O Ministério Público já deduziu acusação contra Eliseu Sousa, agente da Polícia Nacional suspeito de assassinar o seu colega Hamylton Morais em plena missão de serviço, há precisamente seis meses, em Tira-Chapéu. Para a Procuradoria, Eliseu teve intenção de matar Tútu, como era conhecido o policial baleado, mas considera ter havido “homicídio simples”. A família não aceita e vai avançar com pedido de Audiência Contraditória Preliminar (ACP).
Cinco meses após a trágica morte do agente da Polícia Nacional Hamylton Morais, baleado em missão de serviço no dia 29 de Outubro no bairro de Tira-Chapéu, o Ministério Público deduz, enfim, acusação contra o principal suspeito: Eliseu Sousa, também agente policial e colega de Tútu, com quem estava numa operação nessa noite, estando, desde então, a aguardar julgamento em prisão preventiva.
A acusação do MP, assinada pelo procurador Manuel da Lomba, tem data de 18 de Março de 2020, mas só agora vem a público, após publicação do documento pelo irmão de Hamylton Morais, o guarda presional Haylton Morais que, inconformado com uma acusação “tão leve” decidiu levar o seu protesto ao conhecimento público.
O texto de acusação diz que o Ministério Público “imputa ao arguido Eliseu Sousa na prática, como autor material, do crime de homicídio simples, nos termos dos artigo122º do Código Penal, em concurso com o crime de disparo” enquanto que os familiares da vítima alegam que o crime foi de homicídio agravado e qualificado.
O que aconteceu nesse dia 29 de Outubro?
Segundo a acusação, os três agentes Eliseu, Hamylton (graduado da viatura piquete) e Jailson Fernandes (que dirigia) estavam a perseguir dois indivíduos, incluindo um jovem de nome Patrick, que estava portando de arma de fogo na mão.
Era meia-noite e 15. A dado momento os agentes Hamylton (a vítima) e Eliseu (o suposto assassino) desceram da viatura e encetaram uma perseguição a pé, tendo o agente Hamylton conseguido neutralizar o suposto meliante, Patrick, que, pese embora estar armado com uma pistola, ficou imobilizado, deitado no chão. Logo de seguida, o outro agente Eliseu alcançou o seu colega, quando o meliante já estava dominado, com a situação perfeitamente sob controlo. “No momento em que um outro agente se aproximava para dar o apoio policial necessário, (a testemunha Adylson), o arguido Eliseu deu alguns passos para trás, direcionou a sua arma de fogo em direcção ao local em que o Agente Hamylton continuava com o suposto meliante detido, a uma distância de onze metros, e efectuou um disparo que atingiu o malogrado Hamylton Morais que estava na outra extremidade do beco, quando este se encontrava com a cara inclinada para o arguido Patrick” que continuava deitado no chão. Essa descrição dos factos feita na Acusação do Ministério Público deixa entender que a vítima foi apanhada de surpresa, sem que lhe fosse dada qualquer hipótese de defesa.
Ainda de acordo com a Acusação, o agente Eliseu, depois de ter realizado o disparo, escondeu-se atrás de uma parede, antes de ir ter com a viatura para irem socorrer o agente Hamylton que, ferido do lado esquerdo do peito, viria a falecer no Hospital Agostinho Neto.
A intervenção da Polícia Judiciária foi crucial para ajudar a deslindar esse caso. O exame de balística viria a comprovar que o disparo partiu da arma do colega Eliseu.
Para o MP, o agente Eliseu agiu “com o propósito de provocar a morte do malogrado Hamylton Morais”, pelo que o acusa de “homicídio simples” e “crime de disparo”, ao mesmo tempo que o suposto de nome Patrick que tinha sido detido pelo falecido foi acusado por porte ilegal de arma de fogo.
Na sua página do facebook, Haylton Morais, irmão gémeo do falecido Hamylton, publicou um vídeo a atacar a corporação policial, em especial o director nacional da PN, por ter afirmado que se tratou de acidente, o que foi agora contrariado pelo Ministério Público.
Descontentamento dos Familiares
Os familiares do malogrado, sobretudo o seu irmão gémeo, Haylton, não esconde o seu descontentamento com a acusação do MP e anunciou que já estão a tomar providências no sentido de contestar a Acusação Pública, através da interposição de um requerimento de Audiência Contraditória Preliminar (ACP), junto do Tribunal, para exigirem justiça.
A este respeito, alguns juristas contactados por Santiago Magazine consideram inadmissível a “leve acusação deduzida contra o suposto homicida, que foi acusado somente por homicídio simples, que é punido pelo artigo 122º do Código Penal, com uma pena de somente 10 a 16 anos de prisão, ao passo que, salvo melhor opinião, os factos constantes da acusação obrigava o MP a deduzir acusação por Homicídio Qualificado e Agravado, nos termo alínea b) do artigo 123º do CP, tendo em conta que o suposto assassino terá usado um meio que tornou impossível a defesa da vitima, (arma de fogo a curta distância) o que aumentaria a pena de prisão para a moldura de 15 a 30 anos”.
Por outro lado, segundo especialistas de Direito, “este mesmo crime seria também qualificado e agravado nos termos alínea c) artigo 124º do CP, pois a vitima era um funcionário público, encarregada de um serviço público e que estrava no exercício das suas funções policiais, pelo que a moldura penal teria que ser de 15 a 30 anos prisão”.
Ainda segundo esses mesmos especialistas, qualquer pessoa, mesmo não sendo jurista, poderá entender que o Ministério Público não agiu de forma coerente, pois das duas uma: "ou foi um homicídio negligente, sem que houvesse intenção de matar e, neste caso, então, a Acusação foi excessiva; ou, caso se considerar que houve mesmo intenção de matar, como se afirma na acusação, então, o crime de homicídio tem mesmo de ser qualificado e agravado, passando a moldura penal para 15 a 30 anos de prisão, em vez de ser de 10 à 16 anos de prisão".
Seja como for, a sensação que fica é que, no extremo, a justiça não está sendo feita de forma cabal e consequente. “Esta acusação demonstra alguma fragilidade e incoerência do sistema judicial em geral e do Ministério Público em especial”, analisa outro jurista, manifestando a sua concordância com a decisão da família do malogrado em interpor um requerimento a solicitar a ACP, junto do Tribunal, antes mesmo do julgamento, tentando levar "o sistema judicial a fazer uma qualificação do crime mais conforme com os ditames do Código Penal vigente".
Agora, o que mais salta à vista é uma certa superficialidade do próprio Ministério Público na investigação deste processo. Isso porque, quando conclui, conforme está escrito no texto da acusação, que houve intenção de Eliseu para matar Hamylton, o MP forçosamente teria que justificar, ou pelo menos tentar saber, o porquê. Quer dizer, qual o móbil deste presumível crime de homicídio? Esta questão básica ganha força no facto de, antes de ser morto a tiro, Hamylton Morais, o Tútu, ter trocado mensagens com familiares em que afirmava ter descoberto colegas ao serviço de traficantes, informando-os de operações secretas da PN antes de chegarem aos locais identificados de tráfico.
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