Um mulher, que as autoridades de saúde colocaram em quarentena domiciliar por suspeita de coronavírus, esquivou ao controlo, foi a uma festa, teve acidente de carro e foi parar ao Bloco Operatório do HAN, que, depois do alerta, teve que ser fechado e os funcionários retidos durante 24 horas até saírem os resultados dos testes ao Covid-19. Hospital vai accionar o Ministério Público.
Não, não se trata de uma brincadeira de 1 de Abril. O caso, insólito mas verídico, aconteceu na noite do passado sábado, 28, horas depois da declaração do estado de Emergência. Uma mulher que estava em quarentena domiciliar, na Praia, porque um dos filhos é colega de escola de um dos filhos do casal de Achada São Filipe, positivo ao Covid-19 – logo com probabilidade de contágio – desobedeceu à medida restritiva para ir a uma festa com os amigos.
Sucede que a mulher, então suspeita de coronavírus, acabou sofrendo um acidente de viação no regresso à casa, tendo sido conduzida ao hospital com fraturas. Chegado ao Hospital Agostinho Neto, foi de imediato enviada ao Bloco Operatório para intervenção cirúrgica. Mesmo consciente, conta uma fonte deste jornal que presenciou o caso, “ela escondeu que era suspeita de coronavírus e que devia estar em quarentena, permitindo que fosse operada sem revelar a sua situação”.
Só depois de feita a cirurgia é que uma enfermeira fez saber aos colegas que a paciente era suspeita de estar infectada com coronavírus, para pânico geral. "Imediatamente, todo o Bloco Operatório foi paralisado. Todo o pessoal que trabalha no Bloco ficou retido por precaução, de modo a evitar um problema bem maior”, disse ao Santiago Magazine um médico do HAN.
Acto contínuo, o Hospital teve que fazer um teste urgente de Covid-19 à mulher enquanto o Bloco Operatório teve de ser fechado e os técnicos retidos dentro até saírem os resultados, o que viria a aparecer só no domingo à tarde, ou seja, cerca de 24 horas depois.
“Felizmente para essa senhora o teste deu negativo, mas aqui o que importa ressalvar é a falta de responsabilidade dessa pessoa que poderia ter infectado seus amigos na festa e, sobretudo, os profissionais de saúde, que, como se sabe, são os que mais contraem o coronavírus em todo o mundo por causa da sua missão. Mas também questionar as autoridades sobre o tipo de vigilância que estão a fazer, porque o que aconteceu poderia causar danos irreparáveis se porventura o teste desse positivo”, diz, irritado a nossa fonte. “Se desse positivo todo o pessoal Bloco seria colocado em quarentena. E, fechado o Bloco, onde é que se iria operar alguém? Isto é grave e as pessoas têm que tomar consciência dos seus actos e as consequências para os outros”, exclama, sublinhando que a referida paciente “não saiu para comprar pão ou algum bem de primeira necessidade, mas sim para ir a uma festa!”.
Santiago Magazine tentou ouvir o director Nacional da Saúde, Artur Correia, mas não foi possível. Entretanto, o presidente do Conselho de Administração do HAN, Júlio Andrade, confirmou este episódio e garantiu ao Santiago Magazine que a instituição está já a preparar uma comunicaão para o Ministério Público, a fim de tomar as medidas que a lei estabelece para este caso em concreto.
“Ela teve um acidente, foi operada por um ortopedista, mas escondeu que estava submetida a quarentena. É certo que os técnicos de serviço, logo que souberam, tomaram todas as medidas, mas a irresponsabilidade da senhora obrigou todos os trabalhadores do Bloco a ficarem retidos até domingo à tarde, à espera do resultado do exame de Covid-19, que felizmente deu negativo. Isto é grave, por isso vamos comunicar a Procuradoria. É que ela estava de quarentena, foi a uma festa colocando a própria família em perigo, assim como outros familiares, amigos e conhecidos. Ela teve um acidente e não comunicou as pessoas que a foram socorrer, no hospital colocou em perigo a anestesista e todo o pessoal que com ela lidou até ser operada nesse dia”, afirma Júlio Andrade.
O gestor do HAN realça que o estabelecimento hospitalar que dirige dispõe de uma sala alternativa no Bloco Operatório para atender pacientes com coronavírus que necessitem de alguma intervenção cirúrgica, como grávidas por exemplo. Por esta razão, Júlio Andrade diz não compreender a postura da paciente que em vez de revelar o seu caso, preferiu esconder que era suspeita de coronavírus e por pouco – porque os exames deram negativos – “não infectava a maioria das pessoas que participou no seu atendimento, desde serventes, administrativos até ao pessoal do Bloco. Achamos que isso é de uma grande irresponsabilidade o que ela fez. As pessoas ficaram presas no Bloco durante quase 24 horas, não saíram à espera dos resultados dos testes. Vamos ter, sim, de acionar a Procuradoria da República”.
Para o PCA do HAN há uma conclusão que se deve tirar deste caso: “nós, cabo-verdianos, não temos autodisciplina. Portanto, não é viável quarentena domiciliar sem controlo do poder policial permanente. As pessoas foram avisadas, aconselhadas a permanecerem em casa, e resolvem sair, estar com os amigos, ir a uma festa… isto á inaceitável. Não foi por acaso que se decretou o Estado de Emergência”.
A paciente ainda está na Traumatologia do Hospital Agostinho Neto a recuperar do acidente de viação.
Há pouco mais de uma semana o procurador da República, Vital Moeda, começou a publicar nas redes sociais textos informativos sobre o que a lei diz acerca do contágio e propagação de doença contagiosa, neste momento em que o país enfrenta o Covid-19. Em jeito de alerta aos mais desavisados, transcrevemos aqui algumas das passagens mais importantes que anotou num dos seus posts: "Quem praticar, com o fim de transmitir a outra pessoa doança grave de que sofre, está afectado ou contaminado, acto capaz de produzir a infecção ou contágio, será punido com pena de prisão de 2 a 6 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal", disse, citando o artigo 156º do Código do Penal, referente ao Crime de perigo de contágio de doença grave.
Mais, "se se considerar haver crime de propagação de doença contagiosa (Artigo 299.º do Código Penal), criando perigo para a vida e perigo grave para a integridade física de outrem, a pena de prisão será de 1 a 6 anos de cárcere. Se o perigo for criado ou a conduta for levada a cabo por negligência, a pena será, respectivamente, a prevista no n.º03 ou no n.º4 do artigo antecedente (ou seja, de 6 meses a 4 anos de prisão ou até 03 anos ou com multa de 80 a 200 dias). São crimes públicos pelo que qualquer pessoa pode denunciar", explicou Vital Moeda.
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