Tambra, a marca que combina cosmética e alimentação com as raízes da Boa Vista
Sociedade

Tambra, a marca que combina cosmética e alimentação com as raízes da Boa Vista

A cerca de 26 quilómetros da cidade de Sal Rei na ilha da Boa Vista, 11 mulheres encontraram na transformação de alimentos e de matérias-primas naturais uma forma de garantir o sustento de suas famílias. Fazendo uso de recursos regionais, produzem sabões artesanais, chutneys’s, pastas e compotas. Elas são as “cabreiras” no Norte, das povoações de João Galego, de Fundo das Figueiras e de Cabeça dos Tarafes. Jovens que, no ano de 2019 e em situação de desemprego, aceitaram o desafio de explorar a natureza, lançar-se ao cooperativismo e colocar no mercado a marca “Tambra”.

Conheça essa história de união da força feminina, contada ao Santiago Magazine por Isaurinda Almeida, membro e coordenadora da Tambra.

Para os moradores das três comunidades que compõem o Norte da Boa Vista, a vida sempre foi muito sofrida. A população local vivia sobretudo da criação de gado, de uma agricultura rudimentar e com pouca expressão, da produção de queijo caprino, assim como da transformação da argila, extração de rochas calcárias, das atividades artesanais e fabricação de cal e olaria.

Com o passar dos anos muitas dessas atividades deixaram de existir. E devido às sucessivas crises de seca, a vida dos moradores de João Galego, de Fundo das Figueiras e Cabeça dos Tarafes pesou ainda mais. As famílias viram muitos dos seus jovens emigrarem para o estrangeiro, enquanto outros tentavam a sorte noutras ilhas como Sal, Santiago e São Vicente. Boa parte dos que ficaram foi jogada para o desemprego e sem expectativas de melhorar de vida.

Até que nasce a esperança...

 

Mas, para um grupo de 20 mulheres em situação de desemprego, a sorte mudou há dois anos. Através do Projeto Tartaruga Boa Vista, foram selecionadas para um leque de ações de capacitação. Participaram em workshops nas áreas de saboaria artesanal, transformação agroalimentar e boas práticas de manipulação de alimentos.

Estas ações, inseridas no Programa de Desenvolvimento Comunitário - uma das três componentes do Projeto Tartaruga Boa Vista -, visavam proporcionar às 20 mulheres conhecimento e mecanismos que potencializam as atividades geradoras de rendimento. Formaram a cooperativa “Tambra” e logo a seguir avançaram com duas linhas de produções: sabões artesanais e conservas de alimentos.

“Foi uma grande oportunidade. Além de nos ensinarem como preparar os sabonetes e as compotas, por exemplo, nos mostraram como fazer um bom acabamento de cada produto. Nos ensinaram que é sempre bom esmerar não só na qualidade como também na estética”, lembra Isaurinda Almeida.

Foram-lhe ensinadas, também, que devem apostar no diferencial, que as matérias-primas naturais e característico da Boa Vista são a garantia de qualidade, e que os sabonetes artesanais, por exemplo, têm mais benefícios para a pele do que muitos dos industrializados. Aprenderam que com pouco investimento, é possível ter um alto rendimento e ainda trabalhar por conta própria.

Aproveitar o que vem da terra

Hoje, o grupo reduziu de 20 para 11 membros, que duas vezes por semana reúnem-se para as produções de sabões e conservas. A marca produz 10 tipos de sabonetes naturais, chutneys (um tipo de molho agridoce) de tomate e cebola, pasta de beringela e compotas diversas.

A argila, o leite de cabra, tâmaras, leite de burra, cactus e a babosa (aloé vera) são os ingredientes que compõem os sabões da marca “Tambra”. Para a produção, as mulheres utilizam gorduras e óleos essenciais vegetais, canela, alecrim, mel de cana, menta, argila, rosa mosqueta e outros aditivos como o leite, ervas e plantas.

Componentes que, para além da limpeza e higiene, prometem benefícios tanto para todos os tipos de pele. E também para o cabelo. “Os nossos sabonetes são para o uso geral, pois são confecionados com óleos e aditivos naturais, podendo ser utilizados tanto para a pele quanto para os cabelos”, assegura a coordenadora da “Tambra”.

 

Para as conservas alimentares, as mulheres do Norte usam frutas, legumes, verduras e algumas ervas aromáticas. Boa parte desses ingredientes é colhida numa parcela agrícola pertencente ao grupo.

“Investimos numa parcela agro-ecológica, onde cultivamos frutas como limão, laranja, pinha goiaba, banana, papaia. Também plantamos ervas aromáticas e medicinais como capim limão, cidreira, bolbo, erva doce, arruda, alecrim, entre outras”, frisa Isaurinda, informando que também trabalham em parceria com alguns agricultores locais.

Aliás, sublinha a coordenadora, a ideia de avançar com a transformação alimentar surgiu como alternativa para ajudar no escoamento de produtos que os agricultores não conseguiam vender.

“Até agora essa relação tem se limitado na transformação de alguns produtos hortícolas, entre os quais abóbora, tomate, cebola, beringela e batata-doce. Acreditamos que num futuro próximo, essa relação irá se expandir e proporcionar muito mais benefícios tanto para nós e os agricultores quanto para as comunidades onde atuamos”, almeja.

 

Manter-se fiel às raízes

“Tambra” não se limita apenas ao cooperativismo comunitário. A marca conta histórias, resgata o tradicional, expõe a vida genuinamente “Cabrer” e apresenta ao mundo o que é legítimo da Boa Vista.

O próprio nome diz tudo. Antigamente a Boa Vista era conhecida como a ilha das dunas e das tambreiras, por causa das vastas extensões de areia branca e da grande quantidade de tamareiras existentes até então.

“Tambra”, é a forma como os boavistenses chamam a esse fruto originário do Norte da África e abundante na ilha. “Vimos neste nome uma forma de nos mantermos fiel às nossas raízes”, explica.

 

As dunas também foram homenageadas pela cooperativa, emprestando o seu nome para um dos sabões de maior sucesso da marca. O sabonete Dunas é feito à base de leite de burra. Que, alias, é extraído de um dos animais característicos da ilha. A população de burros na Boa Vista é ainda muita expressiva.

“O Dunas é um sabonete deveras especial não só pelas suas propriedades e benefícios únicos para a pele, mas também por tratar-se de uma inovação. Somos a única marca no país que produz este tipo de sabão e estamos entre os poucos produtores no mundo. Ele tem sido o nosso diferencial. Obviamente não poderia ter outro nome. É uma homenagem à nossa ilha”, explica Isaurinda.

 

Note-se, o segredo de beleza do leite de burra atravessou séculos. Para os aficionados pela cosmética é imperativo falar do mítico segredo de beleza de Cleópatra: os banhos de leite de burra. Rico em micronutrientes e em ácidos gordos mono e polinsaturados, o leite de burra tornou-se num produto com propriedades cosméticas de excelência.

“Tambra”, com o seu sabonete Dunas promete uma pele jovem e bonita, suave, saudável e luminosa. Além de limpar, ajuda a evitar os efeitos da passagem do tempo, as rugas e a flacidez da pele em todo o corpo. Com um grande poder hidratante e regenerador, este sabão é indicado para usar no rosto, mãos e corpo como parte da nossa rotina de higiene diária.

Além do Dunas, os sabonetes “Tambra” que mais vende são os que têm como base a babosa, o leite de cabra, a argila e o sabão neutro.

 

De olho noutras ilhas e no mercado internacional

No início, além da Boa Vista, “Tambra” conseguiu colocar os seus produtos no Sal e em Santiago. Mas com a pandemia, hoje tem apenas um pequeno espaço de exposição no Centro de Artes e Cultura (CAC), em Sal Rei.

“Devido a atual conjuntura, não temos montras ou lojas noutras ilhas. Temos apostado na venda direta ou por encomendas através da página no Facebook, tanto a nível local como nacional. Estamos esperançosos de que este cenário deve mudar brevemente”, acredita a coordenadora afirmando que a marca quer atingir o mercado nacional e estrangeiro.

“Queremos ter os nossos produtos, tanto sabões como as conservas, em todas as ilhas. Almejamos também o mercado internacional. Quem sabe? Contudo, ainda precisamos trabalhar algumas questões legais, para podermos então estar em conformidade e em condições de expandir”, ressalva Isaurinda.

 

Além disso, sublinha, é preciso alguma cautela devido ao momento que o mundo está a viver: “A Boa Vista é uma das ilhas de Cabo Verde mais afetada economicamente pela pandemia. O poder de compra dos boavistenses diminuiu fortemente, porque depende diretamente do Turismo. Urge tomadas de medidas profundas e eficazes para contornar a crise em todo o país”.

Isaurinda disse que a cooperativa tem sofrido muito com a pandemia e que foram obrigados adiar vários outros projetos.

Mas, enquanto aguardam dias melhores, as 11 mulheres do Norte continuam produzindo incansavelmente num pequeno espaço cedido pelo Ministério da Agricultura e Ambiente (MAA).

Brevemente terão um espaço próprio no Centro Turístico Agropecuário do Norte, que servirá de local de produção, exposição e venda.

 

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