salinidade está cada dia mais frequente e está a causar vários problemas na produção agrícola e qualidade dos produtos.

“Tínhamos mais produção de banana, papaia, entre outros produtos, mas com a salinidade do solo, hoje, além da baixa produção, a qualidade e o sabor é diferente”, sublinhou, realçando que têm vindo a mudar as culturas para se adaptarem a esta nova condição, nomeadamente, o cultivo de tomate, cebola e batata.

Igualmente, João Varela, um agricultor de 60 anos, do mesmo município, pertencente ao projecto da empresa Justino Lopes, “que já foi o maior complexo agro-alimentar do país” confirmou as preocupações do seu colega, contando que a questão da salinidade tem sido uma preocupação “enorme” para os agricultores, pois, além de procurar soluções para a falta de água, tem de se procurar alternativas para a salinidade dos terrenos.

Neste quesito, anunciou que têm procurado cultivar produtos que são mais resistentes à salinização ou em alguns casos os agricultores até têm desistido das parcelas de terreno, uma situação que segundo o mesmo tem sido causada pelo aumento do nível do mar e os consecutivos anos de seca.

Varela relembrou os anos de “vaca gorda” em que produziam bananas até para exportar para Portugal porque era em grande quantidade, só que neste momento, além de estarem a cultivar somente cerca de 50 por cento (%) do terreno que pertence ao projecto, a falta de água, a salinização dos terrenos, as pragas e outros impactos das mudanças climáticas têm diminuído drasticamente a produção.

No município do Tarrafal, os agricultores do Colonato têm-se monstrado “desesperados” com esta situação da salinização do solo e têm vindo a apelar apoios do Governo para alguma medida que minimize esta situação.

O presidente da associação dos agricultores de Colonato, João José, informou que neste momento dez poços dos que utilizavam para a rega das propriedades agrícolas se encontram salinizados.

Devido à diminuição da qualidade da água e do solo, João José avançou que estão também a diminuir a qualidade e quantidade de produção, sendo necessário tomar outras medidas para reverter esta situação, salientando que nas épocas de maré alta a situação fica muito mais complicada.

Segundo um estudo do Instituto Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos – INGRH Cabo Verde, intitulado “Conservação e o Uso Sustentável dos Aquíferos Costeiros da Bacia Hidrográfica da Ribeira Seca – Cabo Verde, Definição e Estratégias de Intervenção”, a salinização é devida, “sobretudo, pela utilização da água salobra empregue na irrigação e na agricultura, ocorrência de elevada evapotranspiração e reduzida precipitação anual associado à fraca drenagem”.

A salinização dos solos está identificada como um dos problemas mais graves associados às alterações climáticas. Este fenómeno é provocado sobretudo pela maior evaporação da água devido ao aumento das temperaturas e à subida do nível do mar, que conduz à injecção de água salgada nos aquíferos. Segundo um estudo científico publicado em 2021 na revista Nature, a salinização tende a aumentar drasticamente em vários locais do globo ao longo deste século, com Cabo Verde a situar-se numa das regiões mais impactadas.

Esta reportagem foi originalmente produzida para a Inforpress, no âmbito do projecto Terra África, implementado pela CFI – Agência Francesa de Desenvolvimento dos Media.

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